Ocupação ilegal ameaça abastecimento de água em cidades brasileiras
2007-03-07
O desafio de melhorar o aproveitamento de recursos hídricos passa por questões emblemáticas dos grandes centros urbanos. As cidades receberam 110 milhões de novos moradores. A taxa de urbanização saiu de 35% em 1940 para 84,3% em 2005. O crescimento desordenado provocou aumento da poluição da água e, ao mesmo tempo, agravamento de problemas como inundações.
No Grande Recife, 3,5 milhões de pessoas residem em 600 favelas, onde abastecimento e esgoto são problemas reais. Às margens das represas Billings e Guarapiranga, em São Paulo, vivem 1,8 milhão de pessoas. Todas em moradias irregulares, que ameaçam a qualidade das águas que abastecem a região metropolitana, com despejo de esgoto e lixo sem qualquer tipo de tratamento. Tais famílias, no entanto, dificilmente vão sair de lá. Estimativas mostram que para transferir o grupo seria preciso R$ 13,5 bilhões.
“É preciso encontrar alternativas para reduzir o impacto desta população na área. E evitar que fenômenos como este ocorram em outras regiões”, afirma o consultor da Agência Nacional de Águas (ANA), Francisco Lobato, um dos autores do relatório GeoBrasil, divulgado ontem em Brasília. O trabalho, conduzido pela ANA, Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) e Ministério do Meio Ambiente faz uma análise do aproveitamento dos recursos hídricos no País, traça um perfil dos principais problemas e aponta sugestões para evitar que situações como o de São Paulo e Recife se multipliquem em outros centros urbanos.
O diretor executivo do Pnuma Achim Steiner veio ao Brasil para participar do lançamento do relatório. A cerimônia ocorreu pouco depois de um encontro entre Steiner e o presidente Lula.
O GeoBrasil retrata o problema da lentidão em realizar transformações significativas e alerta para a grande desigualdade de acesso. Apesar de ter água suficiente para atender 57 vezes a demanda atual, há no País hoje um número significativo de pessoas, habitantes da região do semi-árido, sem acesso regular à água.
Quando se fala em água de boa qualidade, a dimensão do problema aumenta. Estima-se que apenas 54% dos domicílios contam com coleta de esgoto. Para Lobato, uma das mais preocupantes conclusões é justamente essa: a justaposição entre pobreza, áreas com águas poluídas e deficiência na oferta de serviços públicos. “O problema da qualidade tende a aumentar, caso algo não seja feito. Há aumento da população, da produção e conseqüentemente, da demanda de água”, afirma o diretor da ANA, Bruno Pagnoccheschi.
O relatório não hesita em afirmar a urgência de se cobrar pelo uso da água. Lobato avalia que a medida é fundamental para que população e concessionárias passem a dar maior valor ao recurso e evitem o desperdício. “A perda que ocorre entre captação e distribuição de água chega a 30%. Se contarmos os prejuízos por cadastros desatualizados, ligações clandestinas, essa perda sobe para 50%”, completa Lobato. Com a cobrança, afirma, concessionárias e indústrias teriam maior cuidado para evitar desperdício.
Para Lobato e Pagnoccheschi, o maior empecilho é o descompasso entre a Lei das Águas e outras regulamentações. Como exemplo, citam o fato de terem sido criados no País 280 comitês de bacias. Mas só dois têm plena autonomia: o da Bacia do Rio Paraíba do Sul (que abrange SP, RJ e MG) e o da Bacia de Piracicaba (SP e RJ).
Mudanças climáticas
A ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, anunciou na segunda-feira (5/3) que o presidente determinou a criação de um Plano Nacional de combate às Mudanças Climáticas, nos mesmos moldes do plano de combate ao desmatamento.
Steiner defendeu a necessidade da criação de metas mais rígidas para países desenvolvidos reduzirem a emissão de gases que favorecem o efeito estufa. Para ele, o mundo vive uma paralisia e falta de confiança nas discussões internacionais sobre o tema.
(Por Lígia Formenti, O Estado de S. Paulo, 06/03/2007)
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