Um grupo de alunos do curso de Biologia da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul constatou, durante uma saída de campo em maio de 2006, um
desrespeito ao meio ambiente em andamento no Litoral Norte do Estado.
Um vultuoso condomínio residencial está sendo erguido no município de
Xangri-lá, junto à RS-368, pela construtora Casamar Empreendimentos Imobiliários, a 150 quilômetros de Porto Alegre.
O empreendimento, ironicamente denominado Bosques de Atlântida, está sendo
levantando em área de remanescente da Mata Atlântica, bioma tido como o mais ameaçado do Brasil. A área da obra estaria sofrendo corte de vegetação, aterros e abertura de canais artificiais para a instalação das residências.
As supostas irregularidades foram encaminhadas pelo professor do grupo e
membro da Ong Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais (Inga), Paulo Brack, ao Ministério Público Estadual.
Segundo Vicente Medaglia, coordenador-geral do Inga, o Litoral Norte gaúcho
é o principal corredor de espécies tropicais da Mata Atlântica que alcançam
o Rio Grande do Sul, desde o nordeste do Brasil. Em
documento encaminhado
ao MPE, a Ong ressalva que, “qualquer intervenção antrópica deve obedecer a peculiaridades ambientais locais e as questões relacionadas à Legislação e,
acima de tudo, avaliar os aspectos globais do impacto referente ao somatório de empreendimentos de grande porte, crescentes na região”.
A promotora de Justiça de Capão, Caroline Gianlupe, explica que o Ministério Público realizou, em conjunto com a Patrulha Ambiental da Brigada Militar, as investigações necessárias, e que constatou o desmatamento da área em questão. “Questionamos as licenças junto à Fepam para verificar se o que foi feito estava dentro da legalidade”, lembra.
Obra possui licenças da Fepam
O empreendimento possui as
Licenças Prévia e de Instalação da Fundação Estadual de Proteção Ambiental. Elas foram apresentadas à promotoria do município de Capão da Canoa, logo após a instauração do inquérito em 29 de maio do ano passado, quatro dias após a denúncia do Inga. De acordo com Caroline, os termos das licenças não foram desrespeitados.
Se o que foi feito a partir das licenças da Fepam está dentro da lei, resta
ao MPE saber da licença concedida pelo Departamento de Florestas e Áreas
Protegidas da Secretaria Estadual do Meio Ambiente (Defap). A promotora Caroline explica que já solicitou ao órgão florestal uma cópia
do documento que permite o corte da vegetação. O prazo expirou em novembro
do ano passado, mas foi prorrogado até 20 de março próximo.
O Defap argumenta que não entregou a licença ao MP em razão das férias de
funcionários e pela reorganização do departamento. “Se o empreendedor
estiver de acordo com a licença não há motivos para embargar a obra”,
assinala Caroline. “O que dificulta o combate a esses empreendimentos luxuosos em plena Mata Atlântica é que eles são administrados por gente muito poderosa, mexemos com interesses de empresários ambiciosos e pessoas sem a mínima preocupação social e ambiental”, avalia uma ambientalista que prefere não se identificar.
Resto de Mata Atlântica no país
As áreas remanescentes de mata atlântica compreendem cerca de três mil
municípios de 17 estados. Mesmo reduzida a pouco mais de 7% de sua área
original, ela cumpre importante papel na proteção dos recursos hídricos, na
regulagem do clima e na proteção da biodiversidade, entre outras funções.
O “Bosques de Atlântida” não é única obra do gênero sendo contestada por
ong’s no Estado. Outro empreendimento para milionários gaúchos, na região da serra, e também em área de Mata Atlântica, é motivo de indignação por parte de ambientalistas.
Desde o dia 20 de dezembro, as obras do loteamento EcoVillage, da
construtora Cotiza, em São Francisco de Paula, estão paralisadas por
determinação da Justiça Federal de Caxias do Sul. A liminar foi concedida um dia após a ONG Mira-Serra entrar com a ação civil pública em Porto Alegre contra a empresa e o Ibama.
O projeto prevê a construção de um condomínio fechado numa área de 87 mil
metros quadrados em Área de Preservação Permanente (APP) às margens da RS 20 e próxima ao trevo de acesso à cidade.
Conforme o advogado da ONG, Ricardo Athanásio de Oliveira, a suspensão foi
pedida porque a construtora não tem licença ambiental para o luxuoso
empreendimento. “O local é um remanescente de Mata Atlântica, protegido por
lei”, explica.
Empresa tinha licença do IBDF
A Cotiza, segundo informações publicadas na imprensa, apresenta, para
justificar o desmatamento, uma licença de 1982 expedida pelo extinto IBDF,
antecessor do Ibama. “A empresa já sofreu penas administrativas, o que
entretanto não impediu o prosseguimento do desmate”, afirma Oliveira.
A ação, conforme a presidenta da Mira-Serra, Lisiane Becker, pretende barrar uma série de abusos contra o bioma, além de o empreendimento estar avançando no entorno de uma Reserva Particular do Patrimônio Natural, a RPPN Mira-Serra. “Nossa ação foi motivada a partir de uma demanda da própria comunidade”, afirma a ambientalista. Entre as supostas irregularidades, a Cotiza teria desmatado uma floresta de xaxins, espécie de samambaia característica da Mata Atlântica e ameaçada de extinção.
Conforme a liminar, além da suspensão das obras e do desmate, o loteamento
terá bloqueado o seu acesso, com a colocação, nele, de placas indicativas da restrição judicial, assim como as futuras publicidades do empreendimento
deverão fazer menção à decisão.
“Queremos proibir o uso do prefixo “Eco” nas propagandas do EcoVillage
porque isto distorce e banaliza as questões ligadas ao meio ambiente”,
pondera Lisiane. Até o fechamento desta edição, as duas construtoras não
haviam retornado à reportagem.
(Por Carlos Matsubara, Ambiente JÁ, 06/03/2007)