A demanda por biocombustível a base de soja pode ter o efeito perverso de, em vez de ajudar no combate ao aquecimento global por ser menos poluente, encorajar o desmatamento e tirar do mapa as últimas áreas de cerrado do Brasil.
Se a expectativa dos analistas do campo estiver correta, o plantio de soja poderá recuperar já nesta safra a área perdida com a crise que abalou o setor nos últimos anos. E se o mercado permanecer favorável, como tudo indica, a área do grão crescerá ainda mais na safra 2007/08, abocanhando regiões até agora relativamente preservadas.
Os ambientalistas não estão olhando mais apenas para a Amazônia para traçar o caminho da sojicultura, que depois de conquistar o Brasil Central avança para cima e para o lado. Embora vulnerável, dado o seu tamanho e as dificuldades de fiscalização, o governo brasileiro tem despejado milhões de reais nos últimos anos em programas de proteção e criou duas dezenas de áreas de conservação formando um "muro verde" para estancar a fronteira do agronegócio.
A preocupação dos ambientalistas, no entanto, se estende agora para o segundo - e mais relegado - ecossistema da América do Sul. É para o cerrado que os produtores de grãos olham com desejo. De uma área original de 2 milhões de Km², somente 30% restaram, segundo grupos ambientalistas.
"O cerrado originalmente ocorria de São Paulo até o Piauí", diz Cristiano Nogueira, analista de biodiversidade da Conservação Internacional (CI) no Programa Cerrados. "Hoje só sobrou no Maranhão, Tocantins e Piauí. Com o avanço da agricultura, o cenário será muito diferente em dez anos".
A própria estimativa de terras agricultáveis do Ministério da Agricultura inclui áreas de cerrado. Com a paisagem árida de arbustos esparsos, o cerrado é visto como pobre e desimportante.
Para os ambientalistas, é um conceito errado. Além da biodiversidade - 44 mil espécies de plantas superiores que ocorrem no Cerrado não são encontradas em nenhuma outra região no mundo -, todos os grandes sistemas hídricos do continente - bacia Amazônica, bacia Paraguai-Paraná-Prata, bacia do Parnaíba e do São Francisco - têm nascentes neste bioma. "Impactos no Cerrado irão gerar problemas de quantidade e qualidade de recursos hídricos em várias outras regiões", diz Nogueira, da CI.
Outro fator que influencia diretamente na escolha deste bioma é o preço. "É necessário um investimento alto para abrir áreas nativas", explica o analista Seneri Paludo, da Agência Rural. "Em áreas abertas é bem mais barato".
A grosso modo, o custo de abertura da mata fechada equivale ao custo de produção de três safras, estima o agricultor Elton Ramer, de Mato Grosso. Ele não detalha cifras, mas diz que em descampados o tratamento da terra cai para 20% a 30% do custo de produção. "Hoje não há dinheiro para investir em mata nativa e leva um ano para ela ficar pronta", diz. "Por isso não deve ser alvo para a próxima safra". Ramer, que atua na região de Nova Mutum, no norte do Mato Grosso, explica que a pressão internacional para preservar a floresta também desencorajou os produtores.
O avanço dos grãos, puxado pela soja, em direção aos três últimos Estados com Cerrado preservado entrou na agenda dos ambientalistas e começa a pressionar o governo federal. O próprio Ministério do Meio Ambiente admite que o bioma "ficou esquecido" em tempos de neura amazônica. Não existe, por exemplo, um monitoramento sistemático sobre a região, o que torna difícil até provar que o que está ou não preservado.
Em fevereiro, um estudo financiado pelo ministério e realizado em parceria com a Embrapa mostrou que o cerrado ainda mantém 61,2% de área preservada. Foi criticado por especialistas e contraposto a outros estudos, alguns internacionais, mais pessimistas. "Eles contabilizaram pastagens como área preservada", diz Nogueira.
Em 2006, o governo com o Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF) programa de US$ 13 milhões para o cerrado. Produtores não querem nem ouvir falar em preservação. Enquanto houver demanda, plantarão. Como reza o mercado, o melhor adubo é o preço.
(Por Bettina Barros,
Valor Econômico, 06/03/2007)