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2007-03-06
Espécie de arena onde são travados sem máscaras os mais encarniçados embates entre os grupos contrários e favoráveis à liberação dos transgênicos no Brasil, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) vive um momento de particular expectativa depois que a Câmara e o Senado aprovaram a Medida Provisória 327 que, entre outras coisas, reduz de dois terços para maioria simples o quorum necessário para a aprovação, no âmbito da comissão, dos pedidos de produção e comercialização de organismos geneticamente modificados no país.

Responsável por vetar ou sancionar a mudança proposta pelos parlamentares, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não deu um sinal concreto de qual será sua decisão. Se optar pelo veto, vai atender aos pedidos feitos por diversas organizações do movimento socioambientalista e por setores do PT que defendem a adoção do princípio da precaução em relação aos transgênicos. Se optar pela sanção, vai atender aos anseios das empresas do setor de biotecnologia e, provavelmente, provocar uma corrida de liberações na CTNBio, cuja maioria dos membros é favorável aos transgênicos.

Ainda sem saber para onde vai pender a balança presidencial, a CTNBio se prepara para, no dia 20 de março, realizar uma audiência pública sobre a liberação do milho transgênico Liberty Link, desenvolvido pela transnacional Bayer CropScience, além de outras seis variedades de milho geneticamente modificado. Essa audiência pública será a primeira promovida pela CTNBio desde sua reformulação pela Lei de Biossegurança, mas vai acontecer contra a vontade da maioria pró-transgênicos da comissão, que preferia restringir a discussão às reuniões do colegiado. Acionada por organizações como o Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) e a Assessoria e Serviços a Projetos de Agricultura Alternativa (AS-PTA), entre outras, a Justiça, no entanto, concedeu liminar e determinou a obrigatoriedade da realização da audiência pública.

A simples realização da audiência já será uma vitória para os setores contrários aos transgênicos, mas estes agora prometem recorrer novamente à Justiça, dessa vez para contestar o modelo que foi adotado pela CTNBio para a consulta pública. Em seu boletim, a Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos qualifica a audiência como “faz-de-conta” e critica diretamente o presidente da CTNBio, Walter Colli, que “é capaz de organizar a audiência pública de forma que os membros da CTNBio, que são os que deveriam dar explicações à sociedade sobre os riscos da liberação do milho transgênico, participarão apenas como ouvintes”.

Os socioambientalistas criticam a falta de transparência nos critérios de escolha daqueles que poderão falar durante a audiência. De acordo com o anunciado pela CTNBio, Colli dará a palavra por 15 minutos a dez pessoas que se inscreverem previamente (até o dia 13 de março) junto à comissão, além de cinco representantes das empresas e cinco representantes da sociedade civil que serão escolhidos pelo presidente da CTNBio.

Também é criticada a opção pela análise conjunta de sete pedidos de liberação de milho transgênico, uma vez que apenas o pedido relativo à variedade desenvolvida pela Bayer já foi analisado previamente em reunião ordinária da comissão: “Por quê essa aversão à transparência? Criticaram duramente a participação do Ministério Público nas reuniões, se recusaram a assinar termos de conflitos de interesses e votaram contra a realização da audiência pública, que só sairá por força de decisão judicial. Agora, tentam melar o debate aberto”, diz o boletim da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos, referindo-se à maioria pró-transgênicos da comissão.

CTNBio x Ministério Público
Ao mesmo tempo, continua a queda-de-braço entre o Ministério Público Federal e a CTNBio, iniciada em maio do ano passado quando a procuradora Maria Soares Cordiolli, valendo-se do direito expresso na Lei de Biossegurança, passou a acompanhar in loco as reuniões ordinárias da comissão. Principal crítico da “constrangedora presença da procuradora entre os cientistas”, o presidente da CTNBio, Walter Colli, teve, logo após o carnaval, sua destituição do posto pedida pelo MPF.

A indicação de Colli e de sua suplente, Erna Kroon, feita diretamente pelo Ministério da Saúde, é considerada irregular pelos procuradores, uma vez que ambos ocuparam cadeiras destinadas à sociedade civil sem que fosse realizado nenhum tipo de consulta às entidades civis do setor. A partir dessa interpretação, o MPF pede a anulação de duas portarias _ uma do Ministério da Saúde, que indicou os dois especialistas como membros da CTNBio; outra do Ministério da Ciência e Tecnologia, que nomeou Colli como presidente _ e a revisão de todos os atos praticados pelo atual presidente da CTNBio.

Uma outra ação movida pelo MPF quer obrigar as empresas do setor alimentício a identificar por meio de rótulos os produtos transgênicos ou que contenham organismos geneticamente modificados em sua composição. A obrigatoriedade da rotulagem dos transgênicos está prevista na Lei de Biossegurança, além de ser objeto de um decreto presidencial datado de 2003. O governo, no entanto, jamais criou os mecanismos para a fiscalização da rotulagem, fato que faz com que até hoje as empresas do setor ignorem essa parte da lei. O MPF quer agora que a CTNBio publique um ato administrativo disciplinando, em caráter nacional, a necessidade da rotulagem em 100% dos produtos geneticamente modificados.

Contrabando de bactérias
Se a proximidade da primeira audiência púbica e a possibilidade de redução do quorum necessário às deliberações já fazem ferver o caldeirão da CTNBio, um outro tempero deve tornar os próximos encontros da comissão ainda mais explosivos. Uma reportagem publicada em fevereiro pelo jornal Correio Braziliense afirmou que um membro da comissão, Vasco Ariston de Carvalho Azevedo, admitiu na frente dos colegas ter feito uma importação irregular (leia-se contrabando) de bactérias lácticas que usava em seu projeto. Coordenador de um curso de pós-graduação em genética da UFMG, Azevedo se dedica desde 1999 à tentativa de desenvolvimento e produção de uma vacina contra a brucelose, doença infecciosa que atinge rebanhos bovinos.

A matéria, baseada na transcrição de reuniões da CTNBio, afirma que a confissão de Azevedo aconteceu em março do ano passado, quando uma subcomissão discutia a possibilidade de punição ao Instituto Butantã por este ter importado em 2005, sem a autorização do governo, uma variação transgênica do vírus H5N1, causador da gripe aviária. Após afirmar que a CTNBio não existiu em 2005, Azevedo completou: “É culpa do governo, mas não pode punir quem quer trabalhar. Eu mesmo importei bactérias porque não existia a CTNBio, eu não posso parar”, disse, segundo as transcrições.

Procurado pelo jornal, Azevedo admitiu ter dito o que disse, mas garantiu que “tudo não passou de uma provocação” dirigida ao setor contrário aos transgênicos na CTNBio: “Eu não importei. Eu sou maluco de importar?”, indagou. Para os defensores do princípio da precaução, esse episódio é apenas mais um a ilustrar o caráter pró-transgênicos da CTNBio. O boletim da Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos afirma que outro membro da CTNBio, Edílson Paiva, da Embrapa, “disse que o milho transgênico deve ser liberado, pois será importante para a produção de etanol no atual contexto de biocombustíveis” e conclui: “Resta saber o que isso tem a ver com biossegurança. São esses os argumentos que norteiam as decisões ‘técnicas’ da CTNBio? Está na hora de a CTNBio abrir o jogo”.
(Por Maurício Thuswohl, Agência Carta Maior, 05/03/2007)

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