Realizado no final de fevereiro por mais de 600 camponeses, pescadores, pastores, indígenas e ambientalistas no Mali, África, o Fórum Mundial sobre Soberania Alimentar, idealizado pela Via Campesina Internacional, definiu, ao menos de forma inicial, as diretrizes da relação dos movimentos sociais do campo com o complexo debate dos biocombustíveis.
O evento, que procurou mapear as perspectivas da agricultura mundial e seus novos desafios - tanto no que tange a sobrevivência dos pequenos produtores e suas atividades quanto no que se refere às novas demandas do mercado, de um lado, e da população mundial, do outro -, deu um voto favorável à produção de energias alternativas, mas propôs uma série de "condicionalidades”.
Parte das “novas demandas do mercado”, a real dimensão dos biocombustíveis no cenário agrícola mundial está se desenhando ainda. O que precisa ser definido desde já, porém, é um entendimento mais claro de sua natureza por motivos políticos e econômicos, defende João Pedro Stedile, membro da coordenação nacional do MST.
Para os movimentos sociais do campo, explica Stedile, um passo básico muito importante foi ter consensuado, no Mali, uma posição sobre o papel dos biocombustíveis na agricultura mundial. “Avançamos no entendimento de que seremos favoráveis à produção de energia a partir de produtos agrícolas, mas apenas no caso em que não substitua a produção de alimentos e não utilize produtos alimentícios, como o milho e a soja. Que sejam fabricados a partir de produtos que não representem uma competição com os alimentos”.
Um segundo passo foi dado na direção de redefinir conceitualmente os combustíveis vegetais, renomeados de “agrocombustíveis”. “Acho muito importante que avancemos na construção de um novo conceito [para esta energia]: não chamá-la mais de “biocombustíveis”, mas de “agrocombustíveis”. Porque a expressão “bio” é incorreta, denominaria combustíveis feitos com vida; mas a vida tem sentido demasiadamente amplo. Temos que adotar uma forma correta de denominar os combustíveis feitos a partir de vegetais como produtos agrícolas”, explica Stedile.
Para o dirigente do MST, a renomeação é especialmente importante perante a campanha de George Bush pela expansão do etanol, tema central de sua recorrida pelo Brasil, Uruguai, Colômbia, Guatemala e México esta semana. Segundo Stedile, a proposta dos EUA de que os agrocombustíveis sejam considerados uma nova commoditie energética - e não um sub-produto agrícola que estivesse submetido às atuais regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) - é mais uma estratégia de controle de um mercado em expansão, que poderia culminar em uma nova Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo) agroenergética sob comando americano.
Sustentabilidade
Apesar de reconhecer a importância dos agrocombustívies enquanto alternativa energética e econômica, Stedile cobra um debate mais objetivo sobre os problemas ambientais no âmbito das discussões sobre energias alternativas.
“É preciso debater com a sociedade uma nova matriz energética para os transportes, um dos setores mais poluentes e o maior consumidor de petróleo. Esse é o debate fundamental. Não adianta discutirmos como produzir álcool mais barato se a indústria automobilística continua fabricando esta enorme quantidade de carros – mesmo que a álcool. Este é o ponto em que, no nosso entender, temos que combinar o debate sobre os agrocombustívies e a sua utilização: para que serão? Para continuar facilitando à burguesia andar de carro? Se é importante para nós termos energias renováveis, como os agrocombustívies, que se pode cultivar todos os anos, é preciso que esta produção seja sustentável. O agronegócio pode produzir soja, cana, milho e algodão para energia, mas vai faze-lo de uma maneira insustentável, com alta utilização de agrotóxicos e no modelo de monoculturas. Estes aspectos que trazem conseqüências perversas, já que, como o petróleo, está comprovado que o agronegócio é um grande contribuinte do aquecimento global”.
(Por Sebastián Valdomir e Verena Glass,
Agência Carta Maior, 05/03/2007)