As previsões não são nada boas para uma das mais belas ilhas do Rio Grande do Sul. Os efeitos das mudanças climáticas globais
poderão fazer desaparecer parte da Ilha dos Marinheiros, no sul do Estado, caso a iminência de fortes avanços do nível da
água da Lagoa dos Patos se confirme.
É o que mostra um estudo feito pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (Furg), encomendado pelo Ministério do Meio
Ambiente. O projeto de pesquisa, coordenado pelo professor Carlos Roney Tagliani, foi apresentado na semana passada em
Brasília com mais sete levantamentos.
O estudo da Furg é focado na Ilha dos Marinheiros, pertencente ao município de Rio Grande, na porção terminal da Laguna dos
Patos. Um diagnóstico ambiental da ilha foi elaborado pelos pesquisadores, que construíram um modelo de elevação digital do
terreno.
A Ilha dos Marinheiros, conforme o estudo, apresenta erosão em todas as suas margens, independentemente da orientação da
linha de praia. Se mantidas as taxas de erosão apresentadas no trabalho, a Ponta da Marambaia, a sudeste da ilha, deverá
desaparecer, a menos que sejam tomadas medidas de contenção.
A diminuição da costa ao redor da ilha não é novidade para os ilhéus. Quem mora ali há mais tempo percebe claramente o avanço
do nível da água, ainda que de maneira lenta. Para o pescador Renato Luiz dos Santos, 45 anos, morador da localidade da
Marambaia, prova disso é a localização da mureta de pedras construída pelos portugueses há mais de dois séculos. Feita antes
sobre a areia, bem longe da água, hoje está cerca de 50 metros dentro da lagoa.
Agricultores seriam os mais prejudicados
Por ter sua atividade econômica baseada essencialmente na pesca e na agricultura, os trabalhadores rurais seriam os mais
prejudicados. No estudo, projetou-se, por exemplo, que com a elevação de um metro do nível da água, 58% das áreas
agricultáveis da ilha seriam inutilizadas, sem possibilidade de recuo para as áreas mais elevadas.
Em termos econômicos, os resultados da pesquisa indicaram que uma elevação mínima de 10 centímetros no nível da lagoa
inundaria uma área agricultável de 4,2 hectares, o que representaria perda anual de R$ 11 mil. Com um metro de elevação, a
perda de 284 hectares geraria prejuízo de R$ 780 mil. O cálculo usou por base um valor de produção médio de R$ 2.747,57 por
hectare.
Grande parte dos terrenos onde há plantações já dispõe de barreiras de contenção. Hermes Dias, 40 anos, produtor de frutas e
hortaliças, usa taquarais no fundo do terreno.
- Outras pessoas plantam acelga e junco para fazer a barreira, senão a água invade mesmo. Agora, já estou pensando até em
fazer uma proteção com madeira - conta.
Falta de recursos impede estudo
O estudo da Furg ressalta que a mudança nas condições de ventos, ondas e correntes poderá provocar outras alterações
climáticas. Entre elas, aumento nas taxas de erosão, modificação no campo de dunas centrais, assoreamento de áreas
agricultáveis, mudança de posição do lençol freático, salinização de poços de abastecimento de água potável e recuo das áreas
de marismas.
Uma análise histórica mostrou que, nos últimos 57 anos, cerca de 1.430 hectares de dunas foram transformados em lençóis
arenosos - com tendência de migração eólica para sudoeste -, impulsionadas pelos ventos predominantes de nordeste.
- As marés meteorológicas na costa do Rio Grande do Sul freqüentemente causam elevações consideráveis do nível da água, tanto
na orla marinha quanto no interior do estuário da Laguna dos Patos, com conseqüências para os ecossistemas atingidos -
explica o coordenador do estudo, Carlos Roney Tagliani.
Ele aponta que que os municípios costeiros de pequeno e médio porte no Brasil têm grande carência de recursos para avaliações
de vulnerabilidade nos ecossistemas, por isso, pecam na tomada de decisão para o planejamento de estratégias adequadas para
atenuar os impactos:
- É necessário cooperação entre as partes interessadas e um esforço de coordenação, nos quais universidades e centros de
pesquisa desempenham um papel fundamental.
Saiba mais
Projeções feitas pelo estudo:
> Uma elevação de 50 centímetros no nível do mar provocaria a inundação de 30% das áreas com matas nativas e 86% das áreas de
marismas.
> Com uma elevação de um metro, os percentuais mudariam para 67% e 99%, respectivamente. Nesse caso, cerca de 58% das áreas
agricultáveis da ilha seriam inutilizadas, sem possibilidade de recuo das áreas agrícolas e de marismas para as áreas mais
elevadas, devido às condições do solo.
> Uma elevação mínima de 10 centímetros inundaria uma área agricultável de 4,2 hectares.
A Ilha dos Marinheiros:
> Situada na margem oeste da Laguna dos Patos, a Ilha dos Marinheiros tem uma área total de 39,9 quilômetros quadrados e
população estimada em 1,3 mil habitantes.
> É a área mais fértil do município de Rio Grande, funcionando como importante centro agrícola e produzindo cerca de 80% das
hortaliças consumidas no município, além de frutas e flores.
> Nela, é produzida a jurupiga, bebida artesanal feita à base de suco de uva que virou símbolo do município.
> As heranças deixadas pelos portugueses se refletem na arte popular, como a tapeçaria feita em juta.
(Por Rodrigo Santos,
Zero Hora, 05/03/2007)