Uma Verdade Inconveniente: o que falta dizer
2007-03-05
Estamos acostumados a conviver com mentiras. Não deveríamos, mas acabamos nos acostumando. O documentário do Al Gore, "Uma Verdade Inconveniente", e a proporção global da crise ambiental nos convoca a refletir sobre algumas dessas mentiras ou equívocos, pois eles determinam nossa visão de mundo, nossos valores. Dependemos disso para encontrar a saída para a crise. Por exemplo, é falsa a corrida pelo desenvolvimento onde países do chamado Primeiro Mundo, vencedores, chegaram primeiro e nós, perdedores no Terceiro Mundo, precisamos ir atrás repetindo a mesma caminhada. É mentira por que, se isso fosse possível, precisaríamos de uns 3 ou 4 Planetas Terra de recursos naturais.
Também não é verdade que a quantidade de pessoas é que determina a capacidade de suporte ambiental de um escossistema, e sim a qualidade da relação dessas pessoas com o ecossistema. Um único sujeito com uma motosserra ou um trator, ou mesmo uma caixa de fósforo pode fazer um desastre ambiental se estiver convencido de que isso irá assegurar-lhe lucro, emprego ou sobrevivência. Assim, focalizar o discurso na superpopulação do Planeta é desviá-lo da discussão sobre a qualidade da relação que alguns povos e minorias mantém com o Planeta, usando e desperdiçando como se fosse um armazém de recursos infinitos e uma lixeira igualmente infinita do outro lado.
Também não é verdade que a ciência e a tecnologias serão capazes de encontrar as respostas à atual crise ambiental, por que não são neutras, mas estão dominadas pelas mesmas forças que dominam o capital. Por exemplo, enquanto for mais lucrativo consumir combustíveis fósseis, as outras formas de energia serão sempre alternativas, menores. Outro exemplo, os excelentes índices de reciclagem de latinhas de alumínio no Brasil, tido entre os maiores do mundo, não significaram menor exploração de minas de bauxita ou liberação de consumo de energia para a fabricação de alumínio. Simplesmente a produção do alumínio continua aumentando por que é mais negócio produzir alumínio no Brasil que ter de poluir o Canadá, EUA ou a Europa com minas de Bauxita ou construção de novas usinas de energia para produzir alumínio. Guardadas as proporções, continuamos como exportadores de água, minério e energia para os países do chamado Primeiro Mundo.
O atual modelo econômico cresce continuamente sem desenvolvimento social por um lado e com imensos problemas ambientais por outro, como dois lados iguais da mesma moeda. A ironia é que usam a necessidade dos mais pobres para saquear o Planeta. Quando questionados, os defensores do atual modelo tentam manipular a opinião pública para que fique contra os ambientalistas. E aqui cresce a nossa responsabilidade como jornalistas ambientais procurando desmascarar o discurso que prega o simples crescimento econômico, ou do PIB (Produto Interno Bruto), como solução para acabar com a míseria e a fome e gerar emprego e renda. Os defensores do meio ambiente acabam sendo estigmatizados como se estivessem mais preocupados com as plantas e bichos e menos com as pessoas.
Pessoas mais sensíveis já apontam a muito tempo os desvios do modelo de crescimento econômico sem desenvolvimento. Existe farta literatura sobre o assunto e enorme acúmulo de lutas entre explorados e exploradores. A História mostra que quando exploradores são imprenssados contra a parede, tratam logo de ceder alguns anéis para não perder os dedos. Hoje, responsabilidade social corporativa (RSC), ISO 14.000, selos 'verdes' podem ser alguns nomes para estes anéis já que não existe uma correlação entre o que se retira da natureza e o que se devolve a ela! É no mínimo questionável o mérito ambiental de um negócio que ganha com a exploração da natureza, por exemplo, 1 bilhão e investe em medidas ambientais compensatórias e projetos de responsabilidade social menos de 5% disso!
A luta ambiental precisa andar acompanhada da luta social contra esta situação de concentração de renda e exclusão social. O que a sociedade parece estar se conscientizando agora é que estamos todos no mesmo barco. Só que os primeiros a serem atingidos pelo naufrágio da crise ambiental serão exatamente os que não têm como se defender, os que estão nos porões dos benefícios sócio-econômicos deste modelo de acumulação.
(Por Vilmar Berna, Envolverde, 04/03/2007)
http://envolverde.ig.com.br/materia.php?cod=28588