Por meio da Operação Ananias, a Polícia Federal e o Ibama/MMA desarticularam na sexta-feira (02/03), no Pará, uma quadrilha que tentava "esquentar" madeira retirada ilegalmente da floresta amazônica. A Justiça Federal de Altamira (PA) expediu 37 mandados de prisão e 44 mandados de busca. Até o início da noite, 25 pessoas haviam sido presas. Com a colaboração de servidores públicos, madeireiros, despachantes e advogados tentaram aplicar o golpe no período de transição das antigas guias de Autorização para Transporte de Produtos Florestais (ATPF) para o novo sistema eletrônico de controle, o Documento de Origem Florestal (DOF).
Servidores do Ibama de Altamira e de Santarém, que deveriam verificar se a declaração de estoque era compatível com autorizações de desmatamento e planos de manejo, negligenciavam a tarefa. Também recebiam propina para vazar informações sobre ações de fiscalizações.
A implantação do DOF possibilitou à Polícia Federal reduzir o tempo de investigação em um terço do período habitual. "Nós a realizamos a investigação em tempo recorde, exatamente porque estamos aperfeiçoando o sistema de gestão de florestas públicas", disse a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, durante entrevista coletiva concedida no ministério. "As operações duram em média de um ano e meio a dois anos. Mas essa nós conseguimos concluir em seis meses", reforçou. Além da ministra, participaram da entrevista o diretor de Florestas do Ibama, Antonio Hummel, e o delegado da Polícia Federal Paulo de Tarso Teixeira.
As investigações que desembocaram na Operação Ananias foram iniciadas depois de denúncia feita por um servidor do Ibama. Começaram em agosto de 2006, com escutas telefônicas autorizadas pela Justiça. Em outubro, a PF solicitou a colaboração de outros técnicos do Ibama, que descobriram tentativas de fraude no DOF.
Na execução das prisões e dos mandados de busca estiveram mobilizados 150 homens, 39 carros, um helicóptero do Ibama e um avião Caravan, da PF. O nome da operação foi inspirado no personagem bíblico Ananias, que fraudou a venda de uma propriedade.
Combate ao desmatamento
Durante entrevista, a ministra Marina Silva disse que a estratégia do governo de enfrentamento da exploração ilegal da floresta inclui a modernização do sistema de monitoramento do fluxo e estoque de madeira e constantes operações de fiscalização. "É um processo que iniciamos em 2003 e que, até o momento, levou à prisão cerca de 500 pessoas, entre as quais mais de 100 servidores do Ibama", disse Marina Silva.
Ela lembrou que, como resultado do trabalho, houve redução de 52% do desmatamento da Amazônia nos últimos dois anos, a criação de 20 milhões de hectares de unidades de conservação e a apreensão de 880 mil metros cúbicos de madeira ilegal, bem como a emissão de R$ 2,8 bilhões em multas. Em 2007, o Ibama realizou quatro grandes operações de fiscalização: no Pará, Maranhão, Mato Grosso do Sul e São Paulo.
Com a Operação Ananias, Ibama e Polícia Federal realizaram, desde 2003, 18 grandes operações conjuntas. Nesse período, foram presas cerca de 500 pessoas, incluindo empresários, advogados, lobistas, servidores do Ibama e dos estados, além de policiais rodoviários federais.
Em 18 grandes operações, MMA, Ibama e PF descobrem 500 envolvidos em quadrilhas especializadas no crime ambiental.
Com trabalho de investigação e inteligência policial, o Ministério do Meio Ambiente (MMA), o Ibama e a Polícia Federal desmontaram, desde 2004, cerca de 20 quadrilhas que comercializavam madeira retirada ilegalmente da floresta amazônica. Desde 2004, quando entrou em ação o Plano de Prevenção e Combate ao Desmatamento na Amazônia (PPCDAM), MMA, Ibama e Polícia Federal realizaram 18 grandes operações contra o crime organizado. Como resultado, 460 pessoas foram presas - 333 empresários, advogados, despachantes, contadores e lobistas; 113 servidores do Ibama, três policiais rodoviários federais e 17 servidores públicos estaduais. As prisões foram realizadas em 17 estados, com maior concentração nos estados de Rondônia, Mato Grosso, Pará, Amapá e Rio de Janeiro. Se todos os mandatos de prisão da Operação Ananias forem cumpridos, o número de pessoas detidas em operações chegará a 490 envolvidos.
Somadas às médias e pequenas operações, o governo realizou cerca de 400 operações de fiscalização integrada. Além de contar com os parceiros citados, as ações tiveram a participação das Forças Armadas, da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), da Polícia Rodoviária Federal e das Polícias Militares Estaduais. O resultado geral foi a emissão de R$ 2,8 bilhões em multas e a apreensão de 814.000 m³ de madeira em tora, 471 tratores, 171 caminhões e 643 motosserras. As operações incluíram buscas e apreensões de documentos e equipamentos, que formam hoje um grande banco de dados sobre a criminalidade especializada na prática de crimes ambientais.
Depuração
A descoberta e punição exemplar dos servidores públicos envolvidos em práticas de corrupção e esquemas criminosos é um dos mais poderosos resultados do trabalho em parceria com a Polícia Federal. Os efeitos dessa ação começam a ser sentidos com o aumento das denúncias contra servidores e com o surgimento de servidores que passaram a tomar a iniciativa de contribuir com as investigações da PF.
Outro resultado importante, no caso do Ibama, foi o crescente sucesso das operações de fiscalização realizadas com a progressiva redução do vazamento de informações. Com isso, a credibilidade da instituição tem aumentado.
Ao todo, foram cumpridos 25 dos 37 mandados de prisão – 12 deles relativos a funcionários públicos: seis do Ibama, três da Secretaria da Fazenda (Sefaz) e outros três da Secretaria Executiva de Ciência, Tecnologia e Meio Ambiente (Sectam) do governo estadual do Pará -, bem como 40 dos 44 mandados de busca e apreensão em sete municípios paraenses (Altamira, Uruará, Belém, Santarém, Placas, Itaituba e Porto de Moz). Para se ter uma idéia do volume de recursos acumulados por meio dos desvios, um dos principais envolvidos no esquema mantinha indiretamente uma mansão avaliada em cerca de R$ 1 milhão, segundo informações da PF.
Madeireiros e despachantes contavam com a colaboração de funcionários públicos (que conferiam falsos créditos de madeira e emitiam notas fiscais frias a fim de facilitar a circulação e a venda de mercadorias das empresas) para encontrar brechas no novo sistema de controle eletrônico de circulação de produtos florestais, com base no Documento de Origem Florestal (DOF). O DOF permite o acompanhamento instantâneo das mercadorias e substituiu no ano passado a antiga Autorização de Transporte de Produtos Florestais (ATPF), emitida em papel.
O delegado da PF, Paulo de Tarso Teixeira, explicou em entrevista coletiva que o nome da operação foi inspirado no personagem bíblico (Ananias) que, em conluio com a sua esposa Safira, mentiu e não entregou ao apóstolo Pedro todo o dinheiro da venda de uma propriedade, ficando com parte dos recursos arrecadados na transação. Policiais detectaram que despachantes repetiram o golpe de Ananias, retendo parte da propina dos empresários destinada a corromper os servidores públicos. Também foram identificadas ações isoladas de venda de informações a madeireiros acerca de fiscalizações do poder público por parte de um técnico administrativo do Ibama que atuava como motorista.
A denúncia do esquema principal – que desembocou na detecção de crimes como formação de quadrilha, sonegação fiscal, corrupção ativa e passiva, prevaricação e lavagem de ativos - partiu de um próprio funcionário do Ibama de Altamira, no Pará, ainda em 2005. Com a implementação do DOF em outubro de 2006, as infrações foram detectadas pelo Núcleo de Gestão do Sistema e repassadas à PF.
Uma operação do porte da Ananias, que antes compreendia pelo menos de um ano e meio a dois anos de duração, pôde ser realizada em aproximadamente em seis meses, comparou Antônio Carlos Hummel, diretor de Florestas do Ibama. O controle em tempo real do fluxo permitiu o processamento de uma espécie de “malha fina” que detectou problemas, ainda segundo dados apresentados por ele, em nada menos que 30% das empresas do setor cadastradas no Sistema DOF que atuam no Pará. De acordo com as estimativas do Ibama, essa triagem tem evitado o transporte “potencialmente ilegal” de 180 mil metros cúbicos (9.150 caminhões) de madeira e de 197 mil metros cúbicos (3.940 caminhões) de carvão a cada mês.
Para a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, as operações em conjunto da PF com o Ibama têm sido “um dos grandes esteios” do trabalho da pasta, pois funcionam como um “golpe na vértebra do sistema criminoso”. O número total de operações (incluindo ações de pequeno e médio porte) da PF na Amazônia, salientou a ministra, saltou de cerca de uma média de 25 (até 2002) para cerca de 120 por ano. De 1989 até 2002, apenas 10 funcionários do Ibama foram demitidos por participação em atos ilícitos.
Nos últimos quatro anos, 89 já foram demitidos e mais de 300 processos disciplinares foram instalados, graças aos bons funcionários e a renovação positiva decorrente dos recentes concursos públicos, complementa Marina. “Estamos atacando a infecção e não a febre”, afirmou, sem antes recomendar uma “boa dose de paciência” para enfrentar as “décadas de deterioração” e chamar a atenção para o fechamento de 1,5 mil madeireiras ilegais que perderam o registro e estão bloqueadas no sistema DOF. O volume de apreensão de madeiras ilegais atingiu 880 mil metros cúbicos e as cifras de multas aplicadas já somam R$ 2,8 bilhões.
Controle social
A pressão sobre a exploração ilegal da madeira tem aumentado na região, confirma Tarcísio Feitosa, que trabalhou durante 20 anos (1987-2007) junto aos movimentos sociais em Altamira e hoje se dedica a um projeto de mestrado em Belém, na Universidade Federal do Pará (UFPA). Tanto é assim que os madeireiros têm optado pelo tráfego noturno de cargas florestais para escapar das fiscalizações. Na opinião dele, porém, as lacunas ainda continuam enormes. No caso do carvão para a produção do ferro-gusa, por exemplo, a diferença entre o volume transportado legalmente com autorização do Ibama e a quantidade de carvão que circula pelas estradas é da ordem de milhões de metros cúbicos por ano.
A reincidência é outro problema a ser resolvido. De acordo com o diário paraense O Liberal, dois dos empresários detidos na Operação Ananias “já haviam sido presos em outras situações”. Anísio Teófilo, preso no distrito de Icoaraci (Belém), preside uma empresa madeireira e já tinha sido preso quando foi deflagrada a Operação Renascer, em dezembro do ano passado. Chester Gomes Pedro, preso em Altamira, também já havia sido detido pelo mesmo crime em junho de 2005, durante a Operação Curupira.
O caminho, para Feitosa, é um só: controle social. Apenas uma ampla intervenção das comunidades locais poderá garantir a preservação do patrimônio público em florestas e madeira. Ele sugere a constituição de espaços institucionais, como os conselhos das políticas públicas de saúde, para que a população possa participar ativamente do processo de gestão dos recursos naturais.
(Da Redação do AmbienteJÁ, com informações do
MMA, repórteres e Rafael Imolene e Rubens Junior, e da
Agência Carta Maior, repórter Maurício Hashizume, 03/03/2007)