Para ex-diretor da Fepam, politização do desastre no Rio dos Sinos expõe fragilidade da fiscalização
2007-03-05
Seis dias após ser afastado da diretoria técnica da Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam), em 22 de fevereiro, o biólogo Jackson Müller recebeu a reportagem do AmbienteJÁ, no escritório de sua advogada, Tânia Jungblut, no Centro de Novo Hamburgo. Um pouco agitado mas expressando a sensação do “dever cumprido”, Müller não escondeu ter mantido proximidade do empresário Luiz Ruppenthal, ex-diretor da Utresa – foragido desde 28 de novembro de 2006 –, quando foi secretário de Meio Ambiente em Estância Velha, nos anos 90, e depois em Novo Hamburgo, antes de ter sido cedido à Fepam, no início de 2005. “Eu nunca neguei que trocava e-mails com ele”, afirmou Müller, garantindo que essa comunicação, de sua parte, teria cessado logo após ele ter sobrevoado a área da Utresa, usina de disposição de resíduos perigosos localizada em Estância Velha, dia 13 de outubro de 2006. O biólogo disse já ter recebido ameaças indiretas de morte, e atribui os ataques à ele a “uma tentativa de desqualificar a principal testemunha” de acusação, no processo contra o empresário foragido.
AmbienteJÁ – Como o Sr. vê a situação de sua demissão da Fepam?
Müller – Eu sempre deixei muito claro nas discussões de que fui participar. Eu sou natural do Vale do Sinos, eu cresci aqui. Eu fui secretário municipal do Meio Ambiente [em Novo Hamburgo], diretor de Meio Ambiente de Estância Velha, na administração de Frederico Leuck, prefeito de lá. E ele é cunhado do Ruppenthal. Isso foi em 1993 até 1995, quando eu voltei.
AmbienteJÁ – O Sr. acompanhou a fundação da Utresa, há cerca de 20 anos?
Müller – A Utresa é uma empresa que foi construída para ser um encaminhamento, uma solução para um problema muito grave, que era a questão dos resíduos industriais. E que ainda é um problema. Desde a criação da Utresa, eu participo do desenvolvimento dela, eu estive vinculado no momento em que ela foi desenvolvida como uma necessidade para aquela região. E quem transita nessa área de resíduos, como eu... se tu não conheces a Utresa, não transitas nessa área, porque ela tem essa história. Ela é a maior central de resíduos do Estado.
AmbienteJÁ – Mas, segundo informação de um técnico da Fepam, há empresas com impacto ambiental maior que a Utresa no RS, e que, no entanto, não apresentam os graves problemas da Utresa...
Müller – Vamos falar sobre isto... Eu trabalhei em Estância Velha e fiscalizei a Utresa. Brigava muito com o Ruppenthal naquela época, mandava ele tirar os resíduos da beira da estrada, que vazavam dos caminhões.
AmbienteJÁ – Mas o que acontecia na Utresa, naquela época, é o mesmo que ocorreu como causa da mortandade de peixes no Rio dos Sinos?
Müller – Eu acho que houve um momento em que ele [Ruppenthal] se perdeu na administração daquilo...[Utresa]. A dimensão que aquilo tomou ficou muito maior do que a capacidade dele de administrar. Ele é um cara muito inteligente, muito esperto. Então o que aconteceu... se conheces alguém durante 15 anos, sabes que o cara é inteligente e está envolvido numa área do teu interesse...tu passas a confiar nessa pessoa. Pensas: “O cara está fazendo um projeto legal...”A Utresa tem projetos muito bonitos lá dentro. Tem 16 unidades de processamento de materiais lá dentro.
AmbienteJÁ – Mas a Fepam diz que a Utresa não cumpria a Licença de Operação...
Müller – Bem, o que aconteceu lá? Eu conhecia uma Utresa. O Ruppenthal sempre foi um cara muito prestativo quando eu trabalhei aqui em Novo Hamburgo, na área de meio ambiente. Ele resolveu uma série de problemas para mim. Eu tinha muito problema aqui com o lixo esparramado em beira de estrada.
AmbienteJÁ – Esse lixo ia para a Utresa?
Müller – Ia para a Utresa. Aqueles que eu identificava, o gerador recolhia e arcava com os custos. E aqueles que a gente não sabia a procedência? Ele assimilava, ele puxava isso para ele. Ele estava fazendo favores. Eu tive um problema, numa ocasião, na central de reciclagem...os problemas lá eram todos os dias, mas um dos casos mais graves foi o corte da lona que isolava a parte de tratamento. Então ele foi, fez esse conserto. Não cobrou. Depois mandou um e-mail cobrando, mas tudo isso dentro da relação pessoal que eu fazia com ele. O que ele foi criando comigo? Uma espécie de dependência. Eu tinha compromissos com ele quando eu entrei na Fepam – eu fiquei em Novo Hamburgo até 2005, em março de 2005 eu fui para a Fepam...
AmbienteJÁ – O Sr. é concursado na Prefeitura de Novo Hamburgo e na Fepam?
Müller – Eu sou cedido da Prefeitura para a Fepam, mas na Prefeitura de Novo Hamburgo eu sou funcionário há 17 anos. Eu nunca neguei que trocava e-mails com o Ruppenthal ou conversava com ele. Recebia informações dos projetos que ele desenvolvia. Eu admirava ele por isso. Conhecia uma Utresa até o dia 13 de outubro do ano passado, quando eu fui investigar a Utresa.
AmbienteJÁ – Mas, como o Sr. disse, a Utresa já tinha problemas ambientais antigos. Por que isso só veio à tona em outubro do ano passado?
Müller – O processo de licenciamento da Utresa, pelo que a gente olha, dentro do histórico, ele sempre apresentava algum tipo de problema. O Ruppenthal começava construindo uma mesa e terminava construindo um armário. Ele nunca concluía aquilo que ele projetou. Era sempre diferente. E ele foi autuado várias vezes por isso, pela Fepam, que fiscalizava ele.
AmbienteJÁ – E o município de Estância Velha nunca fiscalizava a Utresa?
Müller – No meu tempo, a gente fiscalizava. Eu sei que o município fiscalizava a Utresa, mas não sei em que nível de profundidade. Mas eu não fiscalizava a Utresa quando eu estava em Novo Hamburgo. Eu sabia dos trabalhos da Utresa. Quando eu fui para a Fepam, em 2005, eu fiquei trabalhando na assessoria do presidente Dilda até abril do ano passado, quando fui nomeado diretor técnico. De abril de 2005 até abril de 2006 eu fiquei como assessor do presidente. Recebi o Ruppenthal lá, inclusive formalmente.
AmbienteJÁ – E o que ele ia fazer na Fepam, nessa época?
Müller – Ele tinha muitos projetos que ele queria desenvolver. Era uma pessoa cheia de projetos.
AmbienteJÁ – Dentro da Utresa?
Müller – Dentro da Utresa. Depois, com a aquisição de áreas, que eu recebi de informação de que ele queria plantar um tal de pinhão bravo para produzir biodiesel. É um cara muito arrojado do ponto de vista ambiental. Ele tinha essa vinculação com o assunto. Ele era muito envolvido com isto. Pelo menos, sempre manifestou e demonstrou isso. Então, eu recebia todo tipo de e-mail dele, desde uma notícia que ele viu lá no site Ambiente Brasil até uma visita de um alemão que vinha, que era o papa das energias alternativas. Ele me mantinha informado, eventualmente, um convite para um happy hour, para tomar um cafezinho. E nesse meio-tempo, em junho de 2006, ele começa a apresentar informações de uma feira que eu já visitei na Alemanha, que acontece a cada dois anos. Quando eu visitei essa feira em 1997, depois em 2000 eu visitei a de Hannover... Em 1997 eu fui para a Alemanha a partir de um convite da GTZ com a Famurs [Federação das Associações de Municípios do Rio Grande do Sul]. Eu era assessor da Famurs. Eu vim encantado daquela feira. É uma coisa maluca porque tudo que é novo, na área ambiental, acontece lá. Tudo é lançamento, tecnologias, processos de produção mais limpa. Era algo que eu estava trabalhando aqui. Então, ele começou a me abastecer dessas informações sobre a feira. E eu pensei: “Me interessa essa feira. Estou montando, aqui no Estado, a parte de organização do Fórum Gaúcho de Produção Mais Limpa...” Então é uma coisa que estava bem no momento em que a gente estava discutindo. Recebo um e-mail da Câmara Técnica Brasil-Alemanha, também oferecendo uma programação alternativa. Ele me chama para a casa dele, me convida para a casa dele... o único convite que eu aceitei, para ir jantar na casa dele...
AmbienteJÁ – Isso foi no ano passado?
Müller – Sim, antes de toda essa história da mortandade, lá em agosto, setembro.
AmbienteJÁ – E quando ele parou de enviar e-mails?
Müller – Eu parei de me comunicar com ele depois do dia 16 de outubro.
AmbienteJÁ – Mas ele simplesmente parou de enviar e-mails?
Müller – Não. Ele continuou mandando coisas. Porque no dia 13 de outubro eu agradeço o convite ele já tinha comprado uma passagem para mim, no meu nome, mas eu também sempre manifestei para ele o interesse em ressarcir. Eu queria ressarci-lo, eu estava buscando uma maneira de compor a devolução desse dinheiro. E ele manifestou que a Utresa ia pagar as despesas, ia oferecer uma facilidade, mas eu não fui a essa feira, porque, nesse meio-tempo...
AmbienteJÁ – A feira seria quando?
Müller – 23 de outubro... e nesse meio-tempo acontece a mortandade.
AmbienteJÁ – Até o resultado do inquérito, no final do mês de outubro, não se tinha certeza se era a Utresa a responsável...
Müller – Não se tinha nada. E veja: a Utresa não podia lançar efluentes. Se ela não podia lançar nada, automaticamente, a preocupação de ela ser uma causadora da mortandade estava afastada, estava bem longe a possibilidade. Mesmo assim, eu pedi para a equipe de fiscalização da Fepam ir lá na Utresa fiscalizar.
AmbienteJÁ – Por que se demorou tanto tempo para ver se era ou não a Utresa a responsável?
Müller – Aí é que está o problema. Veja bem. Se eu olhar hoje os e-mails que eu fui recebendo e nós vamos tornar disponíveis todos, para a imprensa...eu tenho uma história de relacionamento no Vale do Sinos já ao longo desse processo de construção. Quando eu voltei da Alemanha, em 2000, eu tive a oportunidade de trazer, num convênio de cooperação que nós fizemos com uma empresa alemã, na área de tratamento de lixo... eu montei aqui a central de reciclagem, a unidade de compostagem acelerada, que transformava adubo, lixo orgânico em adubo em 35 dias. O sistema foi montado para a realidade nossa. Então, por conhecer essa feira, eu aceito o convite, mas não vou. A partir do dia 10 [de outubro] eu declinei o convite. Antes de a Utresa estar envolvida no episódio. Até então, ela não tinha envolvimento oficial com a mortandade do Sinos. Ela tinha sido autuada pela Fepam por problemas operacionais. Nada que fosse, pelo menos no meu conhecimento, tão grave, para justificar que eu não me comunicasse com essa pessoa.
AmbienteJÁ – Mas a empresa continuava sem cumprir a Licença de Operação e a Fepam não fazia nada?
Müller – Não. A Fepam emitiu uma licença nova em julho de 2006, sob uma série de condicionantes para a operação da Utresa. Quero crer eu – eu estava diretor técnico há cinco meses – que o trabalho de acompanhamento de fiscalização vinha sendo feito dentro do controle padrão da Fepam.
AmbienteJÁ – Mas há fiscais da Fepam que foram indiciados no inquérito policial realizado em Sapucaia do Sul...
Müller – Então, o que se viu? No dia 13 [de outubro], quando terminamos de tirar os peixes de dentro do rio, na operação que fizemos, com a força-tarefa, o Comando Ambiental da Brigada Militar, eu peguei um avião e fiz um sobrevôo. E dentro desse cenário todo, eu sou testemunha de acusação do principal processo de crime ambiental do Estado. Eu sou diretor técnico da Fepam... e dentro desse cenário, eu sou a testemunha de acusação, eu sou o diretor-técnico e é por causa desse trabalho de investigação que eu fiz, sob supervisão do Ministério Público, que o Ruppenthal está foragido. Então se ele tentou, de alguma forma, induzir um sentimento de que aquilo que ele estava fazendo por mim, das coisas que ele fez por mim ao longo da minha história nos muncípios de Estância Velha, de Novo Hamburgo, das facilidades que ele me ofereceu...se ele estava tentando comprar a minha omissão, ele se enganou. Porque quando eu fui chamado para fazer o meu trabalho, eu fui fazer. Agora, eu não esperava encontrar a Utresa daquele jeito. Isso é que é o mais importante. Como é que eu vou imaginar que a Utresa que eu conhecia se transformou naquela coisa que a gente encontrou lá?
AmbienteJÁ – Isso pode levar ao questionamento do sistema de automonitoramento da Fepam?
Müller – Eu acho que essa crise, que não fui eu que levei a essa crise para fora da instituição, não fui eu que abri a instituição, escancarei esse tipo de situação... O que eu percebo é que a mortandade já vinha trazendo...a gente discutiu naquela tua outra entrevista... que a mortandade ia trazer elementos novos para o modelo de gestão que a gente estava discutindo. Esse atual não estava servindo porque, veja bem... é muita coisa para fiscalizar, e com pouca gente para fazer todo esse trabalho. Eu estava lendo hoje (22/02) pela manhã que o deputado Zulke faz alguns questionamentos sobre uma entrevista que eu dei [ao jornal NH], onde eu falo exatamente isto, que eu interferi nos interesses, nos passivos, em coisas desse tamanho. Mas veja a fragilidade que os órgãos ambientais vêm se tornando ao longo do tempo. Essa vulnerabilidade, não é só a questão da corrupção. É a responsabilidade de alavancar o desenvolvimento do Estado com uma estrutura tão precária, com pouca gente... não tem viatura. E o mais grave disso tudo: o empreendedor paga. Não é uma taxa... ele paga pelo licenciamento, ele paga pelo serviço que ele deseja receber do Estado, dos municípios ou dos órgãos que trabalham com o licenciamento.
AmbienteJÁ – Mas isso não lhe dá o direito de poluir...
Müller – Não, em hipótese alguma. O que está se dizendo, sim, é que essa precariedade da estrutura ambiental e a importância que isso tem para o desenvolvimento do Estado é que torna vulnerável. É muita pressão. Todos os dias é pressão para liberar o projeto tal, analisar o projeto tal.
AmbienteJÁ – Foi isso o que aconteceu para os técnicos que deram L.O. para a Utresa e que agora estão sendo responsabilizados pelo inquérito policial da DP de Sapucaia do Sul?
Müller – Eu acho que não. Acho que ali pode ter outros elementos que as investigações vão ter que apurar. Eu não quero fazer nenhum tipo de julgamento deles enquanto fiscais. Eu penso que o processo de licenciamento até poderia estar adequado. A licença emitida está adequada, o que não se foi eficiente na avaliação é em que estado realmente a Utresa estava operando. Porque o Ruppenthal é uma pessoa muito persuasiva, ele chegava perto de ti e ia mostrar o que ele estava desenvolvendo. Ele era entusiasmado sobre aquilo que ele fazia. E de repente, ali, é que houve um excesso de credibilidade.
AmbienteJÁ – Mas ele sabia que o que estava acontecendo na Utresa estava errado...
Müller – Ele sabia. Agora, o que ele procurou fazer? Ele procurou se cercar. Não era importante para ele ser, na linguagem dele, amigo do diretor técnico da Fepam, ter um bom relacionamento com a instituição? E ele tinha de fato, ele transitava, ele aparece – se tu entras na Internet – em vários eventos, em encontros. Todo o sigilo com que se conduziu o processo de investigação... foi muito difícil fazer isto por causa das pressões, da mídia querendo saber quem estava, quem não estava, as investigações e as fiscalizações de campo que estavam sendo conduzidas. Mas não se vazou com a informação da investigação que estava se fazendo com o Ministério Público Estadual. Efetivamente, esse trabalho de campo, de olhar o que estava acontecendo na Utresa, onde o Jackson se envolveu com a investigação, é 22 de outubro.
AmbienteJÁ – Segundo o advogado de defesa do Sr. Ruppenthal, o trabalho de investigação da Polícia foi prejudicado pelo Ministério Público. O Sr. tem essa informação?
Müller – De tudo isso eu acabei fazendo parte. Mas eu fui chamado pelo Ministério Público Estadual – e o promotor Paulo Vieira, no meu entendimento, conduziu de forma muito objetiva, porque ele tinha elementos que se a gente não fosse atrás, eles seriam apagados. Ele [Ruppenthal] já estava adulterando provas. Já estava tentando eliminar as evidências que vinculavam... nós tivemos que procurar. Quando nós fomos procurar, a surpresa geral é que nós não precisamos de grandes equipamentos para cavocar e achar as coisas que estavam irregulares.
AmbienteJÁ – Segundo um técnico da Fepam, entravam, na Utresa, todos os dias, sete a oito caminhões com efluentes, embora a Utresa não tenha licença para tratar efluentes. Esse tipo de irregularidade não é algo flagrante?
Müller – Bem, aí tem toda uma série de irregularidades. Eu conheço alguma coisa da técnica para disposição de resíduos industriais. Eu conheço um pouco essa área porque eu ajudei a construir a central de resíduos aqui em Novo Hamburgo quando eu era secretário municipal. Participei da implantação da Fundamental aqui, enquanto central de resíduos. Agora, chegando na Utresa, nós viemos de fora para dentro. A investigação foi feita de fora para dentro com o Ministério Público. Nós não invadimos a Utresa.
AmbienteJÁ – E essas empresas que levam efluentes para a Utresa? Como a Fepam não chegou nessas empresas, uma vez que elas também estavam fazendo algo irregular?
Müller – Mas nós vamos chegar em tudo isso. Só que nós estávamos investigando uma condição. A pergunta era: “A Utresa pode ter lançado alguma coisa que contribuiu com a mortandade de peixes no Sinos?” Esta era a pergunta que nós estávamos querendo responder. Quando eu passei por cima da Utresa de avião, no dia 13 [de outubro], eu já tinha declinado da minha ida para a Alemanha. A Utresa não estava envolvida ainda no episódio dos peixes. Eu olhei para baixo, do avião, e disse “Opa, mas tem alguma coisa ali que está estranha.” A vala de disposição de resíduos, aberta, com uma altura muito elevada. Aquilo me chamou a atenção. E no talude [rampa, escarpa, inclinação que se dá aos muros de arrimo, às muralhas das fortificações, ao barranco resultante de um desaterro] daquela vala havia uma estrutura diferente, uma espécie de deslizamento. E eu fotografei aquilo. Eu registrei... olhando a Utresa do avião, da beira do Arroio Portão, que passa próximo à Utresa, chega lá, dez quilômetros depois, no Rio dos Sinos. O Arroio Portão é estreito. Depois daquele dia 13, eu mandei a equipe de fiscalização de novo na área.
AmbienteJÁ – O Sr. Ruppenthal permitiu a entrada na área, nessa ocasião?
Müller – No dia 13 eu passei por cima. Nesse meio-tempo, entre o dia 13 e o dia 22, o promotor de Estância Velha fez uma vistoria na Utresa. E ele identificou algumas coisas que chamaram a atenção dele. Fotografou essas coisas e me chamou num domingo, dia 22 [de outubro]. E eu fui para Estância Velha. Quando eu cheguei em Estância Velha ele me disse: “Olha Jackson, eu tenho algumas coisas aqui que eu vi ontem na área da Utresa e eu queria ir contigo lá.” Eu disse: “Não tem problema, vamos lá. Eu sou conhecedor da Utresa, conheço o Ruppenthal. Mas vamos lá.” Chegando lá, eu me assustei com o que vi. Os resíduos escapavam da Utresa através de um talude, entravam no mato.
AmbienteJÁ – Resíduo ou efluente?
Müller – Resíduo percolado. Material contaminado, água de cura, chorume. E aí a gente conseguiu chegar num ponto onde se percebeu que ele [Ruppenthal] estava lavando a área. Ele despejou água limpa onde, dias antes, o promotor havia encontrado aquele chorume, aquele percolado correndo em direção ao rio.
AmbienteJÁ – Isso para não deixar provas?
Müller – Para lavar as provas. Aquilo me chamou a atenção e eu até fotografei. Eu gravei imagens daquilo. E aí nós voltamos para o Ministério Público Estadual e combinamos a operação do dia seguinte, 23 de outubro. No dia 23, então, nós voltamos com uma equipe do Ministério Público Estadual e mais um colega meu, da Fepam, o batalhão ambiental, e a Prefeitura de Estância Velha através da Secretaria do Meio Ambiente. E levamos um material para fazer coletas. Nossa intenção era identificar e responder aquela pergunta. “Vazava dali com potencialidade capaz de fazer aquilo que fez dentro do rio?” Eu estive dentro do rio, eu vi o tamanho daquilo, eu ajudei a tirar os peixes. Terminei de tirar os peixes no dia 13 [de outubro]. O que eu vi quando começaram a vir os resultados? Nós passamos o dia nessa atividade de coleta, visitamos todos os pontos, encontramos um monte de irregularidades. Eu saí muito entristecido daquela vistoria porque eu não imaginava que pudesse estar daquele jeito – a Utresa lançando efluentes diretamente no Arroio Portão. Foi o que nós identificamos. Já tinha a Fepam, então, autuado a Utresa por dois lançamentos. Isso foi antes da vistoria do dia 23 [de outubro] com o Ministério Público. Nesta vistoria, nós achamos quatro grandes saídas.
AmbienteJÁ – E o que disse o Sr. Ruppenthal então?
Müller – Na verdade, eu não me comuniquei mais com ele sobre esse assunto. Porque no dia 16 [de outubro] eu comecei a me afastar. Ele continuou mandando e-mails, dizendo que a Utresa estava melhorando, que estava fazendo... mas não era o que eu tinha visto lá. Eu comecei a ficar muito preocupado com isto porque, na verdade, eu tinha uma outra informação da Utresa. E aí, daquele desfecho todo, se chegou em novembro. Em novembro vieram os resultados das análises. Quando chegaram as análises com os dados do quantitativo que estava saindo... o efluente, o percolado que a Utresa gerava e lançava para o ambiente, em alguns pontos, chegava a ter uma carga de 35 mil miligramas por litro de oxigênio. Isso significa dizer que se aquele efluente entrasse no Rio dos Sinos, para cada litro de efluente, precisaria em torno de 108 mil litros de água do rio – para cada litro! Isso para diluir a poluição que ali estava. Então, é uma coisa muito impressionante.
AmbienteJÁ – Que tipo de poluição era?
Müller – De tudo. Tolueno, xileno, a contaminação de sulfetos, a carga orgânica consumidora de oxigênio, uma carga muito poderosa, muito forte.
AmbienteJÁ – E quem são as empresas que levam resíduos com esses poluentes para a Utresa?
Müller – Espere aí... aí então o promotor desenvolveu todo o trabalho de produção da ação civil pública, da ação penal, e baseou todas estas ações em cima do estudo que nós fizemos – o meu e o do município de Estância Velha.
AmbienteJÁ – E o inquérito da DP de Sapucaia do Sul?
Müller – Eu acompanhei um pouco de longe o trabalho do IGP [Instituto Geral de Perícias da Polícia Civil do Rio Grande do Sul] porque quando o Ministério Público nos chamou para fazer a investigação, algumas coisas nós trocamos de informação. Mas uma vez que o Ministério Público me pediu sigilo daquela investigação, eu fiquei quieto, eu não falei para ninguém, nem para o presidente da Fepam. Fui falar para ele depois, já mais próximo do indiciamento.
AmbienteJÁ – O Ministério Público pediu sigilo sobre as quantidades de poluentes que vazaram?
Müller – Na verdade, ele pediu sigilo para não divulgar nada da investigação. E eu não divulguei. Eu fiquei quieto. Porque se eu começasse a divulgar, e essa informação vazasse. E aí? Aí eu seria o culpado de o Ruppenthal fugir? Então, nos dias 27 e 28 de outubro o Ruppenthal ainda mandou para mim dois e-mails, depois disto.
AmbienteJÁ – E onde ele estava após o dia 28?
Müller – Ele foi à Alemanha pelo dia 20 e poucos [de outubro] e voltou no dia 31. O que se viu? Se produziu todo aquele desfecho, eu fiquei afastado dessa situação toda e procurei conduzir o meu trabalho com a supervisão do Ministério Público – veja que o Ministério Público confiou no meu trabalho. Talvez tenha sido o meu erro, de não comentar com o Ministério Público a existência dessa passagem e desses e-mails comigo e com o Ruppenthal, mas, até então, por que eu não iria me comunicar? Daí entrou o novo presidente da Fepam, dia 25 de janeiro, foi nomeado Renato Breunig.
AmbienteJÁ – E o que ele fazia na Utresa?
Müller – O Renato trabalhou no Estado na época do governo do [ex-secretário do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul] Mauro Sparta. Ele era asssessor político no governo Rigotto. Eu não conhecia ele pessoalmente.
AmbienteJÁ – Ele era assessor jurídico na área ambiental...
Müller – Na Secretaria Estadual do Meio Ambiente. E a informação que é divulgada na mídia, logo depois da sua posse, no dia 26, é que ele advogava ou tinha advogado para a Utresa. Foi ali [na imprensa] que eu tive essa informação. Mas ele me culpa, ele diz que eu fui o responsável por divulgar essa informação.
AmbienteJÁ – Por quê?
Müller – Porque o meu nome também foi indicado, nesse período de transição, para compor a direção da Fepam.
AmbienteJÁ – A presidência?
Müller – Ou a presidência, ou a diretoria técnica...havia pessoas que gostaram do meu trabalho.
AmbienteJÁ – Ele via o Sr. como rival?
Müller – Como um rival, um inimigo. E achou que havia sido eu quem divulgou essa informação. Uma coisa meio maluca. Tanto que no primeiro dia da nossa conversa, no dia 25 [de janeiro], eu estava me preparando para ir para Pelotas, para atender aquela mortandade de peixes lá, eu fui no dia 26, e quando eu fui pedir autorização para viajar – ele tinha tomado posse naquela tarde – na nossa primeira conversa oficial, ele olhou para mim e disse assim: “Mas como falam mal de ti lá fora”. Isso na primeira conversa que eu estava tendo com o presidente da Fepam. Eu disse “Bom, talvez seja pelo meu trabalho de fiscalização. As pessoas não gostam de ser fiscalizadas. Nós estamos vivendo uma crise ambiental”. E ficou nisso. Me disse que queria trabalhar em parceria, fazer um trabalho conjunto, mas me veio com aquilo, assim, à queima-roupa. Inclusive eu me manifestei à secretária estadual que fiquei perplexo.
AmbienteJÁ – O Sr. desconfiou de alguma ligação do Sr. Breunig com a Utresa?
Müller – Bem, o Renato [Breunig] assumiu a Fepam dizendo que não era mais advogado da Utresa, e os meios de comunicação começaram a investigar. Descobriram que ele era advogado da Utresa até o dia 5 de fevereiro. Então, não fui eu quem foi atrás dessas investigações do presidente da Fepam. Eu não conhecia... A mídia se interessou pela situação dele, foi atrás e achou um monte de coisas a respeito disso. E começou o que eu vejo como o mais estranho de tudo: dia 15 agora [fevereiro], ele me chamou para uma reunião. Eu senti que a barra estava pesada para o meu lado. Porque ele não me chamava para reuniões, não me queria próximo. No dia 15 ele me chamou em função de uma matéria que saiu num meio de comunicação da Zona Sul [do Estado] falando de um fato, que eu fui procurar os prefeitos da Zona Sul para oferecer um seminário com os técnicos da Fepam. E não era nada disso. Os prefeitos vieram conversar comigo, e a gente conversou, no dia 13, sobre o que estava acontecendo com a silvicultura. E eu coloquei a instituição à disposição deles. Era a questão do diagnóstico florestal, e o interesse das prefeituras de receber as empresas lá e tal, e eu coloquei a instituição à disposição. E a matéria que saiu foi meio torta... e aí eu fui esclarecer isso com ele. E ele foi bem grosseiro comigo. Disse: “Os caras querem saber o que tu estás fazendo”. Eu disse: “Eu não fiz nada. Até vou fazer o seguinte. Vou fazer um contato com o prefeito que veio me procurar e vou pedir para ele esclarecer essa situação com o Sr., porque não tenho intenção nenhuma de tumultuar o processo”. Mas o objetivo dele não era esse. O objetivo era me entregar um dossiê de e-mails que teriam acusações muito graves a respeito do meu relacionamento com o Ruppenthal, de uma oferta dessa passagem... Ele foi apresentando essas idéias e condicionou meu afastamento, senão ele daria publicidade a esse dossiê. Isso é coação. Aí eu disse: “Mas cadê o documento? Eu quero ver” Eu perguntei para o Breda [José Carlos Breda, secretário substituto do Meio Ambiente do Rio Grande do Sul], inclusive, que estava junto: “Breda, viste esse documento? Eu não vou ter acesso ao documento para saber o teor?” Eu conheço os e-mails que eu mando para o Ruppenthal.
AmbienteJÁ – Foi o Sr. Breunig que produziu esse dossiê?
Müller – Ele teve acesso aos e-mails meus com o Ruppenthal do computador do Ruppenthal.
AmbienteJÁ – Como ele conseguiu acesso ao computador do Sr. Ruppenthal?
Müller – Ele tem alguém que ele conhece que é muito próximo ao Ruppenthal. Eu fiquei perplexo, naquele dia, com essa forma de ele me tratar.
AmbienteJÁ – Então ele teve acesso ao computador do Sr. Ruppenthal estando este na condição de foragido?
Müller – Claro. Isso deve ter sido em fevereiro.
AmbienteJÁ – Mas como ele tem acesso a isto?
Müller – Bem...dentro deste episódio, o que ficou estranho é o seguinte: eu sou funcionário público. Se tu encontras alguma coisa a respeito do meu comportamento, o que tu tens que fazer? Abrir uma sindicância, me afastar, com documento oficial... vai e me afasta.
AmbienteJÁ – O Sr. Breunig entregou esse material do tal dossiê para algum representante da Promotoria de Justiça em Novo Hamburgo?
Müller – Ah, não. Ele foi no promotor de Estância [Velha] antes de conversar comigo. E aí, de maneira informal, ele entregou esse dossiê ao promotor.
AmbienteJÁ – Quando foi isso?
Müller – No dia 8 ou 10 de fevereiro. Então, o objetivo dele [Renato Breunig] era o processo. O processo onde Ruppenthal e Utresa são réus.
AmbienteJÁ – O Sr. acha que ele teria feito isto para atrapalhar o trabalho do promotor de Justiça?
Müller – Claro. Eu posso ter errado ao não comunicar ao Ministério Público, mas tudo isso que aconteceu foi anterior...mas em nenhum momento eu prejudiquei o andamento do processo por eu conhecer o Ruppenthal.
AmbienteJÁ – O Sr. pensa que o Sr. Breunig tentou obstruir a investigação com a entrega desse dossiê de e-mails ao Ministério Público?
Müller – A impressão que dá – e o Nereu Lima é o advogado criminalista do Ruppenthal –, o sentimento que eu tenho é que quando ele [Breunig] me coagiu, ele estava coagindo a principal testemunha da acusação, o interventor da Utresa e o diretor técnico dele. Ele estava fazendo uma coação em três instâncias. Eu fui nomeado como interventor por ordem judicial. Eu não fui lá porque eu achava bonito. O juiz, inclusive, colocou no seu despacho que, para me colocar como interventor, um dos fatores que ele considerou foi o fato de eu conhecer a Utresa e conhecer quem lá trabalha. Porque eu tenho uma história de proximidade com essa questão.
AmbienteJÁ – Teria sido uma tentativa de quebrar a confiança do Ministério Público no trabalho que o Sr. fez?
Müller – É o que parece. Só que o promotor Paulo [Vieira, promotor de Estância Velha] é inteligente. É um promotor que tem vivência, é uma pessoa que percebe isso, percebe esse jogo. Eu nunca iria imaginar que o [então] presidente da Fepam fosse expor a instituição e o seu direto técnico desta forma, indo buscar e-mails no computador de um foragido.
AmbienteJÁ – Ele foi até a residência do Sr. Ruppenthal para acessar o computador dele, diretamente?
Müller – Não sei como ele fez. O que chegou de informação para nós é quem quem alcançou os e-mails para o Renato [Breunig] foi o administrador atual da Utresa e advogado do Ruppenthal [Fernando Couto].
AmbienteJÁ – O Sr. sofreu outra ameaça antes da que foi feita no dia 15 de fevereiro?
Müller – Ele tinha me chamado para uma reunião num determinado momento, depois do Martim Pescador [projeto de Educação Ambiental realizado em São Leopoldo], quando foi divulgada a organização das ações envolvendo o Rio dos Sinos – isso foi logo depois da posse dele, quando a mídia já tinha conhecimento de que ele havia sido advogado da Utresa.
AmbienteJÁ – Advogado na área ambiental?
Müller – Tributrária. De questão tributária. É a informação que a gente tem. O que aconteceu é que a mídia, naquele dia, foi para cima dele. E ele me chamou, no dia seguinte, para dizer que a culpa foi minha. E disse que se ele caísse, eu cairia também.
AmbienteJÁ – Então já havia uma ameaça?
Müller – É, ele foi muito objetivo na forma como ele colocou. E eu disse para ele: “Mas presidente, para mim, a competição já terminou – se houve competição. Eu fui indicado por algumas pessoas que entendiam do meu trabalho. O Sr. foi nomeado presidente da Fepam. Terminou a competição.” O que eu acho estranho é todo esse episódio de expor a instituição, ao invés de ele adotar os princípios da administração pública quando constata uma suposta irregularidade – que até então era uma comunicação pessoal, minha e com o Ruppenthal, que ele teve acesso. Ele quebrou o meu sigilo dos e-mails, de correspondência...
AmbienteJÁ – O Sr. pensa que essa coação foi planejada?
Müller – Veja o que aconteceu ontem [21 de fevereiro]. “Temos que dar um jeito de explodir a principal testemunha, colocando a público todos os seus relacionamentos, criar um incidente...” E eu estou interferindo em algumas coisas.
AmbienteJÁ – O Sr. recebeu ameaças à sua integridade física ou à da sua família?
Müller – Eu recebi algumas ameaças.
AmbienteJÁ – Como?
Müller – Recebi ameaças por terceiros, que vieram me contar, que estavam programando tocaias para me pegar, emboscadas...
AmbienteJÁ – Essas ameaças foram diretas?
Müller – Eles falaram diretamente para mim, a ponto de o presidente anterior [a Renato Breunig] da Fepam [Antenor Ferrari] solicitar proteção policial para mim. Nós fizemos um contato... eu devo estar sendo ouvido de tudo quanto é lado. Agora, o que eu fico preocupado é que, numa crise como esta, na Bacia do Sinos, se procura este caminho. Olha o que acontece? No rio, morreram peixes neste sábado [17 de fevereiro] e domingo [18 de fevereiro], e olha a confusão que se criou.
AmbienteJÁ – O Sr. espera que a situação do rio piore com essa crise política. Daqui a alguns anos tudo poderá estar pior?
Müller – Ou melhor, não é? Eu quero quer que tudo isso que estamos vivendo vai ser um divisor de águas para construir outros referenciais.
AmbienteJÁ – O Sr. está sendo investigado pelo Ministério Público?
Müller – Não sei. Eu até penso que não seria o Ministério Público em Estância Velha que iria me investigar, mas o do Estado, em Porto Alegre.
AmbienteJÁ – O depoimento que o Sr. deu ao Dr. Eugênio Amorim, promotor de Justiça em Novo Hamburgo, já foi remetido ao Ministério Público de Estância Velha?
Müller – Possivelmente. Por que eu fui procurar o promotor de Novo Hamburgo? Até por orientação da Dra. Tânia Jungbluth [advogada de Jackson Müller], que tem me apoiado nos momentos mais difíceis que eu já vivi. Porque eu me senti coagido. E aí há uma série de crimes que foram cometidos pelo [então] presidente da Fepam, dos quais eu vim tomar conhecimento depois: quebra de sigilo de correspondência. Ele levou a informação para fora. Aí ele foi para os meios de comunicação e, cada dia, ele dava uma declaração diferente. Ele disse que eu me demiti porque eu estava muito cansado...A outra justificativa era que eu tenho um perfil que não se enquadra no novo modelo de gestão, apesar de ter 23 anos na área, ter oito livros publicados, ser professor universitário...e aí vem vindo todo um conjunto, depois.
AmbienteJÁ – E qual a sua estratégia perante a Justiça?
Dra. Tânia Jungblut [responde por Müller] – O procedimento da demissão está todo irregular. O procedimento seria instaurar uma sindicância para apurar o limite da responsabilidade. Se esta comissão concluísse que havia necessidade de haver um aprofundamento maior, instaurar um PAD, um Processo Administrativo Disciplinar. Deveria ter sido oportunizado o contraditório, como num processo administrativo legal. Mas nada disto foi a ampla defesa. Nós formalizamos ontem [21 de fevereiro] o pedido para que nos fosse fornecida cópia de todo o expediente, se é que existente, porque, até o momento, tínhamos diversas versões. Tínhamos versão de férias, que havia sido demitido e tínhamos a terceira versão, de que ele havia sido afastado. Então, ao certo e oficialmente, não sabemos.
AmbienteJÁ – Oficialmente, houve um documento formalizando a demissão?
Müller – Eu não recebi nada.
Dra. Tânia – Ele [Breunig] tornou pública a demissão, segundo ele, posteriormente, às férias e, já usou o termo afastamento via imprensa.
AmbienteJÁ – A estratégia será contestar essa demissão?
Dra. Tânia – Veja, não sabemos o limite desse afastamento. Não sabemos exatamente pelo que foi produzido. Provocamos ontem [21de fevereiro] e estamos aguardando o retorno disto.
AmbienteJÁ – Então, como não há um processo, nada aconteceu?
Dra. Tânia – Aconteceu nada e tudo ao mesmo tempo porque Jackson soube da demissão via imprensa. Não é o meio, pois a forma e o instrumento utilizado para dar publicidade a isto é que gera o dano ao Jackson, à pessoa dele, ao trabalho dele.
AmbienteJÁ – Vai haver algum processo por dano moral, abalo à imagem, ameaça e quebra de sigilo de correspondência?
Dra. Tânia – Isso, com certeza, virá.
AmbienteJÁ – E, fora essa questão administrativa, qual o passivo ambiental da Utresa hoje?
Müller – Está sendo feita uma auditoria interna, contratada pela Utresa e determinada pela Justiça, para avaliar a extensão disto. É precoce qualquer avaliação. Vamos dizer assim: a contaminação que existe na área, a extensão desta contaminação é bastante séria. Ela chega a até 32 metros de profundidade, conforme um estudo que nós vimos, de geofísica, isso num conjunto de áreas.
AmbienteJÁ – Em que tamanho?
Müller – A Utresa tem 40 hectares. Ali deve atingir, por alto, uns dez a 12 hectares, talvez mais, desta contaminação, em profundidade. Sem falar no fato que já foi verificado que a Utresa é uma geradora de efluentes – cerca de 60 metros cúbicos por dia ela produz hoje como emissão.
AmbienteJÁ – Mas não podia gerar efluentes...
Müller – Não, poder gerar podia, o que não podia era lançar. Estamos levando para dispor. Foi feito todo um trabalho importante, a intervenção fez um trabalho fundamental na Utresa para conter os impactos da atividade dela.
AmbienteJÁ – Temos informação de que será construída uma estação de tratamento de efluentes na Utresa. Vale a pena para a quantidade de efluente gerada lá?
Müller – Claro, para esse volume de efluentes... está tudo sendo licenciado. Mas é licença para tratar o seu efluente [da Utresa].
AmbienteJÁ – Que questões são mais graves na Utresa?
Müller – Essa vala sete, que estava com mais de 30 metros de altura. Estava aberta e havia um risco grande de desmoronamento. Então tivemos que interferir. Viu-se que essa vala era uma prioridade de intervenção para conter exatamente a possibilidade de vir a acontecer um novo acidente. Dentro dessa vala, os líquidos contaminados que ali estavam equivaliam a 135 mil miligramas por litro de demanda química de oxigênio. Nós achamos lá, na época da investigação, 35. Então, se aquela vala viesse a desmoronar... e ali havia uma fuga... poderia ter se gerado um desastre ambiental de proporções muito maiores. O que nós fizemos como interventores? A Vigilância Sanitária Estadual fez um trabalho importante. Levantou os dados da saúde do trabalhador. Mas essa contaminação da Utresa, em profundidade, é preocupante. Está atingindo o aqüífero subterrâneo. Então tem que fazer uma avaliação.
AmbienteJÁ – E o que vai para o aqüífero?
Müller – Ali vai de tudo, todo tipo de poluente, que depois vai para a água que a população consome... então quando falas em passivo... e para arrumar isso tudo, quanto vai custar?
AmbienteJÁ – A questão ambiental está sendo subestimada com esse problema político que foi criado?
Müller – Mas tu tens que entender que por trás dessa movimentação toda tem isso [a questão ambiental]. Veja bem. Se custar R$ 50 milhões para arrumar a Utresa, quem vai pagar isso?
AmbienteJÁ – E qual é o faturamento da Utresa hoje?
Müller – Hoje, R$ 1 milhão...
AmbienteJÁ – Já divulgaram que seria R$ 4 milhões.
Müller – Foi R$ 4 milhões no ano passado. Ela caiu em recebimento... esse valor oscila. Eu não tenho conhecimento sobre a contabilidade da Utresa. O que eu vi são os números apresentados nas planilhas, de quantitativos, de usuários... Eu não administro a Utresa. Agora, o que eu vi, essa queda de faturamento, que caiu daquela estimativa de R$ 2 milhões a R$ 4 milhões por mês e foi para R$ 800 mil, R$ 1 milhão...
AmbienteJÁ – E quantos clientes a Utresa tem?
Müller – Que são usuários permanentes, 500, 600...
AmbienteJÁ – O Sr. acha que a defesa do Sr. Ruppenthal conta com a estratégia de ganhar tempo?
Müller – Ele [o advogado de defesa] está indo atrás de uma outra teoria. Ele quer destruir a principal testemunha de acusação. Ele quer desqualificar a minha função como testemunha. Na verdade, nós furamos o esquema deles. Nós explodimos o esquema que eles montaram. Essa é a sensação que me deu quando eu não aceito a pressão do presidente da Fepam. Ele achou que eu ia “colocar o rabo no meio das minhas pernas”...
Dra. Tânia – Isso antes da audiência de instrução... Ele [Jackson] seria ouvido como principal testemunha de acusação antes da audiência de instrução...
Müller – Ele estourou o dossiê, ele pôs o dossiê na mídia antes da audiência, em Estância Velha, onde eu estarei depondo como testemunha de acusação. Ele então gerou uma suspeição sobre a minha conduta.
AmbienteJÁ – O que o Sr. pensa em fazer agora?
Müller – Uma pergunta tem que ser colocada em relação a isso tudo: “Por que nós achamos aquilo tudo [poluição] lá [na Utresa]?” É essa referência que eu faço aqui: à fragilidade do processo. Tem uma demanda institucional que vai, muitas vezes, além da capacidade de se atendê-la. Então, ela passa a operar no regime da pressão. Quem fizer mais pressão, leva. Eu preciso fazer com que o Estado continue andando com uma estrutura ambiental, por onde passa todo o desenvolvimento econômico, que não tem pernas para atender a tudo isto. São oito mil, nove mil licenças que estão esperando auditoria, análise, andamento.
AmbienteJÁ – Uma saída é o aumento da municipalização?
Müller – Até pode ser. Eu sou municipalista, eu trabalhei nisto. Conheço este assunto. Agora, se você não aparelhar os órgãos nas instâncias – e aí vem o que aconteceu comigo, aqui... mudou o governo, e o que aconteceu com a Fepam? Foi transformada no quê? O município de Novo Hamburgo era referência nessa área, fazia uma trabalho de licenciamento muito forte, de fiscalização muito forte... mudou o governo, mudou a diretriz. Então, é isso que é frágil no sistema ambiental nacional. A interferência é muito poderosa na área ambiental. E aí eu hoje [22 de fevereiro] vejo essa manifestação do deputado Zulke, quer saber o que significa esta minha declaração. Ele sabe o que significa... ele quer saber o que eu quis dizer com “é frágil a estrutura”. Esta é a fragilidade da estrutura. Tu ter 40 técnicos para cuidar de 400 mil empreendimentos. Como é que vais fazer isto? E se entram outros cem pedidos novos para licenciamento, que prioridade é dada para isto? Como é escolhida a prioridade?
(Por Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 05/03/2007)