Brasil teme a instauração de critérios ecológicos internacionais
2007-03-02
A criação de uma Organização das Nações Unidas para o meio-ambiente (Onue), proposta pelo presidente Jacques Chirac, no início de fevereiro em Paris, não despertou nenhum entusiasmo em Brasília. Ao contrário, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu início a uma campanha visando a "exigir dos países ricos" que eles diminuam a poluição que eles causam no planeta.
"Os países ricos são astuciosos; eles criam normas contra o desmatamento, após terem destruído as suas próprias florestas", declarou o presidente Lula. Ele citou um estudo que foi realizado pelo Instituto brasileiro de pesquisa agronômica (Embrapa), no qual está demonstrado que a Europa conservou 0,3% das florestas que existiam há 8.000 anos, contra 69% no Brasil, um país descoberto no ano de 1500 por navegadores portugueses. Isso daria, portanto, ao gigante sul-americano "uma autoridade moral e política" para obrigar as nações desenvolvidas a não se limitarem a assinar protocoles, e sim a agirem contra o aquecimento.
"Esta resistência das autoridades brasileiras à Onue me surpreende", reconhece Sergio Abranches, um sociólogo especialista em ecologia política. "O Brasil parece estar na defensiva, como se ele estivesse antecipando pressões futuras". Brasília teme que critérios ecológicos sejam incluídos em futuras negociações, por exemplo, comerciais na OMC (Organização Mundial do Comércio), e levantem novas barreiras contra as exportações.
Redução do desmatamento
O ministério brasileiro das relações exteriores estuda a criação de um posto de embaixador a ser encarregado exclusivamente dos dossiês relacionados à mudança climática. As suas atribuições e o seu perfil ainda não foram definidos, uma vez que diplomatas já vêm acompanhando essas questões no nível internacional. Principalmente o assunto sensível da Amazônia.
O governo não aceita as críticas internacionais contra a degradação da floresta tropical no Brasil. Ele as rebate apresentando as estatísticas recentes, que mostram, entre 2003 e 2006, uma redução de 52% do desmatamento. A antena brasileira da organização ecologista Greenpeace reconhece esta diminuição, que é atribuída principalmente às ações do Estado contra a exploração ilegal da madeira. Mas ela se diz preocupada com o fato de as queimadas, esses enormes focos de fumaça provocados pelos avanços do homem na Amazônia, representar 75% da poluição no Brasil, colocando o país no quarto lugar no ranking mundial dos emissores de dióxido de carbono.
"Mesmo se o Brasil deixasse de gerar CO2, a nossa floresta permanece ameaçada pelos outros países poluidores", afirma Marina Silva, a ministra do meio-ambiente. Um relatório do seu ministério, que foi divulgado na terça-feira, 27 de fevereiro, mostra que em 2100, o aumento das temperaturas na Amazônia poderia alcançar 8 ºC, e a maior selva tropical do mundo, transformar-se em savana.
Enquanto o Brasil critica os países ricos, "que não ousam enfrentar as suas indústrias poluidoras", ele valoriza os seus próprios esforços. Por exemplo, a sua "revolução energética", por meio dos bio-combustíveis.
Contudo, os especialistas em meio-ambiente denunciam o "programa de aceleração do crescimento", que foi revelado no início de janeiro. Segundo eles, este agravaria a opção do transporte rodoviário, além de prever a construção de novas barragens fluviais e de querer afastar a fronteira agrícola. "A Amazônia não é uma fronteira agrícola; ela deve ser um limite para a expansão da soja", argumenta Marcelo Furtado, o diretor das campanhas da Greenpeace no Brasil. No ritmo atual, a cobertura florestal poderia ser reduzida de 5,3 milhões de km2 para 3,2 milhões de km2 em 2050.
Antes da próxima cúpula do G8, o presidente Lula receberá no Brasil, no início de março, o seu homólogo americano George W. Bush. Os dois países deveriam se entender no sentido de valorizar a produção de bio-combustíveis.
(Por Annie Gasnier/Le Mond, tradução de Jean-Yves de Neufville, UOL Notícias, 01/03/2007)
http://noticias.uol.com.br/midiaglobal/lemonde/2007/03/01/ult580u2382.jhtm