A Prefeitura de Santa Cruz do Sul assinou, no último dia 16/2, um protocolo de intenções que envolve a implantação do Complexo Agroindustrial e Profissionalizante Alimentos e Bionergia do Vale do Rio Pardo. A proposta que deve representar um investimento inicial de R$ 4 milhões é encabeçada pela Cooperativa Mista de Fumicultores do Brasil (Cooperfumo), órgão ligado ao Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA). A previsão é de que as obras iniciem a partir de abril e que em um ano já seja possível estar produzindo álcool combustível e óleo vegetal a partir de plantas oleaginosas.
O empreendimento, que vinha sendo articulado desde setembro do ano passado, no entanto, estava previsto para o município de Rio Pardo. Os responsáveis pelo projeto haviam negociado com a Prefeitura a cedência de uma área de 13 hectares para a instalação de prédios e cultivo de lavouras das quais seria extraída a matéria-prima. O objetivo, contudo, é atender todos os municípios dos vales do Rio Pardo, Taquari e litorais Norte e Sul do Estado.
Mas a resistência apresentada por um grupo de entidades rio-pardenses (veja quadro) fez com que os coordenadores do empreendimento desistissem do município. A escolha de Rio Pardo, segundo o presidente da Cooperfumo e coordenador estadual do MPA, Gilberto Tuhtenhagem, teria ocorrido porque a cidade possui localização central no Estado, rodovias e linha férrea que permitiriam o escoamento da produção. Entretanto, o argumento dos dirigentes de que o projeto não teria sido claro quanto as suas intenções acabou fazendo os coordeandores colocarem em prática um plano alternativo que recaiu por Santa Cruz.
RECUO – O prefeito de Rio Pardo, Joni Lisboa da Rocha, explica que nunca falou que seria contra a obra. “Apenas recuamos diante dos argumentos das entidades. Antes de qualquer adesão ao projeto teríamos que fazer uma análise técnica e discutir o assunto na Câmara de Vereadores”, salientou. Segundo ele, a Cooperfumo e o MPA teriam se apressado em fechar o acordo com o prefeito José Alberto Wenzel.
Rocha salientou, ainda, que uma comissão da Prefeitura foi até Palmeira das Missões, onde um projeto semelhante estaria em desenvolvimento e constatou que lá só existem lavouras experimentais.
“A unidade da Cooperbio, que eles disseram ser semelhante a que seria implantada aqui, ainda nem começou a ser construída”, contou. Esses fatores, segundo o prefeito, teriam motivado o recuo temporário em torno do empreendimento.
Os argumentos contrários, no entanto, não devem impedir que Rio Pardo entre nos planos do MPA. Embora sem ter a sede do complexo, a cidade será utilizada para transportar a produção.
Durante a solenidade de assinatura do protocolo entre a Prefeitura santa-cruzense e a Cooperfumo, o representante estadual da Via Campesina, Frei Sérgio Görgen, disse que a cidade vizinha não vai ficar de fora da proposta. “Eles não quiseram a usina, mas não é por isso que vão deixar de ser atendidos, nem que tenhamos que comprar terras lá para implantar lavouras”, ressaltou.
O que pensam os moradores
A reportagem da Gazeta do Sul ouviu moradores de Rio Pardo nesta semana para saber quais as opiniões quanto à decisão do MPA em trocar o projeto que tem no município por Santa Cruz do Sul. Confira a seguir opiniões da comunidade:
“Acredito que Rio Pardo deveria ter ficado com a usina do MPA. Sem ela a cidade vai acabar perdendo um grande investimento.” Valdir Habekost, 58 anos, taxista
“Talvez fosse bom para a cidade esse projeto. É uma grande perda que poderia gerar emprego e renda para a população.” Basilio Santos Filho, 77 anos, aposentado
“Seria uma chance de Rio Pardo se desenvolver. Não sei o que fez com que desistissem, mas acredito que deveria ter ficado aqui.” Taison de Azeredo, 17 anos, estudante
“É uma pena. A cidade precisa de empregos e oportunidades, mas assim vejo que vão haver prejuízos.” Diego Soares, 17 anos, estudante
Os contra
Sindicato Rural de Rio Pardo
Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rio Pardo
Agência de Desenvolvimento
Associação Comercial, Industrial e de Serviços
Cooperativa Agrícola de Rio Pardo
Associação Rio-pardense dos Produtores de Arroz
Cites 38,77 e 110
Associação Pró-desenvolvimento Passo da Cavalhada
Associação Pró-desenvolvimento da Rua Velha
Grupos de Mulheres Rurais de Rio Pardo
Entidades dizem por que se posicionaram contrárias
Entre os que se colocaram contra estão representantes de entidades ligadas ao meio agrícola. O Sindicato Rural foi um deles. De acordo com o presidente, Paulo Ene, um dos motivos que fez com que o órgão agisse dessa maneira foi a falta de clareza do projeto. “Não se tratava de uma usina de biodiesel, mas de uma esmagadora de sementes para extração de óleo vegetal. Achamos o projeto muito simples. Não se falava em investimentos e muito menos em empregos a serem gerados”, salientou.
Segundo o dirigente, técnicos teriam realizado a análise da proposta a fim de verificar a viabilidade. Entretanto, teriam constatado que não haveria condições de uma iniciativa como essa para o município. “Entendemos ainda que o MPA não é a melhor parceria”, disse ao se referir ao órgão que é ligado à Via Campesia, responsável por ataques a empresas e unidades de produção de mudas no Estado. A preocupação, ressaltou, também envolve o projeto da Aracruz Celulose para o município.
Outro que se posiciona de forma veemente contra a iniciativa da Cooperfumo é o presidente da Agência de Desenvolvimento de Rio Pardo, Roberto Floriani Raupp. “Santa Cruz está sendo enganada. Não se trata de uma usina de biodiesel. Faltou uma análise mais profunda desse projeto”, afirmou. Ele recorda, ainda, que as entidades organizadas do município estão envolvidas em outro projeto acerca da produção de biocombustível, que inclusive já estaria em fase de estudos.
O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e do Conselho Municipal de Agropecuária (Comagro), José Ademir de Menezes, explica que não teve acesso à proposta inicial. “Seria necessário um trabalho técnico bem apurado, a exemplo do projeto que vem sendo desenvolvido em Rio Pardo com a Granol”, ressaltou. Ele recorda ainda que quando ficou sabendo das intenções do MPA, entrou em contato com o prefeito para verificar o que estava sendo proposto.
Da mesma maneira, o presidente da Associação Comercial, Industrial e de Serviços, Dagoberto Menezes, aponta que desde o início das discussões em torno do complexo demonstrou preocupação. “Não se trata de uma usina e sim de uma esmagadora de sementes”, avalia. Ele apontou ainda que o investimento deveria ser feito com credibilidade. “Isso eu não via no projeto.”
A viabilidade, de acordo com o presidente da Cooperativa Agrícola de Rio Pardo, Antônio Barbosa Neto, também seria questionável. “O projeto não tem embasamento técnico, o que dificulta a sua implementação”, reforçou.
Os representantes das entidades contrárias ao projeto do Complexo Agroindustrial e Profissionalizante Alimentos e Bionergia do Vale do Rio Pardo, ao ficarem sabendo da proposta do MPA, enviaram carta ao prefeito Joni Lisboa da Rocha. Eles apresentaram uma série de argumentos e disseram ser “frontalmente contrários” ao projeto. O comunicado chegou ao prefeito dois dias depois de os representantes da Cooperfumo terem pedido a negociação, em dezembro do ano passado. A reportagem da Gazeta do Sul teve acesso ao documento encaminhado ao prefeito. Confira a seguir as justificativas apresentadas:
"Estarão ameaçadas as propriedades rurais de Rio Pardo diante da possibilidade de invasões de terras por algum desses movimentos"
"Há o risco iminente da perda de outros investimentos, os quais poderão deixar de trazer desenvolvimento econômico e social para o município"
"A área cedida poderá servir para refúgio e acampamento das marchas e invasões deflagradas pelo MST sediando ali um contingente capaz de atos de vandalismo e destruição conhecidos de toda a sociedade"
"A fragilidade econômica das finanças do erário público municipal nos impele a acreditar que melhor seria canalizar estes recursos para pequenos agricultores de Rio Pardo que desejam empreender nas suas atividades"
Dirigente do MPA afirma que proposta tem viabilidade
Os argumentos contrários ao Complexo Agroindustrial projetado pela Cooperbio não teriam fundamento. A afirmação é do coordenador estadual do MPA e presidente da cooperativa, Gilberto Tuhtenhagem, ao avaliar as críticas que o empreendimento recebeu dos representantes das entidades organizadas de Rio Pardo.
Ele alega que em nenhum momento disse que se tratava de uma usina de biodiesel. “Na primeira fase temos que preparar os agricultores para o cultivo das plantas oleaginosas”, explica. O que poderia ser feito de maneira imediata, afirmou, é a extração de álcool a partir da cana-de-açúcar cultivada na maioria das propriedades. “Hoje a maioria dos produtores planta cana que é aproveitada para a alimentação de animais. Com as microusinas seria feito o beneficiamento e retirado o álcool”, detalha. O produto obtido seria enviado para a coluna retificadora a ser instalada na área cedida pela Prefeitura de Santa Cruz do Sul para ser colocado nos padrões da Petrobras.
Enquanto isso estiver acontecendo ocorrerá também o cultivo de plantas oleaginosas para a extração de óleo vegetal. A usina propriamente dita seria um projeto de longo prazo que depende também de investimentos do governo federal. “Não estamos iludindo ninguém. Queremos apenas uma alternativa para o suprimento de energia renovável”, sublinhou.
Diversificação das pequenas propriedades será estimulada
O projeto do Complexo Agroindustrial prevê a instalação de microusinas destinadas à extração de álcool em todos os municípios da sua área de abrangência. O objetivo dessa medida é aproveitar a cana-de-açúcar cultivada pela maioria dos produtores rurais.
Em cada unidade ocorrerá o processamento da matéria-prima e o álcool resultante será enviado para a unidade de Santa Cruz do Sul para que seja colocado de acordo com os padrões exigidos pela Petrobras. A previsão é de que a chamada coluna retificadora, responsável por essa etapa, esteja em funcionamento em setembro de 2008.
Assim, segundo os responsáveis, será possível promover a diversificação da pequena propriedade. Além da cana, que já é comum, também passariam a ser cultivadas plantas oleaginosas, como girassol, para a extração de óleo vegetal. Essa representa a última etapa do projeto. Antes, será necessário instalar os equipamentos destinados à usina de biocombustível e promover a capacitação das pessoas envolvidas no empreendimento.
A unidade que vai ser implantada em Santa Cruz do Sul, em uma área de 40 hectares próximo ao Autódromo Internacional, é semelhante a uma existente em Palmeira das Missões, no Noroeste Gaúcho. Lá 63 municípios são atendidos envolvendo 59 mil propriedades rurais, das quais 35 mil possuem até 50 hectares. A produtividade de álcool já atingiu 10 mil litros ao dia e envolve pelo menos 280 pessoas. A meta é de que até 2009 seja possível estar produzindo biodiesel.
Estrutura - O setor destinado à bioenergia compreenderá uma microusina de álcool e uma coluna retificadora para processamento da cana-de-açúcar e mandioca e sua transformação em álcool combustível.
Alimentos - O setor de alimentos englobará a produção de gado com ocupação em torno de 30% da propriedade, através do Sistema de Pastoreio Racional Voisin (PRV) para produção de leite e carne; horta agroecológica em consórcio com criação de galinhas caipiras e suinocultura e pomar. O setor de industrialização e distribuição reunirá as atividades de secagem, armazenagem e beneficiamento dos grãos. Abrigará ainda uma indústria extratora de óleo vegetal para fornecimento à Petrobras e outras indústrias de biodiesel.
(
Gazeta do Sul, 02/03/2007)