Antonio Joaquim dos Santos, lavrador e extrativista, 32 anos, casado e pai de quatro filhos, foi assassinado na noite da última segunda-feira (26/02) na Comunidade de Canabrava, no município de Guaraciama, Norte de Minas Gerais, região de Montes Claros. Os movimentos sociais da região atribuem o assassinato a seguranças armados da V & M Florestal – Vallourec & Mannesmann. Já a empresa argumenta que Santos invadira uma propriedade da indústria para furtar lenha, e lamenta o desdobramento final do episódio.
Em nota distribuída à imprensa e poder público, a Rede Alerta Contra o Deserto Verde afirma que “dois guardas armados contratados pela VM, conhecidos como Claudinei e Joãozinho de Carmina, após prenderem o Antonio Joaquim, o amarraram, e após baterem nele dispararam dois tiros na boca em frente de sua filha”, e que “este assassinato é um desdobramento de um violento processo de expropriação das populações tradicionais do Norte de Minas em virtude da expansão da monocultura do eucalipto na região”.
A nota, assinada por entidades como a CPT (Comissão Pastoral da Terra), o Fórum Regional de Desenvolvimento Sustentável do Norte de Minas, o MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra), a Articulação no Semi-Árido de Minas Gerais e o Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas, ressalta que tal fato “aconteceu em uma das plantações de monocultura do eucalipto certificada pelo FSC – Conselho de Manejo Florestal – que teoricamente garante um manejo ecológico e responsabilidade social”.
A V & M Florestal, em seu site, explica ser uma empresa “dedicada a criar florestas de eucaliptos e a fornecer o carvão vegetal à VMB”, em referência à V & M do Brasil, que produz tubos de aço. A V & M Florestal também explica possuir no Norte e Nordeste de Minas “101 mil hectares de florestas de eucalipto, além de ilhas e faixas com vegetação nativa, que garantem a preservação da biodiversidade na região do cerrado mineiro”, e que “a área total da empresa é de 184 mil hectares, equivalente a mais de 128 mil campos de futebol”.
As entidades locais acionaram autoridades como a Coordenadoria de Direitos Humanos, Meio Ambiente e Conflitos Agrários do Ministério Público de Minas Gerais (MPE), a Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa, a Ouvidoria Agrária Nacional e o Instituto de Terras mineiro. Além disso, a Rede pretende encaminhar denúncias ao FSC Brasil e FSC Internacional para uma cassação do Selo Verde outorgado à V& M Florestal.
Perdas e danos
Segundo o advogado André Alves de Souza, que presta assessoria a diversos movimentos sociais e entidades da região, Santos não estava furtando lenha na área da empresa. Em entrevista à Carta Maior, Souza afirmou que o lavrador estava recolhendo lenha em uma área do seu próprio irmão.
Segundo o advogado, “esses pequenos produtores estão completamente cercados pelo eucalipto. Eles sempre usaram o Cerrado para extrativismo, inclusive para a lenha, e agora chegam a ser obrigados a recolher os refugos de madeira não usada pela empresa inclusive para cozinhar, pois não têm outra possibilidade. O Cerrado, suas plantas e animais, se encontra completamente esgotado na região”. O advogado reconheceu que a situação atual tem levado os moradores de Canabrava a recolher lenha em propriedades da empresa, mas que “não foi esse o caso”.
Souza afirmou ainda, que, durante o velório de Antonio Joaquim dos Santos, o clima era de revolta e indignação. “São muitas as denúncias de que os moradores são constantemente constrangidos pela empresa, tolhidos do seu direito de ir e vir” e que “qualquer carroça ou moto que passe pelas vias mais próximas à V & M é revistada pelos seguranças da empresa. As pessoas são acusadas de serem ladrões, sofrem todo tido de humilhação”.
O advogado também não consegue encontrar motivos plausíveis que possam ter levado à morte de Santos. “Foi uma brutalidade, uma covardia. Tentamos checar se houve uma desavença anterior com o Antonio, mas não havia nada, ele era muito querido e um dos seguranças inclusive mora na comunidade”, contou.
A expectativa era de que na tarde desta quarta (28) a polícia de Bocaiúva, responsável pela investigação da morte de Santos, ouvisse os acusados. “Aguardei até por volta das 15h, mas até esse horário os envolvidos ainda não haviam se apresentado”, disse o advogado.
Após o inquérito ser concluído pela Polícia Civil local, será encaminhado à Justiça. De lá, segue para o MPE, que avaliará se oferece a denúncia. Além dos responsáveis pelo disparo, a própria empresa pode se ver denunciada pelo Ministério Público no âmbito penal. Souza diz que está em estudo também a elaboração de uma ação contra a V & M por danos morais.
Nota da empresa
Em nota oficial, a V & M Florestal “informa que foi, mais uma vez, vítima de furto de lenha em uma de suas propriedades, a Fazenda Pé do Morro, no município de Bocaiúva, ocasionando, lamentavelmente, a morte do senhor Antônio Joaquim dos Santos – um dos que violaram a propriedade da V & M FLORESTAL”.
A empresa acrescentou que “aguarda a conclusão do inquérito da Polícia Civil de Bocaiúva para se pronunciar sobre o assunto” e que “dentro de sua política de responsabilidade social, a V & M FLORESTAL busca desenvolver ações sociais de geração de renda e educação que contribuam para a conscientização da comunidade local”.
(Por Antonio Biondi,
Agência Carta Maior, 01/03/2007)