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2007-03-02
Há 14 anos no Ministério Público Estadual, o promotor de Justiça de Estância Velha (RS), Paulo Eduardo de Almeida Vieira está, se não conseguindo sacudir um pouco do pó da consciência da pequena cidade de Estância Velha, pelo menos imprimindo um choque de moralidade no trato com a questão, visto poucas vezes na área ambiental. Depois de passar pelas comarcas de Guaporé e Taquara, Vieira enfrenta o desafio de receber mais de 600 processos por mês. Ele responde, no MP, também pelos municípios de Ivoti, Lindolfo Collor e Presidente Lucena. Numa sala modesta, num prédio de escadaria simples e íngreme localizado no Centro da cidade dos curtumes, em cuja ante-sala ouve-se um rádio em relativo bom som, tocando a música ambiental da Rádio União FM, de Novo Hamburgo, Vieira recebeu a reportagem do AmbienteJÁ, no final da tarde de 13 de fevereiro, para falar sobre os rumos da investigação do caso Utresa. “É para que as conversas aqui dentro da sala não sejam ouvidas do lado de lá”, explicou o promotor, a respeito da música da recepção, já baixando o volume para a gravação da conversa. E emendou: “Não temos isolamento acústico, e aqui chegam muitos problemas, muitos casos de família, precisamos manter a discrição”. Durante cerca de uma hora, ele falou sobre o processo de investigação de crimes ambientais registrados na Utresa, a central de resíduos industriais perigosos daquela cidade, e antecipou que “muito mais coisas estão para vir”.

AmbienteJÁ – Há uma informação dada pelo advogado de defesa do réu, de que o Ministério Público saiu na frente nas investigações e isso teria prejudicado o trabalho da Polícia. O Sr. confirma isto?
Promotor Vieira – Na realidade, o Ministério Público, nos autos de um inquérito civil investigando delitos ambientais, em trabalho conjunto com a Fepam [Fundação Estadual de Proteção Ambiental] e com a prefeitura municipal [de Estância Velha], apurou uma série de infrações ambientais ocorridas na Utresa, quer por poluição, quer por descumprimento de Licença de Operação. Por Licença de Operação e por poluição comprovada, por perícias de sedimentos do Arroio Cascalho, do Arroio Portão, das águas de ambos os corpos hídricos e também por saídas clandestinas de efluentes.

AmbienteJÁ – Comprovadamente, essa poluição é da Utresa?
Promotor Vieira – Comprovadamente da Utresa. Não há dúvida alguma que seja dali porque fizemos as chamadas coletas a montante e a jusante. Então, nós temos elementos para demonstrar que não havia aquele nível de poluição anteriormente à Utresa e [passou a existir] depois dela. Isto está cabalmente demonstrado por mais de mil páginas. Então, estamos sabendo que foi ela que produziu além dos efluentes, que ela não poderia lançar nada nos corpos hídricos e que lançava em grande intensidade.

AmbienteJÁ – E essa poluição registrada coincidiu com a mortandade de peixes no Rio dos Sinos, no dia 8 de outubro do ano passado?
Promotor Vieira – Nós fizemos as perícias e a pesquisa na Utresa aproximadamente 15 dias após a mortandade de peixes e ainda encontramos um nível de poluição extremamente grave. Em decorrência disto, o Ministério Público ingressou com uma ação de remoção de ilícito, ação cível, com nomeação de gestores ambientais que intervieram dentro da empresa para que fossem observadas as normas ambientais que estavam sendo flagrantemente descumpridas.

AmbienteJÁ – De onde são esses gestores ambientais?
Promotor Vieira – Um representa a Fepam e o outro é da confiança do juiz [Nilton Filomena, juiz de Estância Velha que está encarregado do julgamento do caso], ele nomeou como um perito dele, é um geólogo. A ação civil pública foi ajuizada aqui, postulando, também, de imediato, a determinação de uma auditoria ambiental, que agora já vai ser principiada [estava para começar no dia 26 de fevereiro].

AmbienteJÁ – A escolha da empresa de auditoria foi por licitação ou foi livre escolha do Ministério Público e da Justiça?
Promotor Vieira – Não é nomeação nossa [MP]. A nomeação da auditoria nós deixamos a cargo da própria empresa [Utresa] e dos gestores.

AmbienteJÁ – Da Utresa mesmo?
Promotor Vieira – Sim, porque é ela quem suporta todas essas despesas.

AmbienteJÁ – Mas a Utresa pode escolher livremente quem fará uma auditoria nela mesma?
Promotor Vieira – Não livremente, foi um debate construído entre ela e os gestores. Acho que os gestores é que indicaram a empresa para fazer a auditoria.

AmbienteJÁ – Gestores da Fepam e indicados pelo juiz?
Promotor Vieira – Por ambos, porque o juiz nomeou dois gestores ambientais. Um representando a Fepam, que é Jackson Müller, e o outro é Sandro Bertei [geólogo de Ivoti]. Ambos se reportam ao juiz, hoje, apresentando relatórios quinzenais sobre a situação da empresa. Eles estão dentro da Utresa, com a contribuição da empresa. Um dos pedidos da ação civil pública era a fixação de uma multa diária caso a empresa, de qualquer forma, impedisse ou obstaculizasse o cumprimento das normas de remediação dos danos ambientais que até então eram causados. Como a empresa vem sendo parceira, vem atendendo as determinações dos gestores, essa multa não tem sido cobrada, mas ela está fixada. Eles inclusive estão sob intervenção judicial. Eles fazem, no campo ambiental, tudo o que os gestores dizem que eles precisam fazer.

AmbienteJÁ – E a Utresa continua operando normalmente?
Promotor Vieira – As operações continuam normais, a empresa continua recebendo normalmente [resíduos], só que com uma diferença: agora está cumprindo as regras ambientais que não eram cumpridas.

AmbienteJÁ – Durante quanto tempo a Utresa ficou sem cumprir as regras ambientais?
Promotor Vieira – Isso eu não posso dimensionar. Mas, pelo tamanho do delito que nós observamos lá dentro, quer me parecer que há muito tempo não se atendiam as regras mínimas. Para você ter uma idéia, agora vão vir os novos relatórios dos gestores, eram ligadas, as saídas de percolados [líquidos produzidos pela infiltração da água das chuvas e pela degradação de compostos que percolam através da massa de lixo aterrada, carreando materiais dissolvidos ou suspensos], no pluvial [esgoto que somente deve receber águas das chuvas]. E o pluvial vai para o rio.

AmbienteJÁ – Quer dizer que o chorume ia diretamente para o Rio dos Sinos?
Promotor Vieira – O chorume era ligado ao pluvial para ir para os arroios Cascalho e Portão. Foi nessas saídas de pluviais nós constatamos cargas altíssimas de tolueno, xileno, benzeno, cromo, chumbo, arsênio e... uma tabela periódica.

AmbienteJÁ – O limite de vazão de efluentes da Utresa foi verificado de acordo com os parâmetros legais?
Promotor Vieira – Na realidade, nós tínhamos uma situação muito clara no tocante à Utresa. A Utresa não pode lançar nada. Então, as resoluções de limites de efluentes eram apenas para servir como parâmetros. A Utresa não podia lançar nada, a licença dela a proibia de lançar qualquer coisa.

AmbienteJÁ – E o que ela teria que fazer, então, com o chorume?
Promotor Vieira – Ela teria que, todo o chorume recolhido, levar para estações de tratamento de outras empresas para tratar.

AmbienteJÁ – E ela não fazia nada disso? Tudo era lançado diretamente para o rio?
Promotor Vieira – Não digo tudo, mas uma boa quantidade.

AmbienteJÁ – Essa boa quantidade é mais da metade?
Promotor Vieira – Isso a gente não tem como quantificar. O que nós verificamos, hoje, é a quantidade de caminhões que estão saindo de lá. Os técnicos poderão dizer, detalhadamente, quantos caminhões saem, por dia, de chorume, de lá.

AmbienteJÁ – Essa não é uma poluição que possa ser confundida com poluição cloacal?
Promotor Vieira – De forma alguma.

AmbienteJÁ – Uma das estratégias da defesa é argumentar que o efluente não vem com etiqueta, quer dizer, como provar que veio da Utresa a poluição que matou milhares de peixes?
Promotor Vieira – Depende... mas nós temos [como provar] pelas análises a montante e a jusante.

AmbienteJÁ – O Sr. acha que vai ficar um laudo contra o outro, o da acusação contra o da defesa?
Promotor Vieira – Eu quero ver o que eles [defesa] vão dizer quando vier o resto dos laudos depois da intervenção.

AmbienteJÁ – Vai vir mais?
Promotor Vieira – Claro. Piores. Quando houve a intervenção, nós entramos lá, no local de maior poluição da Utresa, sabe qual era a medida tomada pelo Sr. Luiz Ruppenthal para mitigar o problema? Abrir uma valeta no meio do lugar para escoar mais fácil [a poluição] para o Arroio Portão. Nós encontramos lá um verdadeiro mar de lodo, tinha benzeno, tolueno, xileno, de mais ou menos 300 metros de comprimento por quatro metros de largura, numa área de preservação permanente, na beira do rio, escorrendo da Utresa para o arroio. Isto nos fizemos uma operação e coletamos. Quando houve a intervenção, nós chegamos lá, no dia da intervenção, eu digo “Eles devem ter removido todo este chorume”... Não, ele não tinha sido removido, ele tinha sido seco. Eles abriram uma valeta no meio daquele chorume para escorrer para o Arroio Portão. Essa é que a defesa do Dr. Nereu Lima [advogado deLuiz Ruppenthal no caso]... eu não acredito, honestamente – claro que é legítimo o direito de defesa – conseguir derrubar tamanho escândalo ambiental como era a Utresa. Tanto é que na parte cível eles não têm manejado recursos porque se renderam às evidências. Eu sou promotor há 14 anos. Eu nunca, na minha experiência, nesses 14 anos de promotoria, tive uma prova tão sólida e tão consistente como essa aí. Então, não estou nem um pouco preocupado.

AmbienteJÁ – A defesa também diz que os peixes morreram por asfixia, por causa da falta de oxigênio na água e quem tira o oxigênio da água é o esgoto cloacal, e não a poluição industrial...
Promotor Vieira – Eles [a defesa] têm que entender que são 20 crimes e apenas um dos 20 se refere à mortandade no Sinos. Os outros 19 têm a ver com poluição de solo, com poluição dos corpos hídricos... Eles estão preocupados com a mortandade no Sinos quando, na realidade, ele [Ruppenthal] está respondendo por 20 crimes e um deles, um dos pontos, foi considerado pela perícia como decisivo para a mortandade. Só que havia pelo menos mais dois pontos de escoamento direto de poluentes para o Arroio Portão e mais uma saída direta para o Arroio Cascalho e mais duas em outros locais. Então, na verdade, eles estão olhando para um pedacinho do fato. E não é um pedacinho. Claro que o que gera sentimentalismo nas pessoas são as 90 toneladas [de peixes], mas a empresa responde por 20 crimes e eu acredito, pelo andar da carruagem, que vai responder por mais 20.

AmbienteJÁ – Um dos argumentos da defesa da Utresa é que seria injusto acusar um poluidor, uma vez que as prefeituras não tratam o esgoto cloacal de seus municípios. Como o Sr. vê isto?
Promotor Vieira – É evidente, pelos laudos que nós fizemos, a nossa operação foi realizada com a presença do Ministério Público, da Patram [Polícia Ambiental da Brigada Militar], da Prefeitura Municipal, Secretaria do Meio Ambiente, da Fepam representada [então] por Jackson Müller e um laboratório credenciado junto à Fepam – Greenlab. Portanto, nunca houve uma fiscalização tão grande nessa operação, com tantos órgãos conjuntamente, para apurar essa prova. Isto tudo dentro de um inquérito civil. Só que o inquérito civil, ao fazermos a operação, ao investigarmos toda essa situação ambiental, paralelamente, nós descobrimos a ocorrência, até o momento de 20 crimes ambientais.

AmbienteJÁ – Enquadráveis na Lei de Crimes Ambientais [Lei 9.605/98]?
Promotor Vieira – Exatamente, artigo 60** e artigo 54*, poluição de corpos hídricos com decorrência de mortandade de peixes. Então, a prova do inquérito civil foi utilizada para o pedido de prisão preventiva e para embasar uma ação penal. Então, não há uma investigação, por parte do Ministério Público, penal. Houve uma investigação ambiental que indicou, que comprovou a ocorrência de crimes ambientais.

AmbienteJÁ – Essa investigação foi técnica, não foi policial?
Promotor Vieira – Foi técnica. Policial, não. Nós fizemos vistorias no local e coletas de saídas de efluentes onde não poderia haver, porque era proibido, ela deveria ser hermética. E depois desse tempo em que estamos lá dentro, constatamos mais de 30 metros de profundidade de poluição de solo causada pela Utresa.

AmbienteJÁ – Mas não há impermeabilização das valas?
Promotor Vieira – Deveria. Descobrimos, por exemplo, que as valas estavam transcendendo o limite máximo delas de impermeabilização.

AmbienteJÁ – Mas existem normas da ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas] para a construção dessas valas...
Promotor Vieira – Essa é uma dificuldade que está sendo enfrentada, hoje, pelos gestores. Porque eles têm que refazer, agora, uma série de valas que estavam sendo construídas por inobservância de normas técnicas. Eles tiveram que tomar uma série de providências para conter o chorume que estava extravasando, quer do pluvial para os arroios, quer para o solo. E é isso que os gestores têm feito. Nós temos um outro relatório, que possivelmente resultará em nova ação penal.

AmbienteJÁ – Contra a pessoa física ou a jurídica?
Promotor Vieira – Os crimes ambientais admitem ação penal contra pessoa jurídica, e aqui está respondendo, no momento, a Utresa, e o seu diretor-técnico e diretor-presidente de então, que era Luiz Ruppenthal, que era quem coordenava toda essa série de ações poluidoras.

AmbienteJÁ – E como está a situação da Utresa hoje?
Promotor Vieira – Dentro da ação civil pública de remoção, na seqüência, nós ingressamos com medidas de indisponibilidade de bens e de contas. Hoje, só algumas contas da Utresa estão bloqueadas para garantir essas despesas com auditoria. Fora o que estão realizando, só para garantir que será realizado. Tem um custo de auditoria, de implementação de medidas mitigatórias, de compensação, lá na frente, de recuperação, enfim, uma série de reparações que deverá ser adotada no futuro. Isso tudo está resguardado por uma indisponibilidade de algumas contas da Utresa. Outras contas só podem ser movimentadas pelo presidente dela, que é o Fernando Couto. Ele hoje é o responsável pela movimentação das contas da Utresa. Só ele pode movimentá-las.

AmbienteJÁ – Ele já fazia parte da Utresa?
Promotor Vieira – Ele já perctencia aos quadros, era um dos presidentes, mas não era o responsável técnico e o diretor. Aliás, se você conversar aqui em Estância Velha, todos sabem quem realmente mandava na Utresa. Era Luiz Ruppenthal, fato público e notório. Não só aqui, como em qualquer lugar.

AmbienteJÁ – O Sr. disse antes que a Utresa não cumpria a Licença de Operação...
Promotor Vieira – Ela não cumpria a Licença de Operação. A Utresa não pode lançar nenhum tipo de efluente em corpos hídricos. Ponto final. Lançava, e muito, e por todos os lugares. Não só nos corpos hídricos, como no solo. Tanto é que nós entramos com o pedido de gestores e não houve recurso por parte da empresa.

AmbienteJÁ – E o Estado, a Fepam, não tem responsabilidade pelo fato de a Utresa não estar cumprindo a Licença de Operação, por não fiscalizar isto?
Promotor Vieira – Eu não vou me manifestar a respeito da Fepam.

AmbienteJÁ – Mas o Ministério Público não responsabilizou também a Fepam pelo ocorrido?
Promotor Vieira – Se houver alguma responsabilização da Fepam, isso não diz respeito à Promotoria de Justiça de Estância Velha. Teria que ver com a Promotoria de Justiça do Meio Ambiente de Porto Alegre. Não seria competência nossa. Vamos examinar apenas, pontualmente, a situação de dois fiscais [da Fepam]que foram indiciados no inquérito policial lá de Sapucaia do Sul.

AmbienteJÁ – Por que em Sapucaia?
Promotor Vieira – Porque quem instaurou o inquérito policial foi a Delegacia [de Polícia] de Sapucaia. Porque lá foi onde se apurou a mortandade, não se sabia de onde tinha vindo. O fato da apuração aconteceu lá. Sapucaia do Sul foi onde eles constataram pela primeira vez a mortandade. O delegado de lá instaurou inquérito policial e saiu a investigar uma série de empresas de Sapucaia, de Estância Velha, de Portão. Mas a mortandade ocorreu em Portão.

AmbienteJÁ – Mas o delegado de Estância Velha pode investigar empresas em outros municípios?
Promotor Vieira – Isso é da deliberação da Secretaria de Justiça do Estado.

AmbienteJÁ – E a Delegacia de Polícia de Estância Velha, qual a relação tem com esse caso?
Promotor Vieira – Com relação a isso, quem tem que falar é o delegado da Delegacia de Polícia de Estância Velha.

AmbienteJÁ – E o que aconteceu logo após a investigação?
Promotor Vieira – Uma vez que nós tínhamos medidas judiciais tomadas aqui, de ordem penal, já tínhamos uma ação penal movida em cima das provas colhidas no inquérito civil e tínhamos um pedido de preventiva também baseado nessas provas, ficou prevento o juiz de Estância Velha, até porque a maioria dos crimes tinha ocorrido aqui e foi remetido para cá o inquérito policial.

AmbienteJÁ – Quanto aos fiscais da Fepam, o indiciamento deles está relacionado ao caso da mortandade dos peixes ou ao fato da concessão das Licenças de Operação à Utresa?
Promotor Vieira – Em princípio, é à questão da Utresa. Vou examinar o delito em relação ao qual o delegado os indiciou e vou tomar a providência cabível ainda. Nós não tomamos. Eu e o colega de portão, Marcelo Tubino. Somos dois promotores que temos trabalhado nisso diretamente, que é um inquérito civil regional. É um inquérito só e nós fizemos as ações juntos.

AmbienteJÁ – O Sr. está aguardando ainda algum documento da Delegacia de Polícia de Sapucaia?
Promotor Vieira – Nenhum.

AmbienteJÁ – Então nada mais depende da ação da DP de Sapucaia?
Promotor Vieira – Nada mais.

AmbienteJÁ – Tudo o que o Sr. precisa de elementos está aqui?
Promotor Vieira – Em princípio, sim. Eu tenho que verificar se vou pedir mais algumas coisas, mas acho que não.

AmbienteJÁ – Ouve-se falar que o engenheiro Ruppenthal estaria circulando livremente por Estância Velha...
Promotor Vieira – Não acredito. Isso faz parte das lendas urbanas de cidades pequenas. O Deic [Departamento de Investigações Criminais da Polícia Civil] está atrás dele, a Polícia Civil está atrás dele, a Polícia Militar está atrás dele, a Polícia Federal está atrás dele. Você acha que alguém com todo esse número de órgãos estatais... estaria passeando por aí?

AmbienteJÁ – Ouviu-se falar que ele teria sido visto em Camboriú (SC)...
Promotor Vieira – É até possível que ele tenha passado por Camboriú. Eu não vou dizer que não...

AmbienteJÁ – O advogado de defesa alegou que a esposa do Sr. Ruppenthal estaria doente, e que agora os bens da empresa estão indisponíveis...
Promotor Vieira – Os direitos envolvendo os familiares ou a empresa... O problema todo é que nós, do Ministério Público, entendemos que há uma, senão mais, empresas laranjas da Utresa. E uma dessas empresas é a que teve o seu patrimônio indisponibilizado. Só isso. Nós estamos afirmando porque era uma empresa formada por familiares dele, a mulher e os dois filhos [consta, no site do Tribunal de Justiça do Estado, um processo de número 095/1.06.0004123-7, em que a empresa Brazway Serviços Técnicos Especializados Ltda., dos filhos de Ruppenthal – Christian e Joan Louise –, contesta a indisponibilização de bens por parte do Ministério Público]. A mulher [Vera Leuck] e os dois filhos do Ruppenthal tinham uma empresa que negociava e que tinha uma alta movimentação financeira.

AmbienteJÁ – Era uma empresa formada à sombra da Utresa?
Promotor Vieira – Exatamente.

AmbienteJÁ – Mas qual a atividade dessa empresa?
Promotor Vieira – Ela tem uma atividade decorrente de vender produtos comprados pela Utresa. A título exemplificativo, comprando por um e vendendo por duzentos. Vamos simbolizar assim: eu lhe vendo esse lápis [apontando para um lápis sobre a mesa] por um e a Sra. revende ele por duzentos.

AmbienteJÁ – Mas isso seria um outro crime?
Promotor Vieira – Nós não estamos examinando a questão criminal, estamos examinando dentro do processo cível que nós temos que garantir que o patrimônio da Utresa não se esvaia a ponto que nós temos que pensar que haverá, no futuro, uma necessidade de indenização, um passivo ambiental importante. Noventa toneladas de peixe são um passivo ambiental importante. Nós temos afirmado – e com provas bastante consistentes – que a Utresa foi a principal causadora da mortandade. Veja, é diferente de dizer a única.

AmbienteJÁ – Há outras empresas sendo objeto da mesma ação?
Promotor Vieira – Nós ingressamos com uma ação em relação à Utresa. Nós vamos ter que nos ocupar das demais empresas. Cada uma é um caso particular com uma situação particularizada. Agora, em relação à Utresa, diferentemente das outras empresas, nós tivemos uma série de perícias realizadas em vários dias, que nos permitiram afirmar, com segurança, a responsabilidade dela pela mortandade.

AmbienteJÁ – E as perícias continuam?
Promotor Vieira – Continuam à medida que os gestores continuam fazendo coletas lá dentro, e isso tudo vai estar resultando em relatórios encaminhados ao juiz e remetidos a nós. Estão para chegar dois relatórios dos gestores. Vão direto para o juiz, que é a quem eles têm que se reportar, e o juiz repassa para nós. Desses relatórios podem advir novas ações penais contra a Utresa. São crimes que eles estão apurando agora, estão remediando.

AmbienteJÁ – Existem mais crimes?
Promotor Vieira – Talvez mais uns 20 ou 30 delitos.

AmbienteJÁ – No caso de ser localizado e preso o Sr. Ruppenthal, qual a pena que ele deverá cumprir?
Promotor Vieira – Primeiro, a dosimetria de pena vai depender de juiz para juiz. Eu só posso lhe falar que ele está respondendo por 20 crimes. Pode dar, sei lá, oito ou dez anos de cadeia. Eu não sei, pois são tantos delitos que vão se somar que eu não sei quanto vai dar.

AmbienteJÁ – Ele, como pessoa física?
Promotor Vieira – Ele, como pessoa física, e a Utresa, se não me falha a memória, por 16. E ele responde por todos da Utresa e mais quatro, se não me falha a memória, além dos que nós vamos ter que apurar agora nos relatórios dos gestores.

AmbienteJÁ – Então, quanto à questão da investigação, o Sr. afirma que não houve nenhum conflito com a Polícia?
Promotor Vieira – Não... a pretensão da defesa é muito simples. Como no Supremo Tribunal Federal está sendo discutido o poder investigatório do Ministério Público no crime, ele [o advogado de defesa] quer desmanchar uma realidade já clara, insofismável, de crimes ambientais aterradores que todo mundo viu e percebeu. Só que ele não atentou – está fazendo de conta que não percebeu – que existe o inquérito civil, uma ação civil pública, e esta prova, já dita pelo Supremo “n” vezes, serve como instrumento para uma ação penal. Estou investigando uma questão ambiental, apurei um crime ambiental, tiro cópia e denuncio. Não foi uma investigação penal que resultou numa ação civil pública. Não. Foi uma ação civil pública, baseada em provas que também serviram de instrumento para uma ação penal. É diferente. Nós estávamos investigando a questão da mortandade, não estávamos investigando o crime. Nós estávamos investigando poluição. Constatamos poluição, partimos para impedir que ela continuasse, que fossem removidos os atos ilícitos ali cometidos – por isto é uma ação de remoção de ilícitos – e, baseados na mesma prova, tanto que se você estivesse aqui no dia em que nós ajuizamos, iria ver os autos que balizaram a ação civil pública foram os mesmos autos, cópias deles, que balizaram a ação penal pública. São as mesmas perícias.

AmbienteJÁ – A Utresa contestou a ação do Ministério Público?
Promotor Vieira – Na ação civil pública, no relatório que balizou a ação civil pública, relatório confeccionado pela Secretaria do Meio Ambiente do município de Estância Velha – que, aliás, não foi nada contestado pela Utresa, ela só contestou os laudos da Fepam, esqueceu o laudo da prefeitura...

AmbienteJÁ – Não contestou a Prefeitura, como?
Promotor Vieira – Assim mesmo. A ação foi baseada em perícias da Fepam e num laudo, confeccionado pela Fepam, do Jackson Müller, e num laudo confeccionado pelo município. O do município, eles [Utresa] não abordaram em nada. Eu lembrei desse laudo do município, desse relatório, melhor dizendo, do município, onde se afirmam todos os danos causados por cada um dos produtos químicos. Está aí escrito.

AmbienteJÁ – E a Utresa não contestou, mas por quê?
Promotor Vieira – Isso é uma questão para o advogado. Estou lhe informando que o relatório do município passou incólume. E é tão ou mais duro com a Utresa do que o relatório da Fepam.

AmbienteJÁ – Há informação de que haverá uma nova audiência deste caso no dia 15 de março. Até lá, qual é o trabalho do Ministério Público?
Promotor Vieira – Em particular, temos que aguardar a audiência e depois de feita a audiência, vamos apresentar as razões e vai para julgamento.

AmbienteJÁ – Caso o réu se apresente, a situação dele é amenizada?
Promotor Vieira – Para nós, é indiferente. Honestamente, é indiferente. Ele hoje é um foragido da Justiça. Ele está arcando as conseqüências do estresse de ser um foragido da Justiça. Até porque qualquer cidadão pode se perguntar: “Inocente foge?”.

AmbienteJÁ – O que todo mundo se pergunta é: “Como pode a Polícia não capturar o foragido?”
Promotor Vieira – Nós temos que compreender que é muito fácil sair do país. Existem “n” fronteiras secas neste país. Você para ir para o Uruguai, pode passar por dentro de um campo e ir...

AmbienteJÁ – O Sr. tem essa informação de que ele poderia estar no Uruguai ou está conjecturando?
Promotor Vieira – Conjecturando, digamos.

AmbienteJÁ – Não há nenhum indício de onde ele esteja?
Promotor Vieira – Consistentemente, onde ele está, não. O que nós sabemos é que ele andou pela Bahia, que ele andou numa pousada na Bahia.

AmbienteJÁ – Mas então a trajetória dele está sendo investigada?
Promotor Vieira – Claro, as Polícias estão tentando localizá-lo. Ele está até no site do Deic, entre, me parece, os dez ou doze mais procurados. Então, realmente, mais do que isso... nós temos que entender que Luiz Ruppenthal é um homem instruído, que fala fluentemente alemão, senão outras línguas, que ele pode muito bem se passar por um estrangeiro e ninguém vai conseguir descobrir isso. A não ser, claro, nos aeroportos, onde o nome dele foi passado, então ele deve estar com dificuldade de conseguir, pelo menos com o passaporte verdadeiro...

AmbienteJÁ – Mas aí haveria um outro crime, de falsificação de passaporte, falsidade ideológica...
Promotor Vieira – Nós estamos conjecturando que ele poderia, só com um passaporte falso, sair, porque ele está sendo controlado no país inteiro.

AmbienteJÁ – Esse caso não tem precedentes, pelo menos no Rio Grande do Sul, uma pessoa ser procurada por crime ambiental... como o Sr. vê isto?
Promotor Vieira – Não, este é um caso inédito, eu acho que foi um ganho para o meio ambiente, para o direito fundamental meio ambiente, para que os nossos empresários compreendam que o meio ambiente não é só bonito no papel, que é preciso cumprir as regras, as normas, sob pena de responsabilização. Eu acho que nós estamos vivendo um novo momento após este episódio. E é só um começo de uma série de providências que haverão de ser tomadas.

AmbienteJÁ – As outras empresas vão também passar por esse processo de coleta de provas para a verificação de sua responsabilidade no caso da mortandade de peixes?
Promotor Vieira – A rigor, deveriam. Agora, você há de convir que nós temos algumas dificuldades. No que diz respeito às empresas de Estância Velha, eu posso garantir que nós pretendemos fazer uma apuração mais detida acerca dessas empresas. Agora, fora dos limites das promotorias de Estância Velha e de Portão...

AmbienteJÁ – Há dificuldades?
Promotor Vieira – Nós temos atribuição circunscrita. Assim como o juiz de Estância Velha fala por Estância Velha e não pode falar por Sapucaia, nós também.

AmbienteJÁ – Em Portão não tem problema porque há uma ação conjunta. Mas em Sapucaia do Sul?
Promotor Vieira – Em princípio, não haverá problema. Nós teremos que discutir. Porque tudo isso envolve estrutura. Nós podemos fazer toda esse trabalho junto à Utresa porque a Prefeitura custeou quase R$ 20 mil reais em perícias.

AmbienteJÁ – Por quê?
Promotor Vieira – Ela foi parceira, ela ajudou. Isso, aliás, é algo que tem que ser saudado. Porque se não fosse ela... aliás, ela tem participado conosco numa série de situações, nós temos feito, há mais de dois anos, o mapeamento do Arroio Portão, coletas trimestrais no Arroio Portão, perícias que são encaminhadas, análises de saídas de efluentes de empresas. A Prefeitura fez um convênio conosco, um termo de cooperação. Agora ela está reestruturando todas as suas secretarias para que possa desempenhar um serviço melhor na área de meio ambiente. Então, é algo que tem que ser saudado. O prefeito Elivir Desiam tem se mostrado alguém extremamente preocupado com o meio ambiente mesmo, disponibilizando material, pessoal. Nunca se negou a fazer qualquer perícia que nós tenhamos solicitado. Se não fosse isso, não seria possível, porque alguém tem que pagar o laboratório.

AmbienteJÁ – O caso da poluição causada pela Utresa transcende o município de Estância Velha. Em razão disso, não deveria o Ministério Público do Estado dar suporte a esse trabalho?
Promotor Vieira – Não, à medida que nós, eu e o colega Tubino, estávamos designados para o inquérito civil regional, para contemplar toda a bacia do Sinos.

AmbienteJÁ – Esse trabalho será continuado?
Promotor Vieira – Isso vai depender da manutenção da portaria pelo novo procurador-geral que vai ser eleito agora em março e vai assumir.

AmbienteJÁ – Qual portaria?
Promotor Vieira – A que nos designou para podermos atuar envolvendo situações que transcendem os limites de Estância Velha e Portão. Para isso, tem que ter uma designação do procurador-geral de Justiça, que é o chefe do Ministério Público. Por isto que nós podemos atuar além das fronteiras.

AmbienteJÁ – O [então, em 13 de fevereiro] presidente da Fepam atuava como consultor jurídico na Utresa...
Promotor Vieira – Parece que foi na década de 80 isso.

AmbienteJÁ – Não agora recentemente?
Promotor Vieira – A informação que eu tenho é que era na década de 80, que ele advogou numa causa da Utresa.

AmbienteJÁ – Numa causa?
Promotor Vieira – Me parece que sim. Tem que ter cuidado com essas informações... Eu sou da seguinte opinião: mesmo que ele tivesse sido advogado da Utresa, recentemente, na área tributária, eu não veria nenhum problema em que ele pudesse atuar como presidente da Fepam à medida que ele não se vincula aos seus pareceres. A Utresa lhe pede um parecer... Por exemplo, a sua formação é de jornalista. Se a Utresa lhe pede uma assessoria jornalística...aí a Utresa faz uma série de porcarias, e aí você está maculada pela empresa? Tem que ter cuidado. Talvez se ele tivesse advogado para a Utresa, recentemente, na área ambiental, pudesse haver ainda algum conflito ético. Mas eu acho que isto aí é mais fuxico. Que ele não advogou em área ambiental, isto é certo. Que foi na área tributária, também é certo. E que parece-me que faz 20 anos que ele que ele prestou essa assessoria...eu fiquei sabendo isto de conversas...

AmbienteJÁ – Quanto tempo vai durar a intervenção na Utresa?
Promotor Vieira – A intervenção é para durar de um a dois anos a partir de novembro de 2006. Enquanto a situação não se normalizar em sua plenitude, os gestores precisarão continuar lá. Na hora em que a empresa tiver cumprido com os seus deveres ambientais, cessa-se a utilidade desta intervenção.

AmbienteJÁ – Quanto está custando esse trabalho, além da perícia?
Promotor Vieira – Quanto a isto, tem que consultar a administração da Utresa. A questão patrimonial não nos interessa. O que nos cumpre em relação à Utresa é que ela tem que arcar com os custos. Se ela não arcar, nós vamos intervir para que ela sofra uma multa diária.

AmbienteJÁ – Qual o valor dessa multa?
Promotor Vieira – Eu não me lembro se são 1.500 reais, parece que é isto. Mas eles estão cumprindo, eles estão atendendo. Lógico que eles estão percebendo que é melhor assim. Me parece que eles estão praticando um preço mais alto, agora, para receber os resíduos. Antes, parece que era bem em conta. Era, tipo assim, 40 reais a tonelada, enquanto os outros praticavam preço de 180 reais a 250. Você há de convir que há uma distância muito grande de valores. Mas parece que eles reajustaram a tabela, até porque eles enfrentaram dois baques. O primeiro, de ter que tomar uma série de providências para remediar e mitigar os problemas lá existentes. O segundo, perderam clientela, é natural. Muita gente não vai querer dispor o resíduo mais lá.

AmbienteJÁ – Muitas empresas seguem normas ambientais e têm que ter garantia de que seus fornecedores e clientes cumprem essas normas...
Promotor Vieira – Claro.

AmbienteJÁ – E a questão do impacto dessa poluição para a saúde. Existe algum perito especialista em saúde pública que esteja acompanhando esses trabalhos?
Promotor Vieira – Nós não estamos analisando isso.

AmbienteJÁ – Porque existe toda uma população consumindo a água que sofreu danos ambientais...
Promotor Vieira – Nós temos que nos questionar agora o Rio dos Sinos como um todo. Como é que nós conseguiremos transformar em água potável um rio classe 4. Este é um questionamento que tem que ser feito.

AmbienteJÁ – O Ministério Público está trabalhando junto com o Comitê de Bacias Hidrográficas do Estado ou com o Comitesinos?
Promotor Vieira – Não, eu nunca fui procurado pelos comitês de bacias. Eu acho que eles devem ter me convidado para uma ou outra reunião. Eu não tenho trabalhado conjuntamente com eles. Nós temos feito um trabalho específico em relação ao Arroio Portão.

AmbienteJÁ – O Ministério Público pretende cobrar da Prefeitura uma ação quanto ao esgoto cloacal?
Promotor Vieira – Nós já estamos construindo, junto à municipalidade, já foram encaminhados projetos para ela, para fazer saneamento básico, quanto aos rios e esgotos cloacais, esgotos domésticos da cidade. Então já está se fazendo um estudo nesse sentido. Já receberam uma prévia do estudo para tentar tratar. Esse é um objeto, também, de discussão, já entre o Ministério Público de Estância Velha e o município, e também já foi firmado pelo meu colega de Portão um acordo com o município de Portão para a questão do esgoto cloacal.

AmbienteJÁ – Jackson Müller, na condição de [então] diretor-técnico da Fepam, poderia ter sido nomeado para a intervenção na Utresa?
Promotor Vieira – Ele foi nomeado justamente pelo juiz para ser um olho da Fepam dentro da Utresa. E já foi nomeado um outro gestor justamente para o juiz perceber que, em princípio, tinha havido falhas na fiscalização da Fepam. Só que ele não está lá licenciando ou deixando de licenciar. Ele está agora, lá dentro, para acompanhar o cumprimento das licenças de operação. As outras normas que eventualmente a Fepam exija não são dever dele confeccionar ou elaborar, isso é de técnicos da Fepam.

AmbienteJÁ – O caso pode ir para uma outra instância da Justiça, superior?
Promotor Vieira – Isso aqui gera uma referência, esse processo. A prisão, a confirmação no Tribunal. Vai indo para as instâncias superiores, que é o Superior Tribunal de Justiça, ou para o Supremo Tribunal Federal, porque aí essa matéria toma uma dimensão mais global.

AmbienteJÁ – O Sr. acha que pode derivar alguma jurisprudência desse caso?
Promotor Vieira – Claro, mais sólida ainda. Nós já temos uma jurisprudência do tribunal de uma prisão preventiva confirmada de um criminoso ambiental.

AmbienteJÁ – Isso já aconteceu então?
Promotor Vieira – No Tribunal de Justiça, sim... o habeas corpus [de Luiz Ruppenthal], que foi negado. Foi dito que está preso e está bem preso, foi isso que o tribunal fez. Está preso preventivamente. O advogado [Nereu Lima] impetrou habeas corpus dizendo “Ele não deveria estar preso”, e o Tribunal disse “Não, ele deveria estar preso, sim”, e apresentou as suas razões. Agora, no momento em que for encaminhado isso para o STJ [Superior Tribunal de Justiça]...

AmbienteJÁ – E vai ser?
Promotor Vieira – Não sei, o Dr. Nereu Lima é quem vai dizer...ele não disse que está esperando a publicação do acórdão? Possivelmente é isso que ele vai fazer...E eu estou torcendo para que ele faça, porque possivelmente o STJ vá confirmar a decisão do Tribunal de Justiça [do Estado do Rio Grande do Sul]. E aí nós vamos ter uma decisão em primeiro grau, outra em segundo grau e a outra na corte especial, que é Brasília.

AmbienteJÁ – E daí se tem um precedente...
Promotor Vieira – Tem-se um precedente.

AmbienteJÁ – ... Que pode basear outras ações?
Promotor Vieira – Certamente, já está baseando, os colegas já estão ligando para nós para saber como é que foi feita a intervenção. Querem saber como é que foi feito o pedido de prisão. Porque, na verdade, nós tivemos uma atitude de vanguarda e isso vai servir de referência, como tudo na vida.

AmbienteJÁ – O Sr. considera esse tipo de crime muito comum, mas com relação ao qual a sociedade está meio adormecida?
Promotor Vieira – Está banalizado, não é? E a gente...eu acho que nós nos acostumamos com algumas coisas neste país. E precisamos mudar. O sentimento de impunidade é algo que está hoje visível aos olhos de todos. E é necessário que a gente demonstre para a sociedade que não é bem assim, que há possibilidade de se dar respostas para certos crimes abusivos. Ninguém está querendo impedir as empresas de terem lucro. Mas é o crescimento sustentado, que eles gostam tanto de dizer. Que crescimento sustentado passe a incluir, nos seus custos, o trato do meio ambiente, um resguardo, uma proteção que hoje não existe. Por quê? Por falta de uma fiscalização adequada? Claro que sim. Nós temos 40 fiscais, na Fepam, para 400 mil empreendimentos.

AmbienteJÁ – E o sistema de automonitoramento implementado pela Fepam?
Promotor Vieira – Nós tínhamos aqui, na promotoria, baseado nas investigações que vínhamos fazendo, cerca de 40 empresas potencialmente poluidoras, nós tínhamos a prova do descumprimento das normas ambientais pelas empresas, informadas nos seus automonitoramentos. Por que a Fepam não tomava uma atitude? Não sei.

AmbienteJÁ – As próprias empresas declaravam que não estavam cumprindo as normas?
Promotor Vieira – Elas informavam. Os automonitoramentos indicavam o descumprimento dos parâmetros.

AmbienteJÁ – Então caberia à Fepam agir...
Promotor Vieira – A palavra está com o Breunig [então presidente em exercício da Fepam, Renato Breunig].

AmbienteJÁ – O automonitoramento está sendo acompanhado pelo Ministério Público?
Promotor Vieira – Nós vínhamos acompanhando isso, pelos monitoramentos realizados pelos municípios, que havia um descumprimento reiterado das Licenças de Operação. Eles estavam mostrando, pelo automonitoramento, que eles não cumpriam a licença. O próprio automonitoramento já indicava.

AmbienteJÁ – O Sr. acha que deveria haver uma atitude mais rígida em relação a isso?
Promotor Vieira – Eu não sei, eu acho que o problema da Fepam é um problema não particular, específico dela. É um retrato do Estado como um todo. Temos uma falta de estrutura. Volto a dizer: 40 fiscais para 400 mil empreendimentos. Então, nós também não podemos exigir muito. O que é preciso que se construa – e eu acho que a Fepam e a Secretaria do Meio Ambiente já estão se dando conta – é que nós temos que repassar as questões ambientais, em larga medida, para os municípios, para permitir que o Ministério Público comece a fazer uma fiscalização mais direta. É mais fácil cobrar dos prefeitos.

AmbienteJÁ – Mas já existem mais de cem municípios com licenciamento municipalizado no Estado.
Promotor Vieira – Sim, mas é um licenciamento ambiental de impacto local.

AmbienteJÁ – O Sr. acha que os grandes empreendimentos também deveriam ter o licenciamento ambiental a cargo dos municípios?
Promotor Vieira – É... talvez. Tem que ser estudado isso. Nós temos que rever algumas situações. É preciso que os municípios comecem a se ocupar. A Fepam não pode nem deve ficar aí tratando a respeito de borracharia, por exemplo, certo? Ela nem tem espaço para tudo isso. Então, há, hoje, uma possibilidade de licenciamento ambiental para os municípios, mas ela é restrita.

AmbienteJÁ – Mas supostamente não haveria uma possibilidade de fraude nesses licenciamentos em municípios que não têm uma boa estrutura?
Promotor Vieira – Aí que eu acho que cabe ao Ministério Público essa atuação. O Ministério Público é um órgão estatal que está aí para fiscalizar e para fazer as cobranças devidas.

AmbienteJÁ – Então o Sr. pensa que o Ministério Público deveria participar desse processo de fiscalização do licenciamento ambiental?
Promotor Vieira – É muito mais fácil a mim fiscalizar os prefeitos da minha comarca do que fiscalizar o governador, eu nem tenho legitimidade para isso. Seria uma visão mais particularizada.

AmbienteJÁ – O Sr. acredita que os Estudos de Impacto Ambiental deveriam continuar sendo feitos como são ou deveriam mudar?
Promotor Vieira – Eu acho que o Estudo de Impacto Ambiental, para ter importância, é preciso a gente começar a lê-lo. Alguém tem que atentar aos Estudos de Impacto Ambiental para verificar se realmente eles estão sendo observados ou se estão sendo confeccionados adequadamente. É preciso que alguém pare para examinar isso. É por aí que eu acho que passam as coisas, é uma mudança de mentalidade. E priorizar, de fato, o meio ambiente. Eu acho que o meio ambiente hoje é um assunto muito bonito de ser tratado. É politicamente correto falar sobre meio ambiente, mas atitudes concretas, consistentes, são poucas. Nós temos que parar de ficar discursando sobre o meio ambiente e começar a implantar medidas factíveis, viáveis economicamente e que dêem os primeiros passos de um controle ambiental melhor. Nós, por exemplo, aqui em Estância Velha – e agora foi estendido para Portão – temos todo o arroio segmentado por pontos. Se você for olhar, vai enxergar a placa: ponto um, ponto dois, ponto três... Isso foi feito em parceria com a prefeitura para poder controlar, para saber como é que está a poluição no ponto um, o que aconteceu do um para o dois, do dois para o quinze...

AmbienteJÁ – O Senai ajuda nesse monitoramento?
Promotor Vieira – A Prefeitura faz as coletas e encaminha ao Senai para fazer as análises.

AmbienteJÁ – Isso não depende da Fepam.
Promotor Vieira – Nós fizemos esse trabalho ao largo da Fepam, independente dela. É um passo-a-passo local. Tanto que quando houve a mortandade, eu tinha a certeza absoluta de que não havia sido, pelo menos decisivamente, as empresas aqui do centro da cidade, que tinham causado a mortandade lá no Sinos, porque nós tínhamos um controle do arroio. A Utresa fica em Estância Velha, sim, mas o Arroio Portão está em Portão. A Utresa fica em Estância, mas onde ela lançava os efluentes já é considerado município de Portão. Então não estava dentro da nossa linha de monitoramento. O nosso monitoramento terminava bem ali.

Lei dos Crimes Ambientais (Lei 9.605/1998) - artigos citados pelo promotor de Justiça

* Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora:
Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa.
§ 1º Se o crime é culposo:
Pena - detenção, de seis meses a um ano, e multa.
§ 2º Se o crime:
I - tornar uma área, urbana ou rural, imprópria para a ocupação humana;
II - causar poluição atmosférica que provoque a retirada, ainda que momentânea, dos habitantes das áreas afetadas, ou que cause danos diretos à saúde da população;
III - causar poluição hídrica que torne necessária a interrupção do abastecimento público de água de uma comunidade;
IV - dificultar ou impedir o uso público das praias;
V - ocorrer por lançamento de resíduos sólidos, líquidos ou gasosos, ou detritos, óleos ou substâncias oleosas, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou regulamentos:
Pena - reclusão, de um a cinco anos.
§ 3º Incorre nas mesmas penas previstas no parágrafo anterior quem deixar de adotar, quando assim o exigir a autoridade competente, medidas de precaução em caso de risco de dano ambiental grave ou irreversível.

* * Art. 60. Construir, reformar, ampliar, instalar ou fazer funcionar, em qualquer parte do território nacional, estabelecimentos, obras ou serviços potencialmente poluidores, sem licença ou autorização dos órgãos ambientais competentes, ou contrariando as normas legais e regulamentares pertinentes:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa, ou ambas as penas cumulativamente.

Leia na próxima segunda-feira (05/03): entrevista com o ex-diretor técnico da Fepam, biólogo Jackson Müller.
(Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 02/03/2007)

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