O Senado optou por seguir o caminho proposto pela Câmara e colaborar para a facilitação da introdução dos alimentos transgênicos no Brasil. Na noite de terça-feira (27/02), os senadores decidiram em plenário aprovar o projeto de conversão de lei previsto na Medida Provisória 327/06 que, de uma só tacada, libera a comercialização de uma variedade de algodão transgênico produzido pela empresa transnacional Monsanto e plantado ilegalmente no ano passado; reduz de dois terços para maioria simples o quórum da Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) necessário para deliberar sobre a comercialização dos transgênicos; e diminui de cinco quilômetros para até 500 metros a distância mínima obrigatória que os cultivos de transgênicos devem respeitar em relação às unidades de conservação ambiental – a chamada zona de amortecimento.
A aprovação do projeto de conversão significou, na prática, que o Senado acatou a MP 327 com o mesmo texto que ela saiu da Câmara. A orientação nesse sentido partiu do relator-revisor, o senador Delcídio Amaral (PT-MS), e agora o projeto segue para sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que tem 15 dias úteis para se manifestar. Quando enviada ao Congresso pelo governo, a MP 327 resumia-se à redução da zona de amortecimento, numa decisão que já era vista pelo movimento socioambientalista como uma capitulação do governo Lula às pressões de uma outra empresa transnacional, a Syngenta Seeds, que enfrenta problemas com o Ibama do Paraná desde que foi multada em março do ano passado por plantar transgênicos perto demais do Parque Nacional do Iguaçu.
Quando a MP chegou à Câmara, as coisas pioraram. O relator escolhido, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), que é um notório defensor dos transgênicos, atendeu aos interesses da bancada ruralista e “pendurou” no texto original as emendas sobre a redução do quorum da CTNBio e sobre a liberação do algodão plantado ilegalmente, que acabaram aprovadas pelos deputados em plenário. A decisão do Senado, por sua vez, já era esperada, e a MP só não foi enviada à sanção presidencial ainda no ano passado graças à intervenção da ex-senadora Heloísa Helena (PSOL-AL), que pediu vista do texto e adiou a decisão para a nova Legislatura.
É interessante notar, no entanto, que, assim como na Câmara, foi um parlamentar petista que comandou o encaminhamento do projeto de conversão de lei de acordo com o interesse e pressa dos grupos pró-transgênicos. Delcídio Amaral não chegou a sofrer desgaste tão grande junto à base quanto o sofrido por Paulo Pimenta na Câmara, já que este último contrariou a orientação da bancada e já há até quem peça sua expulsão do partido. Delcídio, entretanto, ficou bastante isolado frente aos senadores identificados com a esquerda. Manifestaram-se e votaram contra seu parecer os senadores Aloizio Mercadante (PT-SP), Sibá Machado (PT-AC), Serys Slhessarenko (PT-MG), José Nery (PSOL-PA) e Renato Casagrande (PSB-ES), entre outros.
“Infelizmente, o Delcídio foi o Pimenta da vez”, lamenta Gabriela Vuolo, que é coordenadora da Campanha de Engenharia Genética do Greenpeace e acompanhou os bastidores da votação no Senado. Perdidas as últimas esperanças com o Congresso, as organizações do movimento socioambientalista, segundo Gabriela, apostam agora na pressão junto ao presidente Lula para que ele vete ao menos as emendas incluídas na MP 327.
“Se o presidente sancionar o texto como está, isso significará um grande retrocesso na Lei de Biossegurança e nos esforços para a proteção da diversidade, do meio ambiente e da saúde das pessoas. Sem falar que o governo estaria decidindo mudar as regras com o jogo em andamento”, disse.
Marisa Letícia e Dilma Rousseff
No caso dos transgênicos, o caminho mais fácil para se chegar a Lula talvez seja por intermédio da primeira-dama, Marisa Letícia. Ciente de que em 80% dos lares brasileiros são as mulheres que decidem o que comprar na feira e no supermercado, o Greenpeace levou um grupo de ativistas à entrada do Palácio do Alvorada para tentar sensibilizar a dona-de-casa mais importante do país.
Vestidos como mestres-cucas, os militantes do Greenpeace levaram para Dona Marisa cestas com produtos feitos com milho, como curau, bolo, cuscuz, suco e polenta, além de um cartaz com a mensagem “Dona Marisa, salve nossa polenta!”, numa alusão ao prato que sabidamente é o preferido do presidente da República.
Os ativistas não conseguiram ser recebidos pela primeira-dama, que cumpria agenda externa no momento da manifestação, mas deixaram no Palácio o pedido de uma audiência com ela. Estão tentando o mesmo desde dezembro com a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, apontada por alguns dirigentes socioambientalistas como principal incentivadora dos transgênicos na cúpula do governo. As organizações reunidas na Campanha por um Brasil Livre de Transgênicos enviaram há alguns dias uma carta à ministra, na qual pedem que o governo não sancione a MP 327.
“As emendas [à MP] não podem ser apoiadas pela Casa Civil porque representam uma verdadeira desmoralização do governo, da própria CTNBio e das normas nacionais de biossegurança”, afirma o documento enviado a Dilma. Sobre o algodão da Monsanto, a carta lembra à ministra que “a CTNBio já debateu o assunto do plantio ilegal de variedades de algodão transgênico e recomendou a destruição das lavouras plantadas a partir de sementes contrabandeadas” e afirma que a tentativa de aprovar a MP é “uma simples reedição do fato consumado” ocorrido na introdução da soja transgênica da Monsanto no Rio Grande do Sul.
(Por Maurício Thuswohl,
Agência Carta Maior, 28/02/2007)