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plano de irrigação rs gestão dos recursos hídricos PAC
2007-03-01
A criação de um Plano Estadual de Irrigação e de uma secretaria extraordinária que só cuidasse do assunto foi uma das bandeiras de campanha da governadora eleita Yeda Crusius (PSDB). Defender a idéia de que a salvação da agricultura gaúcha é possível por meio do acúmulo de água na forma de açudes e barragens foi recebida com estranheza por agricultores e ambientalistas.

As metas e as cifras são ousadas. Por ano de governo, 9 mil agricultores de todo o Estado serão capacitados por técnicos da Emater e de universidades. A expectativa é de que cada agricultor treinado construa seu açude. Proprietários rurais que comprovarem não ter recursos receberão incentivos. Estão previstos R$ 88 milhões dentro do Programa de Aceleração de Crescimento (PAC) para realização das duas primeiras obras: barragens nos arroios Taquarembó e Jaguari, na bacia do rio Santa Maria.

O economista e geólogo Rogério Porto, ex-presidente do Irga (de 1996 a 1998), secretário executivo do Conselho Estadual de Recursos Hídricos (de 1990 a 1996) e um dos idealizadores do Fundo Estadual de Recursos Hídricos no governo Britto, foi convidado para presidir a Pasta. Defensor incondicional da acumulação de água ‘como gerador de vida e riqueza’, o secretário integrou o Grupo de Planificação Agrícola da América Latina e também atuou como consultor da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO) e da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal). Porto concedeu entrevista exclusiva ao AmbienteJÁ.

AmbienteJÁ – Como funcionou o sistema de irrigação no Rio Grande do Sul até agora e quais as mudanças propostas pelo Plano?
Porto - A acumulação de água no Rio Grande do Sul tem uma característica interessante: temos um sistema de açudes particulares. Ao contrário dos outros estados, que receberam investimentos públicos, no Rio Grande do Sul isso estabelece um monopólio do uso da água para quem construiu açude. Ou seja, quem tem açude usa água, e quem não tem, ou não usa, ou precisa pagar para usar o líquido. Só que esse modelo da acumulação privada se esgotou, porque hoje tu terias que fazer um investimento muito pesado, e ninguém do setor privado de produção agrícola tem condições financeiras para fazê-lo. Nem os maiores produtores agrícolas de Dom Pedrito e Rosário reunidos têm condições de construir barragens como essas que serão erguidas nos arroios Taquarembó e Jaguari.

Tu precisas fazer uma obra pública com o uso privado da água e cobrar pelo seu consumo, o que já é hábito para os gaúchos. Como essas duas obras são de grande porte, é necessário unir investimentos da União, Estado e particulares (Serão R$ 88 milhões da União dentro do PAC, com uma contrapartida de R$ 15 milhões do Estado e mais R$ 20 milhões da iniciativa privada). O atributo de uso da água fica sob controle público. Assim, tu impedes que haja uma apropriação privada da água e evita a realização de obras sem procedência técnica, porque essa obra precisa ser remunerada, então ela tem que ser viável. Se não for viável, o produtor não vai pagar e tu não vais conseguir o dinheiro para fazer outras obras. Se há essa alternativa de receber pelo uso da água, há a alternativa de fazer um fluxo de caixa permanente e uma reserva de recursos para investimentos futuros. Taquarembó e Jaguari vão permitir a construção de outras obras na bacia do Rio Santa Maria.

AmbienteJÁ – As duas barragens têm capacidade para irrigar quantos hectares? Qual o impacto ambiental e socioeconômico que as obras terão?
Porto - Taquarembó permite irrigar 40 mil hectares de milho ou 20 mil hectares de arroz, por exemplo. Jaguari atende 35 mil hectares de milho ou 17 mil hectares de arroz. A área total beneficiada é de 80 mil hectares. O curso dos dois arroios não será interrompido. A vazão de água será regularizada. É necessário controlar essa vazão para que o curso não fique nem tão pequeno no verão e nem tão grande no inverno. Por exemplo, no município de Cacequi, o Rio Santa Maria tem uma vazão de 2,8 metros cúbicos (m³) por segundo no verão, e de 2 a 3 mil m³ por segundo no inverno. Isso será feito através da construção de barragens, que acumularão o excedente de água. As obras serão de uso múltiplo. Parte dessa água será destinada à irrigação. O projeto respeita a vazão ecológica, prevista em lei.

Taquarembó vai inundar uma área em que 82% é lavoura. Oito famílias serão deslocadas, mas são pecuaristas que têm fora da área inundada a principal área de produção. Já no Jaguari, a área inundada é maior e atingirá mais pessoas, afetando inclusive pequena propriedade. O poder público se compromete a dar uma indenização justa ou a comprar uma área para as famílias se instalarem.

Quanto ao impacto ambiental, uma observação: a água da irrigação corrige o pH do solo gaúcho, que é ácido. Por conseqüência, essa área terá uma capacidade de absorção de nutrientes do solo maior. Logo, será necessária uma quantidade menor de insumos agrícolas.

Mas o maior benefício da irrigação é o aumento da produtividade. A tendência é que tu diminuas a área plantada para a mesma quantidade de grãos. Ou seja, aumenta o volume de produto, a renda do agricultor, e diminui o impacto ambiental, quando tu comparas à situação atual.

O mercado de oleaginosas só expande no mundo. Hoje, o produtor não pode fazer uma articulação de fornecimento de grãos se está sujeito a perder a safra de um ano por causa da seca. Ele vai ter que irrigar para se garantir no mercado.

AmbienteJÁ – Essa artificialidade ambiental não afeta o ciclo hidrológico?
Porto - A água que deixa de ir para o mar não cria problema ambiental nenhum, porque o ciclo hidrológico te realimenta. Temos águas superficiais em abundância, elas são de reposição permanente. Podemos deixar o aqüífero para as gerações futuras. Estaremos utilizando um bem renovável, que é reposto pela natureza. Tu domas a natureza, a potência, e faz com que ela se comporte com toda a sua beleza. Não vão morrer espécies porque não há água, nem porque há enchente.

Se essa água não é acumulada, ela se saliniza quando volta ao oceano. Não tira água de ninguém. A barragem só vai acumular uma água excedente de inverno para usar no verão. O impacto ambiental disso é local, na área inundada. Mas o impacto positivo é sobre uma enorme área beneficiada. Tu começas a criar uma artificialidade ambiental que aumenta a umidade e a vida silvestre, porque tu tens volume de água para desenvolver mamíferos, anfíbios, peixes, criatórios de aves, em qualquer época do ano.

Não é inventar a roda. Os Estados Unidos investiram 200 bilhões de dólares só em regularização de vazão. Grande parte dos parques naturais americanos foram construídos em volta de barragens. Alemanha e França também intervieram em recursos hídricos para transformá-los em vetor de desenvolvimento e de melhoria ambiental. No Brasil isso é uma realidade distante. Aqui só se investe em barragem de hidrelétrica.

AmbienteJÁ– Por que começar pela bacia do Santa Maria?
Porto - A região de Santa Maria era a mais estudada. O Programa de Desenvolvimento da Bacia do Rio Santa Maria foi criado no governo Britto e recriado no último ano do governo Rigotto. Essa retomada recente do programa foi resultado de um trabalho financiado pelo governo espanhol, por meio do Fondo de Evaluación de Viabilidad (FEV), que permitiu fazer uma avaliação do programa que existia previamente. Constataram que o programa existente tinha uma série de deficiências e incluíram outras alternativas, como, por exemplo, uma barragem no arroio Cursinho, que não estava prevista. Ao final, das 18 obras para beneficiar 60 mil hectares de arroz previstas originalmente, passamos a 14 obras para beneficiar 130 mil hectares. Essas 14 obras ainda estão sujeitas a revisão quando forem feitos os projetos finais de engenharia. Mas é absolutamente seguro que dez sejam extremamente viáveis - duas delas são Taquarembó e Jaguari.

Além disso, essas duas primeiras obras foram resultado de uma decisão do comitê de bacia do Rio Santa Maria, que é bastante organizado. Lá já existe uma associação de usuários da água, organizada com preceitos de solidariedade no endividamento. Com essa cláusula, os próprios agricultores pressionam os inadimplentes e as obras se pagam com a tarifa de água que foi estabelecida.

AmbienteJÁ – A outorga da água continuará sendo dada para agricultor? Como será feita a fiscalização para averiguar se a água está chegando a todos?
Porto - A outorga não poderá mais ser dada para cada agricultor. Ele conseguirá via associação de usuários da água. Quando tu promoves uma intervenção estrutural do porte de Taquarembó e Jaguari, os moradores da região precisam se organizar automaticamente, porque há o risco de que um usuário consuma a maior parte da água. Os associados vão cuidar desse manejo e assumirão o compromisso de usar o líquido de forma responsável perante o resto da sociedade. Embora a cultura de associação seja recente no Estado, já existem bons exemplos, como as dos arroios Duro e Velhaco, e Rio Santa Maria.

AmbienteJÁ – O Plano Estadual de Irrigação também contempla a construção de açudes em uma parceria técnica com a Emater. Como a idéia será trabalhada com os agricultores? O Estado concederá incentivos?
Porto - A prioridade do Plano será a capacitação de técnicos e agricultores para construção de açudes. Nós pretendemos chegar em setembro com um contingente de 450 técnicos e 9 mil agricultores. Eles vão aprender sobe legislação ambiental, técnicas de irrigação e como construir e manter seu próprio açude. A meta de açudes é o mesmo número de agricultores treinados. Será uma média de 20 por município.

Ninguém terá direito a uma intervenção pública facilitando a acumulação de água sem a capacitação prévia. A Emater tem 10 regionais e cobre 484 municípios, dos 496 municípios do Estado. A manutenção será feita pelo agricultor, atendido pela Emater e pelo Irga.

O Rio Grande do Sul tem aproximadamente 300 mil propriedades com menos de 50 hectares. Umas estão muito bem, outras estão quebradas. Em comum, o fato de que todas perderam a safra de 2004 e 2005. Nesse caso, tu precisas dar uma solução de cunho social para essa gente. Cabe à Emater apontar quais pequenos proprietários precisam da ajuda financeira do Estado. O empresário de grande porte no meio rural só receberá auxílio técnico para implantar o sistema.

AmbienteJÁ – Não é perigoso deixar a manutenção dos açudes a cargo do agricultores?
Porto - Não, os agricultores serão treinados por funcionários que sabem trabalhar com isso e que vão acompanhá-los até eles compreenderem o aspecto técnico e ambiental da irrigação. Açude só dá problema quando é construído errado, porque ele é um ambiente anaeróbico, onde tu tem a eliminação de pelo menos 75% dos contaminantes do solo.

AmbienteJÁ – Quais serão os primeiros passos do Plano?
Porto - Primeiro, a capacitação, que já está toda organizada. Liberada a licença prévia, esperamos assinar até o dia 15 de março o convênio com a União para as obras do Taquarembó e Jaguari. Vamos lançar em seguida o edital de licitação e começar as obras em outubro.

Depois, precisamos mobilizar a sociedade em torno da irrigação. A idéia é fazer uma campanha sobre os seus benefícios para que a sociedade absorva o conceito. Mostrar que não é impactante ao meio ambiente e que não é uma questão da agricultura, é uma questão da sociedade gaúcha que está cansada de sofrer com a estiagem. O impacto ambiental da pobreza, do desemprego gerado, deve ser considerado.

Quando eu disse à Yeda que por um simples convite ela tinha transformado um visionário num missionário é porque eu estou convicto na missão. Eu tenho experiência acumulada para dizer que o Rio Grande do Sul não tem saída se não adotar um sistema horizontal de irrigação. Policiar a escassez é burrice, tu tens que enfrentá-la e gerar abundância. E a lavoura só entra em conflito com o abastecimento quando há a escassez. Como se evita esse conflito? Proibindo de plantar arroz? Não, acumulando água.

Ambiente JÁ – De onde sairá o dinheiro para a implantação das ações?
Porto - Quando falam que é necessário investir 1 bilhão de dólares, achamos um horror de dinheiro. Nós temos hoje 400 mil propriedades rurais em produção. Se cada agricultor fizer um financiamento de R$ 5 mil, em média, com condições privilegiadas de créditos e taxa de juros, isso representa 1 bilhão de dólares no Rio Grande do Sul.

A verba para a capacitação virá do Estado, mas nós estamos fazendo uma solicitação junto ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Temos grande probabilidade de conseguir algo, pois o nosso agente será a ANA [Agência Nacional de Águas].

Se o sujeito abre a torneira para irrigar, vai pagar pelo serviço da água. Esse dinheiro pago pelos usuários das obras vai para um caixa que pagará o Estado através de taxa de água e ICMS na proporção do investimento feito pela União, Estado e iniciativa privada. Há uma vantagem aí: dentro do PROÁGUA Nacional, tu só tens que retribuir 25% do que a União colocar. Esse é o atrativo mágico para chamar a iniciativa privada, que se compromete a colocar uma parte do seu excedente em obras novas, revertendo em benefício da mesma bacia.

Mais: toda hidrelétrica paga uma taxa para o Fundo de Investimento em Recursos Hídricos do Estado. Dizem que lá já tem em torno de 40 e 60 milhões de reais. Nos próximos dias, o Banco Mundial deve aprovar o RS Desiguldades, que trará 21 milhões de dólares para o Estado. Ainda tem os 88 milhões de reais do governo federal já alocados no PAC. Na quinta-feira (22/02) o presidente Lula falou em 11 bilhões de reais para as áreas deprimidas e citou especificamente a Metade Sul. E por fim, o Rio Uruguai é internacional. Logo, está apto a receber investimentos de qualquer parte do mundo. Nós temos que manejar todos esse conceitos e trabalhar com a imaginação.

AmbienteJÁ – Como está sendo o diálogo com Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema) e Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler (Fepam)?
Porto - Não estamos aqui para driblar a legislação ambiental. Por isso, fazemos questão absoluta de que o Ministério Público participe de todas as nossas ações. Como eu tenho a convicção de que a acumulação de água é um benefício ambiental, vou demostrar com inúmeras experiências em que a ação foi benéfica no passado do Rio Grande. Por exemplo, estima-se que o Rio Grande do Sul perdia 18% do seu rebanho bovino todo ano só na Metade Sul por falta de água. O problema foi eliminado com a construção dos açudes.

Tem muito mais regra administrativa causando problema para o Plano do que propriamente legislação. Essas regras burocráticas é que precisam ser revisadas. Para isso, tu precisas ter um diálogo franco com quem administra e legisla sobre o meio ambiente. Quando tu ofendes uma regra, não necessariamente estás afetando o meio ambiente. Ela pode estar equivocada.

AmbienteJÁ- Qual regra estaria equivocada? E como ela seria mudada?
Porto - Considerar uma acumulação de água que irriga cinco hectares como uma obra de grande impacto, por exemplo. Isso é absurdo, um desvario. Por que uma hidrelétrica pode ter facilitações de licenciamento e uma obra de irrigação, não? Mas o diálogo está em andamento. Eu acredito que isso não vá emperrar.

A governadora está criando uma câmara técnica para a irrigação. Essa câmara reúne a parte interessada do secretariado, todos sentam, analisam um conjunto de projetos e, conforme o caso, liberam. Assim é possível resolver o imbróglio que existe entre a administração do meio ambiente e o meio ambiente.

AmbienteJÁ – E o diálogo com a Assembléia Legislativa?
Porto - Acredito que não vai haver problema, porque há alguns anos a Assembléia mandou uma proposta para o governo federal de solução para a pobreza da Metade Sul apoiada em barragens. Muitos daqueles deputados exercem mandato hoje e um deles é o presidente da casa (Frederico Antunes, do PP). Com certeza haverá alguma oposição, mas não acredito que todos os deputados de oposição sejam contra a alternativa, mesmo porque a gente pode conversar.

Eu quero conversar com a sociedade. Percorrer os 496 municípios do Rio Grande do Sul vendendo a idéia da irrigação. E isso já está programado para a partir do 15 de março.
(Por Ana Luiza Leal, Ambiente JÁ, 01/03/2007)

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