Seria uma noite como qualquer outra na aldeia kuikuru, localizada no Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso. Mas um eclipse lunar fez os índios abandonarem seus afazeres corriqueiros e engalfinharem-se madrugada adentro em uma urgente disputa — envolvendo cantos e danças — que tinha o objetivo de “acordar o mundo novamente”. É isso que mostra o documentário “O dia em que a lua menstruou”, produzido por Takumã e Maricá Kuikuro. Este é um dos cinco filmes realizados por índios que serão distribuídos para 400 escolas indígenas brasileiras neste ano.
A série de documentários foi produzida pela organização não-governamental Vídeo nas Aldeias, que desde 1998 organiza oficinas na área e auxilia índios de diversas etnias a fazer filmes. Desde o início do projeto, já foram realizadas 50 capacitações para 90 alunos de 26 povos indígenas da Amazônia brasileira. Como resultado, os indígenas fizeram 20 vídeos, falados na língua das próprias etnias, com legendas em português, inglês e espanhol.
“O projeto pretende propiciar uma outra imagem [das aldeias], diferente daquele clichê que a gente vê sobre os índios”, diz o documentarista Vincent Carelli, coordenador da ONG. “Primeiro, fazemos oficinas de formação, em que ensinamos um cinema de observação, um documentário que faça a descrição das pessoas e dos personagens. Não é um cinema para ‘exotizar’ o índio, mas para humanizá-lo”, comenta. Segundo ele, os cursos duram três semanas, período em que os filmes são produzidos. Depois, são necessários cerca de dois meses para editar o material, que então passa a fazer parte do acervo da Vídeo nas Aldeias.
Os cinco melhores filmes do acervo foram selecionados para participar de um projeto do Ministério da Educação que financia a produção de materiais didáticos feitos por índios e os distribui a escolas indígenas. Eles farão parte de um kit que deverá ser entregue a todas as instituições de ensino em aldeias que tenham aparelho de DVD, para associações que trabalham com indígenas e para os caciques interessados. Serão 1.200 coletâneas, que devem começar a ser entregues ainda neste ano.
Os documentários retratam o cotidiano das aldeias. Em “WAI’Á RINI, o poder do sonho”, o destaque são as cerimônias de introdução dos jovens xavantes na vida espiritual. Já em “Shomötsi”, um índio ashaninka apresenta o dia-a-dia de seu tio, considerado “turrão e divertido”. Em “Das crianças ikpeng para o mundo”, quatro crianças mostram suas famílias, brincadeiras e festas. E, em “O amendoim da cutia”, um professor, uma pajé mulher e o chefe mostram o cotidiano de uma aldeia panará.
Além dos documentários, o MEC financiou outros 44 projetos — 36 livros, 7 CDs e uma oficina para indígenas que culminará na produção de um novo livro. Os assuntos variam entre literatura, geografia, matemática, histórias e narrativas das culturas. O material é, na maioria das vezes, bilíngüe (em português e na língua dos índios que fizeram os produtos). A iniciativa é apoiada pelo FUNDESCOLA (Fundo de Fortalecimento da Escola), executado em parceria com o PNUD.
(Por Talita Bedinelli,
Agência PNUD, 28/02/2007)