O acórdão de negativa do pedido de habeas corpus do empresário Luiz Ruppenthal, proprietário da Utresa e foragido da Justiça desde 28 de novembro de 2006, é um documento expressivo do dano ambiental causado pela empresa, segundo perícias realizadas por determinação judicial, após o primeiro episódio da mortandade dos peixes, no início de outubro do ano passado. Publicado em 25 de janeiro e disponível no site do Tribunal de Justiça do Estado, o
acórdão contém trechos surpreendentes. A seguir, está reproduzido parte do documento, a partir da página 15:
“Os resultados encontrados nas amostras de água do arroio Cascalho, através de amostras recolhidas em 15 e 18/10/06 revelam dados graves quanto a contaminação ambiental decorrente da Utresa:
A DQO * aumenta em 13,2 X quando comparado com os dados a montante (branco) do arroio Cascalho. A DBO-5 ** aumenta em 12,4 X quando comparado com os dados a montante (branco) do arroio Cascalho. A quantidade de sólidos suspensos aumenta de 6,9 X quando comparado com o valores encontrados a montante (branco) do arroio Cascalho. Os valores de sólidos sedimentáveis aumentaram em 11 X quando comparado com o valores encontrados a montante (branco) do arroio Cascalho.
Na água do arroio Cascalho apareceram valores expressivos de aumento para Nitrogênio, com aumento de 21 x quando comparado aos valores encontrados a montante do arroio Cascalho. O fósforo aumenta em 1,9 X quando comparado aos valores encontrados a montante do arroio Cascalho. O metal cromo aumentou em 80 x quando comparado aos valores encontrados a montante do arroio Cascalho. O metal chumbo aumenta em 3 x quando comparado aos valores encontrados a montante do arroio Cascalho e o metal zinco aumenta em 12,5 x quando comparado aos valores encontrados a montante do arroio Cascalho.
(...)
Os resultados encontrados nas análises de sedimentos no arroio Cascalho, através de amostras recolhidas em 16 e 18/10/06 revelam dados graves quanto a contaminação ambiental decorrente da Utresa:
O Cálcio aumentou 32 x entre os valores encontrados a montante (antes) da Utresa. O Chumbo aumentou 2,25 x. O Cobre aumentou 4,28 x. O Cromo total aumentou 16 x. A presença de Óleos e graxas aumentou 77 x e o metal Zinco aumentou 3,2 x quando comparados com os valores de sedimento amostrados a montante.
Os resultados encontrados nas análises de lodos nas margens do arroio Cascalho, através de amostras recolhidas em 23/10/06 revelam dados graves quanto à contaminação ambiental decorrente da Utresa:
O produto Benzeno aumentou em 619,5 X quando comparado com os valores de sedimento do arroio Cascalho. Etilbenzeno aumentou em 109.400 X. Tolueno aumentou em 19.520 X e Xileno aumentou em 76.200 X quando comparado com os valores a montante no arroio Cascalho.
O metal chumbo aumentou em 4 X. Cloretos aumentam em 4 X. O metal cromo aumentou em 22 X. O ferro aumentou em 3,5 X, manganês aumentou em 49 X. Sulfeto aumentou em 16 X, quando comparado com os valores obtidos de sedimentos a montante do arroio Cascalho.
Lodo acumulado na margem do arroio Cascalho, 60 cm acima do nível: essa situação se caracteriza como grave, uma vez a necessidade de grande carreamento para o arroio e posterior deposição naquela altura. É indicativo de lançamento irregular em grande quantidade.
A situação de maior gravidade registrada nas vistorias e coletas de efluentes, lodos e sedimentos, foi verificada entre o Ponto P5c e P3c. No canal de drenagem de 300 metros que tem início com os efluentes, atualmente acumulados em tanque instalado em 21/10/06, revelam a existência de alta carga de poluentes, de diversos tipos que atingem o arroio Portão, provenientes da Utresa. Neste ponto foram verificadas diversas situações que ilustram a gravidade e a fonte de contaminação que causou a mortandade de peixes no Rio dos Sinos. Os produtos acumulados possuem alto poder de toxicidade, sendo conhecidos pelas suas propriedades cancerígenas, teratogênicas e carcinogênicas.
As ações realizadas pela Utresa, desde 21/10/06 evidenciam o interesse em diluir e maquiar os efeitos destrutivos dos produtos acumula-dos naquele trecho e que representam grave potencial de contaminação.
Além da contribuição de poluentes verificada nos 05 pontos estudados, através das amostras recolhidas, constatam-se as seguintes situações de alto potencial poluidor.
Naqueles locais onde o MP verificou lançamento de chorume foi realizada a lavagem do terreno, na tentativa de diluir a contaminação verificada.
Os lançamentos de efluentes proporcionaram o acúmulo de lodos e sedimentos altamente poluentes numa extensão de 300 metros. Uma vez constatada a irregularidade e registrada em fotos pelo MP, a Utresa passou a realizar, posteriormente, atividades que visavam esconder as evidências apontadas. No trecho onde o chorume escorria livremente, resse-cando a vegetação e acumulando-se no canal de drenagem, foi realizada a ‘lavagem’ superficial. A lavagem foi realizada no dia 22/10/06, conforme identificam as fotos e filmagens realizadas naquele dia.
* DQO: quantidade de oxigênio necessária para oxidação da matéria orgânica através de um agente químico. Um valor de DQO alto indica uma grande concentração de matéria orgânica e baixo teor de oxigênio. O aumento da concentração de DQO num corpo d'água se deve principalmente a despejos de origem industrial.
** DBO-5: indicador que determina indiretamente a concentração de matéria orgânica biodegradável através da demanda de oxigênio exercida por microrganismos através da respiração. A DBO é um teste padrão, realizado a uma temperatura constante de 20ºC e durante um período de incubação também fixo, 5 dias. É uma medida que procura retratar em laboratório o fenômeno que acontece no corpo d´água.5 Assim uma amostra é coletada em duplicata, e em uma das amostras é medido o oxigênio dissolvido após a coleta; o oxigênio da outra amostra é medido após 5 dias, período em que a amostra fica em uma incubadora a uma temperatura de 20ºC. A diferença de concentração de oxigênio representa a demanda bioquímica de oxigênio (oxigênio consumido para oxidar a matéria orgânica via respiração dos microrganismos). O esgoto é considerado biodegradável quando a relação DQO/DBO é menor 5.
(Cláudia Viegas, com informações do TJE-RS, AmbienteJÁ, 28/02/2007)