Produção de etanol pode ser desastre ecológico
2007-02-27
O biocombustível vem sendo encarado como um dos métodos preferenciais de reduzir as emissões de gases responsáveis pelo efeito estufa geradas pela queima de combustíveis fósseis, e assim reduzir o aquecimento global causado pelas atividades humanas.
O programa de etanol baseado em cana-de-açúcar adotado pelo Brasil é "apropriado para reprodução em muitos países", escreve José Goldemberg, secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo, em uma análise sobre as perspectivas do biocombustível publicada pela revista Science. Mas a expansão descontrolada dos biocombustíveis no Brasil pode significar problemas para a floresta tropical da Amazônia e para o vasto ecossistema do Cerrado, dizem os ambientalistas.
A expansão da produção agrícola em larga escala a fim de cultivar mais cana, dizem os críticos, agravará a perda de diversidade de espécies, as questões de qualidade da água e a fragmentação de habitats em algumas das regiões mais diversificadas biologicamente em todo o mundo. "A preocupação primária é que o esforço de produção de biocombustíveis amplie direta ou indiretamente as perdas nas áreas de alta diversidade biológica remanescentes no Brasil, tais como o Cerrado", diz John Buchanan, diretor sênior da Conservation International, uma organização norte-americana sem fins lucrativos. A região do Cerrado, com 1,9 milhão de quilômetros, representa a maior savana da América do Sul, e uma das mais ricas do mundo em termos de espécies de pássaros, répteis, peixes e insetos.
De acordo com estudo publicado no ano passado pelo jornal Conservation Biology, mais de 50% do Cerrado já foi transformado em pasto, o que causa erosão do solo, perda de biodiversidade, fragmentação e difusão de gramíneas exógenas. "A maior parte da expansão requerida afetará o Cerrado e a Amazônia, que já estão sendo destruídas devido à criação de gado e ao cultivo da soja", diz Leonardo Lacerda, da divisão brasileira da organização conservacionista internacional WWF.
Dois 850 milhões de hectares de terras do Brasil, cerca de 550 milhões de hectares contêm florestas nativas, dois terços das quais na Amazônia. A cana não é uma safra bem adaptada aos climas de floresta tropical, diz Lacerda, e o governo está deliberadamente evitando a expansão do cultivo do produto na região. Mas, diz ele, existe preocupação quanto à possibilidade de que safras de preço mais elevado, como a cana, desloquem o cultivo da soja e a criação de gado no Cerrado, fazendo com que essas atividades invadam as regiões de floresta, que teriam de ser desmatadas para abrigar novas fazendas.
"Esse efeito de deslocamento não é hipotético", acrescentou Lacerda. "São Paulo costumava ser uma das mais importantes regiões de criação de gado no país. Agora, a cana-de-açúcar chegou e empurrou a criação de gado para outras áreas, no Cerrado e na Amazônia".
Uma preocupação mais direta para a Amazônia é o cultivo de palmeiras usadas para exploração do óleo de palma outra fonte de bioenergia, segundo Lacerda. "O potencial de converter o habitat amazônico a fim de produzir óleo de palma é imenso", diz ele, apontando que as plantações de palmeiras estão entre as maiores causas de devastação ecológica das florestas tropicais de Bornéu e Sumatra, ilhas do Sudeste Asiático. "Queremos que o governo desenvolva um plano para enfrentar o efeito de deslocamento que as plantações de cana causarão, e para a chegada das palmeiras a essas regiões".
Funcionários do setor de cana, no entanto, dizem que as preocupações quanto ao desflorestamento estão sendo exageradas. Carvalho Macedo, da União Nacional da Agroindústria da Cana brasileira, por exemplo, diz que não será preciso desmatar áreas selvagens porque o Brasil dispõe de 809 mil hectares de pastagens disponíveis para absorver o cultivo da cana.
"Não seriam precisos mais que 5% dessas terras para atingir o nível de produção imaginado para daqui a 10 anos", diz Macedo. Ele afirma que a atual produção de cana-de-açúcar do país ocupa cerca de seis milhões de hectares, menos de 1% da terra agrícola do país.
Goldemberg, o secretário de Meio Ambiente do Estado de São Paulo, escreveu na Science que "em todo o mundo, cerca de 20 milhões de hectares estão em uso para o cultivo de cana-de-açúcar, a maior parte da qual destinada à produção de açúcar". Um cálculo simples demonstra que decuplicar o programa de etanol brasileiro (usando terras do Brasil e de outros países) geraria etanol suficiente para substituir 10% da gasolina usada no mundo.
"Essa área de cultivo representaria uma pequena proporção dos mais de um bilhão de hectares de terras atualmente usadas para safras primárias no planeta". Além das questões de desflorestamento, os grupos ecológicos mencionaram problemas como bolsões de poluição do ar em torno das plantações de cana, já que os fazendeiros tipicamente queimam os campos depois da colheita.
Outra preocupação seriam os resíduos líquidos das usinas de álcool, que poderiam poluir fontes de água. Antonio Luis Lima de Queiroz, um especialista da agência ambiental de São Paulo, diz que a organização está tratando do problema. "Nossas leis dizem que as usinas não podem despejar nos rios água de qualidade pior do que a que o rio tem", diz.
Buchanan, da Conservation International, concorda em que "houve melhoras significativas em algumas operações de cana-de-açúcar no Estado de São Paulo. Mas essas aplicações precisam ser mais difundidas".
(National Geographic, tradução de Paulo Eduardo Migliacci, Rios Vivos, 26/02/2007)
http://www.riosvivos.org.br/canal.php?canal=16&mat_id=10291