Por dinheiro, índios viram cúmplices de madeireiros
2007-02-26
De um lado da MA-008, a destruição da floresta na Fazenda Citema. Do outro, a mesma cena, só que na terra indígena Araribóia, dos índios guajajaras. Embora com menos intensidade, os madeireiros também conseguem extrair madeiras da parte que deveria estar protegida. O que está acontecendo agora, neste momento, nesta região, é a crônica do desmatamento amazônico. Um crime que se arrasta há mais de 30 anos.
Em 9 outubro de 1975, o jornal O Estado de S. Paulo publicou a seguinte história: "Um grupo de índios guajajaras apreendeu no princípio desta semana 640 toras de madeira que estavam sendo retiradas ilegalmente de sua reserva, localizada no município de Grajaú. Enquanto Mário Murici (chefe do posto de Angico Torto) vinha a São Luiz comunicar o fato, trabalhadores da construtora EIT - proprietária de uma extensa área na divisa com a reserva indígena - convenceram os índios a negociar a madeira apreendida, que foi trocada por rádios de pilha, isqueiros, cigarros e pequenas quantias de dinheiro."
Hoje o crime persiste, também movido por dinheiro. O cacique Edivaldo Souza Barbosa Guajajara, da comunidade Bela Vista, admite que os índios autorizaram a entrada dos madeireiros. Eles sabiam o que isso representava, mas alegam ter optado pelo mal menor. Segundo o líder indígena, o dinheiro da extração ilegal da madeira será usado para comprar arame. Ele quer cercar a aldeia para impedir a fuga do gado e evitar futuros desmatamentos.
Segundo o padre Marcos Bassani, de Grajaú, ao longo dos anos os guajajaras foram se deslocando para a beirada da BR-226. A vida deles passou a girar em torno da economia do não-índio. No caso, madeireiros, carvoeiros e até plantadores de maconha. "Há vários casos de bandidos que casaram com mulheres índias para se refugiar na aldeia. Se cometem um crime, a Polícia Militar não entra, só a Federal pode."
A Polícia Federal não atua por falta de dinheiro e estrutura, admite o superintendente do órgão em São Luís, Gustavo Ferraz Gominho. "Lá dentro, os índios se acham donos da terra, que é da União. Fazem o que querem. Os índios cobram para deixar os madeireiros entrar." Na visão do delegado, madeireiros e carvoeiros agem livremente porque a economia local depende deles. Em 2003, a PF realizou uma operação. Semanas depois, tudo voltou ao que era antes. No ano passado, um carro da Polícia Rodoviária Federal foi incendiado por moradores em Buriticupu.
"Aqui inexiste o poder público. Tudo é feito como se fosse um faroeste: com um pouco de dinheiro e mínimo de coragem, eles reinam", afirma o padre Marcos Bassani. Com dinheiro, por exemplo, pode-se comprar falsas ATPFs, autorização para transporte de produtos florestais. Ele teme que o avanço da soja no sul e dos latifúndios do agronegócio na região torne os conflitos ainda piores.
Sem combustível
O Ibama, órgão ambiental federal, está a mais de 200 quilômetros. Não tem condições de fiscalizar com dois técnicos em atividade - um terceiro está doente. Falta ainda combustível e verbas nunca liberadas para deslocar a equipe. "Não temos como dizer onde está ocorrendo a retirada de madeira ilegal. Talvez a superintendência, com imagens de satélite, possa", diz a chefe do posto, Rosa Freitas Viegas. Mas e o vaivém de caminhões pelas estradas, tão escancaradamente, não dá para fiscalizar? "Os projetos de desmate estão sendo autorizados pela secretaria estadual do Maranhão", rebate Rosa.
João Wilson, de 33 anos e há 8 trabalhando com madeira, desdenha das críticas que costuma receber, sobretudo de quem está longe. O madeireiro raciocina assim: "Cientista fica querendo arrumar mídia para ter patrocínio para tocar o seu lado. Fica botando na cabeça essa coisa de aquecimento global, que vai esquentar o tempo, vai esfriar o tempo. Verão é verão, inverno é inverno. Os caras ficam preocupados com o que vai acontecer daqui a 50, 100 anos? Temos de importar com o nosso dia de hoje."
(Por Dida Sampaio e Eduardo Nunomura, O Estado de S. Paulo, 25/02/2007)
http://www.estadao.com.br/ciencia/noticias/2007/fev/25/55.htm