Idéias sem graça, mas ambientalistas: californianos usam quase um terço a menos da energia que o americano
2007-02-26
O debate factual sobre se o aquecimento global é real acabou, ou ao menos deveria. A questão agora é sobre o que fazer em relação a isso. Fora alguns becos sem saída do lado político, céticos da mudança climática parecem estar fazendo uma transição da negação para o fatalismo. No passado, eles rejeitaram a ciência. Agora, com as evidências cientificas que são praticamente irrefutáveis, eles insistem que não faz diferença porque qualquer tentativa séria de desacelerar o efeito estufa é política e economicamente impossível.
Por trás dessa afirmação está a suposição, explicita ou implícita, que qualquer corte substancial de energia exigiria uma mudança drástica na maneira que vivemos. Para ser sincero, algumas pessoas do movimento de conservação parecem compartilhar essa hipótese. Mas a hipótese é falsa.
Deixe-me dar um exemplo para refutá-la: uma economia avançada que conseguiu administrar o aumento dos padrões de vida com um declínio substancial no consumo de energia per capita, e conseguiu manter as emissões totais de dióxido de carbono mais ou menos igual por duas décadas, mesmo quando sua economia e população apresentaram um rápido crescimento. E conquistou tudo isso sem mudar fundamentalmente o estilo de vida centrado em automóveis e casas grandes.
O nome dessa economia? Califórnia.
Não há nada de heróico sobre a política energética da Califórnia – mas é precisamente esse o ponto. Durante os anos, o estado adotou uma série de medidas de conservação que não chama muita atenção. Elas são meio fúnebres, coisas sem cor que só animam aqueles obcecados por política. Mesmo assim, o efeito acumulativo tem sido impressionante, embora pouco perto do que realmente precisamos fazer.
A divergência energética entre a Califórnia e o resto dos EUA data de antes de 1970. Tanto a nação quanto o estado se engajaram em uma conservação de energia significativa depois da crise de energia da década. Mas a conservação em grande parte da América logo parou: depois de uma década de rápido progresso, melhorias na quilometragem dos carros acabaram, enquanto o consumo de eletricidade continuou a subir rapidamente, devido ao crescente aumento do tamanho das casas, o aumento do uso do ar condicionado e a proliferação de aparelhos.
Na Califórnia, em contraste, o estado continuou a fazer políticas elaboradas para encorajar a conservação, especialmente de eletricidade. E essas políticas funcionaram.
As pessoas na Califórnia sempre costumaram usar menos energia do que os outros americanos devido ao clima moderado. Mas a diferença ficou muito maior desde os anos 70. Hoje, os californianos usam quase um terço a menos da total energia que o americano, usam 60% a menos de eletricidade, e são responsáveis por emitir somente 55% de dióxido de carbono do total do resto dos americanos. Como o estado fez? Em alguns casos, a conservação foi administrada diretamente, através de padrões de eficiência energética para aparelhos e leis regulando novas construções. Além disso, empresas regulatórias de energia receberam novos incentivos para promover a conservação, através de mudanças de leis que separaram seus lucros da quantidade de eletricidade que elas vendiam.
E sim, uma variedade de ações do estado aumentou os preços da energia. No começo de 1970, o preço da eletricidade na Califórnia era perto da média nacional. Hoje, é 50% mais caro.
Incidentalmente, se alguém está propenso a mencionar: a crise de energia da Califórnia de 2000-01 não tem nada a ver com a história. A crise foi mencionada pela manipulação do mercado – nós temos gravado – que foi possível graças a uma má concebida regulamentação, não conservação.
Voltando ao sucesso da Califórnia. Como o alto preço de energia indica, a conservação não veio de graça. Mesmo assim, é impressionante quão invisível a política energética da Califórnia permanece. É fácil ver porque Nova York tem um consumo de energia per capita mais baixo do que, digamos, Geórgia. É uma questão de altos preços contra acumulação, trânsito de massas contra dirigir sozinho. É menos óbvio que Los Angeles seja uma cidade muito mais ambientalista do que Atlanta. Mas ela é.
Portanto, a Califórnia é um modelo para políticas climáticas? Sim e não. Mesmo que a América como um todo se equipare aos esforços de conservação da Califórnia, nós ainda estaremos emitindo tanto dióxido de carbono como em 1990. Isso é muito.
Mas a experiência da Califórnia mostra que a conservação séria é muito menos dividida, impõe um fardo muito menor, do que os céticos esperam. E o fato de que um governo estadual, com muito mais poderes limitados do que aqueles à disposição de Washington, conseguiu conquistar tanto é um bom presságio para nossa habilidade de fazer muito mais para limitar a mudança climática, se e quando nós acharmos o desejo político.
(Por Paul Krugman, New York Times, 23/02/2007)
http://ultimosegundo.ig.com.br/new_york_times/2007/02/23/comentario_ideias_sem_graca_mas_ambientalistas_692067.html