Uma Europa dividida quanto às políticas climáticas: Alemanha faz da mudança climática uma prioridade
2007-02-23
A chanceler alemã Angela Merkel normalmente usa o seu website como um fórum para falar sobre coisas positivas. No passado ela dedicou o seu podcasting semanal para divulgar a inauguração do Museu Bode, em Berlim, ou para manifestar o seu desejo pela chegada do Natal. Em um dos seus discursos, a chanceler alemã disse que se sentia orgulhosa de anunciar que dois cientistas alemães desenvolveram uma fórmula matemática para explicar como os jogadores de futebol conseguem fazem com que a bola faça uma curva após ser chutada.
A Alemanha continua a fazer da mudança climática uma prioridade. Mas será que isso será suficiente?
Essa atitude tranqüila fez com que as imagens divulgadas pela Chancelaria Alemã nos últimos dias se tornassem ainda mais chocantes. Merkel apareceu no seu mais recente discurso à nação pela Internet com uma expressão sisuda e vestida completamente de negro. Traços grossos feitos a lápis negro sobre os seus olhos fizeram com que o seu olhar se tornasse ainda mais dramático. Dessa vez a chanceler tinha algumas notícias realmente ruim para anunciar: o mundo poderia em fato estar caminhando para um fim. "Os mais recentes relatórios que recebemos sobre as mudanças no clima da Terra são mais do que alarmantes", disse ela em voz baixa, acrescentando: "Não é suficiente que simplesmente estabeleçamos metas para nós mesmos". E para quem ainda não pudesse perceber a gravidade da situação, o site de Merkel mostrava a imagem dramática de uma paisagem industrial. Chaminés de fábricas emitindo nuvens de fumaça de forma a escurecer um pôr-do-sol de um vermelho-sangue.
No topo das agendas políticas
A Terra à beira de um desastre, o mundo se aproximando da destruição - nunca antes um governo se dirigiu de forma tão contundente à população alemã para falar sobre os perigos de uma catástrofe ecológica global como fez recentemente a coalizão governista da Alemanha. Desde o início de fevereiro, quando um comitê da Organização das Nações Unidas apresentou um relatório sobre mudança climática e concluiu que a Terra poderá sofrer um aquecimento dramático em um período de apenas poucas décadas, o tópico voltou ao topo de várias agendas políticas.
Grande parte da renovada atenção se deve a uma apresentação das conseqüências econômicas da mudança climática feita por Nicholas Stern, ex-diretor de economia do Banco Mundial, em outubro do ano passado. Segundo o sombrio prognóstico de Stern, o aquecimento do planeta poderia fazer com que o produto bruto global sofresse uma redução de 5% a 20%.
As advertências de Stern foram confirmadas poucas semanas atrás em um relatório da Equipe Governamental das Nações Unidas para a Questão da Mudanças Climáticas. Segundo as estimativas de 2.500 participantes de 130 países, o mundo está aquecendo mais rapidamente do que se acreditava anteriormente. Os especialistas acreditam que o nível dos oceanos aumentará até 59 centímetros até 2.100, e alguns cientistas acreditam que tal a elevação poderá chegar ao dobro desse número. Quando os oceanos alcançarem tal nível, as inundações ameaçarão mais de 20 grandes cidades, incluindo Xangai, Nova York e Londres, e cerca de 200 milhões de pessoas provavelmente terão que ser transferidas para outras áreas.
Durante um certo tempo os ambientalistas ardentes da década de 1990 pareceram estar à beira da extinção. Agora, porém, parece que todos estão preocupados com a natureza. É difícil que se passe um dia sem a divulgação de alguma nova e surpreendente conclusão sobre a proteção do meio-ambiente. Segundo as recentes pesquisas de opinião, o temor da mudança climática está firmemente estabelecido em segundo lugar entre as preocupações que afligem os alemães - logo atrás das preocupações econômicas.
Agora é a hora de agir
Os políticos notaram o fenômeno. A política ambiental, outrora o reino de raivosos figurantes, se tornou um tópico quente entre a elite política, praticamente da noite para o dia. Michael Glos, o ministro da Economia e Tecnologia da Alemanha e membro do partido conservador União Social Cristã (CSU), participou de uma conferência de dois dias em Bruxelas sobre a questão das emissões perigosas. Em uma mensagem de vídeo para uma conferência de especialistas em Washington, que incluiu participantes de 114 países, bem como vários parlamentares norte-americanos, a chanceler Merkel afirmou que agora é a hora de agir.
Sob a orientação do presidente do partido, Kurt Beck, a liderança do Partido Social-Democrata (SPD) concordou em dedicar toda uma conferência partidária à questão o mais breve possível. O líder parlamentar do SPD, Peter Struck, chegou a sugerir que os seus colegas de partido se dirigissem ao cinema mais próximo para assistirem "An Inconvenient Truth" ("Uma Verdade Inconveniente", EUA, 2006), um documentário feito pelo ex-vice-presidente dos Estados Unidos e ambientalista dedicado Al Gore.
E enquanto Renate Künast, líder do Partido Verde no Parlamento alemão, tenta convencer os alemães a comprarem automóveis japoneses que economizam gasolina, Edmund Stoiber, presidente do CSU, quer que todo o governo do Estado da Baviera - chefes de gabinete e suas equipes - participem de uma reunião simbolicamente importante na estação meteorológica da montanha mais alta da Alemanha, a Zugspitze.
O fracasso não é uma opção
Mas não é só a Alemanha que está preocupada. A alteração climática também se deslocou para o alto da agenda européia, graças em parte ao fato de Merkel ter feito da questão uma peça central da sua presidência da União Européia, um cargo que ocupará por seis meses. Os 27 chefes de Estado da União Européia se reunirão na segunda semana de março para discutir e ratificar os detalhes de sua futura política ambiental. O primeiro-ministro britânico Tony Blair ("Estamos na iminência de um progresso") e o presidente francês Jacques Chirac ("Esse é o momento para uma revolução") declararam publicamente que o fracasso não é uma opção.
Ou será que é? O que está em pauta é a questão fundamental de determinar o que as economias mais fortes do mundo estão preparadas para fazer - e que fardos financeiros estão preparadas a carregar - para pelo menos limitar a mudança climática. Afinal, quase todos os especialistas acreditam que são necessárias mudanças radicais. Produção alternativa de energia, sistemas de filtragem e programas de atualização de equipamentos, ao custo de bilhões de euros, não serão suficientes para manter sob controle o efeito estufa.
Para as nações industrializadas isso significa uma nova cultura de frugalidade que terá um impacto significativo nos seus estilos de vida: menos uso de eletricidade, dirigir menos e diminuir o número de carros grandes. E dependendo do rigor que os políticos estiverem dispostos a demonstrar, isso poderá significar também menos empregos industriais. Muito dependerá de se a China e a Índia - e os Estados Unidos - puderem ser integradas à nova política climática.
Não é de surpreender que os Estados membros da União Européia estejam discutindo tão acirradamente os detalhes de uma política ambiental abrangente. Por mais que os chefes de Estado demonstrem publicamente estar comprometidos com a proteção climática, eles estão igualmente determinados nos seus esforços no sentido de minimizar os sacrifícios que recairão sobre os seus cidadãos e as suas economias nacionais. A grande visão de uma Europa unificada está sendo rapidamente reduzida nos bastidores a cálculos numéricos e a debates sobre quais devem ser os limites para as emissões. O ministro alemão do Meio-ambiente, Sigmar Gabriel, declarou que 2007 é "o ano crítico ara a proteção climática", mas ninguém sabe como o ano terminará.
A própria Merkel optou por assumir uma posição central na mesa de negociações sobre a questão climática. No início de janeiro, ela declarou que as políticas climática e energética se constituem no tópico central da sua presidência de seis meses do Conselho da União Européia. Mas não demorará muito para que saibamos até que ponto ela será bem-sucedida. Em três semanas, os chefes de Estado da União Européia se reunirão em Bruxelas, e é necessário que eles assumam algum tipo de compromisso.
(Ecodebate/ UOL Notícias, 22/02/2007)
http://www.carbonobrasil.com/noticias.asp?iNoticia=17909&iTipo=5&idioma=1