A política ambiental do Estado do Rio Grande do Sul virou caso de polícia. A Polícia Civil e o Ministério Público estão investigando o conteúdo de um dossiê anônimo que sugere a existência de ligações promíscuas entre a Fundação Estadual de Proteção Ambiental (Fepam) e a Utresa, empresa acusada de ser a principal responsável pelo desastre ambiental que matou cerca de 85 toneladas de peixes no rio dos Sinos, em outubro de 2006.
Em uma entrevista explosiva ao jornal NH, de Novo Hamburgo, o ex-diretor técnico da Fepam, o biólogo Jackson Muller (demitido na sexta-feira), acusa o presidente da fundação, o advogado Renato Breunig, de ameaçá-lo com a divulgação deste dossiê que conteria, entre outras coisas, e-mails trocados entre ele (Muller) e o ex-diretor da Utresa, Luiz Ruppenthal, hoje foragido da polícia.
O biólogo teria sido coagido a pedir demissão da Fepam, caso contrário o conteúdo do dossiê seria divulgado, especialmente uma oferta de viagem a Alemanha, feita por Ruppenthal. Muller reconheceu que recebeu o convite, mas não viajou justamente pela ocorrência da mortandade de peixes. “Não prevariquei em cima da minha função pública. É a partir do relatório que eu fiz (incriminando a Utresa) que a prisão preventiva de Reppenthal foi decretada”, resumiu.
Investimentos de 5 bilhões de dólares
Jackson Muller decidiu procurar o Ministério Público e acusou o presidente da Fepam de violação de correspondência, de forjar um dossiê com falsas denúncias e de estar a serviço de poderosos interesses econômicos que envolvem investimentos de cerca de 5 bilhões de dólares no RS. O biólogo disse ao MP que Breunig foi advogado da Utresa e que está sendo afastado de suas funções como diretor técnico da Fepam pelos advogados da empresa.
“Saí por ter punido a principal empresa responsável pelo maior dano ambiental ocorrido no Estado. Pergunte ao Renato (Breunig, presidente da Fepam). Fui demitido pelo representante da empresa que puni”, disse ao jornal Zero Hora. Na entrevista ao NH, Muller diz que foi demitido por ter interferido em interesses poderosos. “A área ambiental é de muito conflito. Três empreendimentos no Estado vão mobilizar uma soma de mais de 5 bilhões de dólares. E esses três empreendimentos passam pela avaliação do órgão ambiental. Tu movimenta empreendimentos que são essenciais. Mas é precária a estrutura de análise (da Fepam). E isso torna vulnerável o sistema a todo tipo de interferência”, declarou.
O biólogo acrescentou: “A Fepam é um órgão extremamente importante para o Estado e está em um nível de fragilidade muito grande. Estamos discutindo o presidente dessa instituição estar vinculado à principal causadora da maior mortandade de peixes do rio dos Sinos”.
Vice-presidente do PSDB de Novo Hamburgo, Breunig foi uma indicação direta da governadora Yeda Crusius para assumir a Fepam. Desde que assumiu a fundação, vem sendo questionado sobre suas relações com a Utresa. Ele alegou que trabalhou como advogado para a empresa apenas em uma ação tributária em 2001, embora seu nome constasse até 5 de fevereiro no site do Supremo Tribunal Federal (STF), como advogado do processo que envolve a empresa. Agora, Breunig tenta inverter a acusação e insinuar que é Jackson Müller, que puniu a empresa poluidora, que teria relações estranhas com Ruppenthal. Segundo Muller, trata-se de uma farsa para tirá-lo de cena e acobertar os interesses econômicos dos quais Breunig seria o porta-voz.
“Fico impressionado como o poder político e econômico tenta subjugar a dignidade humana. Estou exultante porque acho que fiz uma grande obra ao tomar o depoimento”, declarou o promotor Eugênio Amorim, do Ministério Público de Novo Hamburgo, após ouvir o relato de Jackson Muller. Amorim encaminhou o depoimento ao Ministério Público de Estância Velha, que investiga a mortandade de peixes no rio dos Sinos.
O caso pode ter desdobramentos importantes nos próximos dias, uma vez que Muller acusou Breunig de defender interesses privados em um órgão público. “Eu queria contribuir com esse governo, ajudar num momento de crise singular na bacia dos Sinos. Acho que o conhecimento que tenho poderia ajudar muito o governo nesta área. Agora estou sendo cerceado dessa possibilidade porque represento um risco. Interferi em interesses econômicos muito poderosos que não tenho como competir”, resumiu o ex-diretor da Fepam ao jornal NH.
(Por Marco Aurélio Weissheimer,
Agência Carta Maior, 18/02/2007)