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2007-02-14
O aquecimento global não é a única bomba-relógio ambiental armada pela ação humana no planeta. A comunidade científica internacional começa a alertar para as graves conseqüências da radical modificação no ciclo do nitrogênio nos últimos 40 anos, após o advento dos fertilizantes sintéticos.

Quando está presente em excesso, como nos países industrializados, o nitrogênio contamina os ecossistemas. Em falta, as conseqüências são a fome e a desnutrição. “O mundo precisa acordar para o problema do nitrogênio”, disse Luiz Antonio Martinelli, pesquisador do Centro de Energia Nuclear na Agricultura (Cena) da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq) da Universidade de São Paulo (USP).

Martinelli coordena o comitê internacional responsável pela Conferência Internacional do Nitrogênio – N2007, que será realizada em outubro na Costa do Sauípe (BA). O evento reunirá especialistas de diversos países com o objetivo de definir uma agenda para o uso sustentável do nitrogênio no planeta.

“Enquanto tem se falado bastante da questão do carbono, o problema do nitrogênio é pouco discutido. A gravidade da situação, no entanto, pode ser até maior que a do carbono. Trata-se de um problema complexo que envolve vertentes econômicas, sociais, ambientais e agrícolas”, afirmou Martinelli.

Segundo o professor, até 1960 a disponibilidade de nitrogênio na Terra era controlada exclusivamente por processos naturais, por meio da fixação do elemento pelas plantas. Hoje, a produção sintética do nitrogênio ultrapassa toda a produção natural em até 30%. “O mais grave é que, além de produzirmos muito nitrogênio, sua distribuição é tão ruim quanto a distribuição de riquezas”, comparou.

Sem nitrogênio, sem comida
O nitrogênio, explica Martinelli, é fundamental na produção de alimentos por se tratar de um nutriente limitante. Quando não está presente, não se consegue produzir alimentos nos níveis da demanda atual. “Os países em desenvolvimento sofrem com isso. O continente africano é um caso crônico. Os fertilizantes são caros, a distribuição é ruim, o transporte é insuficiente e a logística não existe. Esse é um dos motivos da fome na África.”

Por outro lado, quando há uso excessivo de fertilizantes, o excesso de nitrogênio não é absorvido pelas plantas e se torna um poluente. “O nitrogênio tem extrema mobilidade, muda rapidamente de estado e vai da terra para o ar e dali para a água com muita facilidade, contaminando os ecossistemas agrícolas e penetrando nos lençóis freáticos”, explicou.

De acordo com Martinelli, todos os países industrializados, sem exceção, têm problemas sérios de poluição com nitrogênio. O pior deles é o excesso do elemento químico em corpos d’água, que leva ao fenômeno conhecido como eutrofização.

“Há um crescimento acelerado de algas e outros organismos que, quando morrem, são decompostos utilizando o oxigênio da água. A taxa de oxigênio cai, causando mortandade de peixes. São as zonas mortas, que se estendem pela maioria dos estuários dos países desenvolvidos”, disse.

No Brasil, segundo o pesquisador, há tanto zonas carentes em nitrogênio no Nordeste quanto áreas que já manifestam excesso do elemento em São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. “O nitrogênio é como alguns remédios: na dose certa é cura, na dose exagerada é veneno. Algumas áreas estão padecendo da falta do remédio, outras estão sendo envenenadas.”

Em busca do equilíbrio
Para agravar o problema, os países que sofrem com a carência de fertilizantes podem ter excesso de nitrogênio em alguns ecossistemas por conta do despejo de esgoto não tratado em rios e lagos. “As fezes e a urina são riquíssimas em nitrogênio. Se o esgoto não for tratado, o elemento vai parar em um corpo d’água e causa eutrofização, funcionando como se fosse um fertilizante orgânico”, disse Martinelli.

Principal componente da “revolução verde”, os fertilizantes sintéticos tornaram a humanidade dependente do nitrogênio. De acordo com o professor da Esalq, em média 70% das proteínas consumidas por cada habitante do planeta são compostas pelo nitrogênio fornecido pelos fertilizantes sintéticos.

“A revolução verde teve um grande papel na redução da fome no planeta, particularmente na Ásia. Mas em países como a China, o governo produz e distribui nitrogênio à vontade. O resultado é que os ecossistemas chineses estão altamente comprometidos e a maioria de seus corpos d’água estão eutrofizados”, disse Martinelli.

Para o cientista, o desafio que o mundo tem pela frente é encontrar um meio sustentável para o uso do nitrogênio. “Há extrema necessidade de se conseguir balancear a quantidade de nitrogênio de maneira a suprir as necessidades das plantas para produção de alimentos, sem causar danos ambientais”, disse.
(Por Fábio de Castro, Agência Fapesp, 14/02/2007)

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