Cientista afirma não haver outra saída que não seja a redução drástica das emissões de gases do efeito estufa
2007-02-13
Um dos quatro brasileiros que figuram na lista dos cientistas participantes do Grupo Intergovernamental sobre a Mudança Climática (IPCC) das Nações Unidas, Paulo Artaxo, do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), é taxativo: "A humanidade não tem alternativa".
Segundo o pesquisador, não há nenhuma outra saída que não seja a redução drástica das emissões de gases do efeito estufa, e isso deve ser feito da maneira mais eficiente e rápida possível. O relatório divulgado no início de fevereiro é o mais importante já feito sobre o tema e é resultado de dois anos de trabalho.
Artaxo acredita que os países devem ser responsabilizados proporcionalmente aos danos que já causaram ao meio ambiente. Entretanto chama o Brasil a agir. "Esperamos que o governo brasileiro se sensibilize fortemente em relação a essa questão e estabeleça estratégias de redução de gases e diminuição da incidência de queimadas o mais rápido possível", afirma, referindo-se à principal fonte de emissão de gases do efeito estufa no país.
O cientista ressalta a importância de um relatório como esse e acredita que a opinião pública mundial está começando a entender o tamanho do problema das mudanças climáticas. "Começam a entender claramente o recado de que desperdiçar energia com emissão de gases do efeito estufa, da maneira como foi feito ao longo dos últimos 150 anos, é insustentável a curto e médio prazos", alerta. Segundo ele, a grande questão que se coloca é: quem vai pagar a conta desse enorme custo ambiental?
Rets – Como foi a dinâmica de trabalho do Painel?
Paulo Artaxo - O IPCC é formado por um grupo de cientistas escolhidos pela ONU. Eu participei do Grupo I, que fala sobre as bases físicas do sistema climático. Começamos a escrever um apanhado científico de tudo que já se conhece a respeito das mudanças climáticas globais. Ao longo de dois anos, através de muitas reuniões, os cientistas escreveram um relatório enorme de 2.500 páginas em que está contido todo o estado da arte científico nessa área. Nós escrevemos os capítulos e fomos discutindo o conteúdo do relatório pela internet. A cada três ou quatro meses, fazemos reuniões para debater temas polêmicos.
Rets – A ONG Greenpeace denunciou que uma agência americana teria oferecido a alguns cientistas a quantia de US$ 10 mil para que escrevessem artigos contra o relatório do IPCC. O senhor ficou sabendo de algum episódio?
Paulo Artaxo - Não fiquei sabendo.
Rets – Muitos cientistas resistem em creditar ao homem a responsabilidade pelas mudanças climáticas. O próprio relatório indica 90% de certeza de que as causas do aquecimento sejam de origem antrópica. Por que essa margem de dúvida?
Paulo Artaxo - Em ciência, nunca temos certeza de nada. Mesmo a Teoria da Relatividade vai sendo sempre discutida e atualizada. Isso é absolutamente normal. Nunca temos 100% de certeza, mas 90% já é bastante coisa. Os indícios de que as mudanças climáticas globais sejam efetivamente causadas pela ação antropogênica são muito grandes.
Rets – No caso brasileiro, quais serão as conseqüências do aquecimento global?
Paulo Artaxo - Na verdade, já estamos sentido os efeitos, mas vão se tornar mais intensos com o passar do tempo. No caso brasileiro, um aumento de três graus em média na temperatura do planeta vai trazer importantes alterações climáticas. Além do próprio aumento de temperatura, que vai dificultar a sobrevivência do ecossistema amazônico, vai trazer grandes alterações na produção agrícola brasileira. Também podemos ter o aumento da incidência de fenômenos climáticos extremos, como secas mais intensas e inundações.
Rets – Qual deve ser o papel dos países em desenvolvimento nesse cenário?
Paulo Artaxo - Não há nenhuma outra saída a não reduzir drasticamente as emissões de gases do efeito estufa, e isso deve ser feito da maneira mais eficiente e rápida possível. O Brasil tem uma tarefa importante pela frente, que é a redução das suas emissões através do combate às queimadas da Amazônia. Esperamos que o governo brasileiro se sensibilize fortemente em relação a essa questão e estabeleça estratégias de redução de gases e diminuição da incidência de queimadas o mais rápido possível.
Rets – Mas a ministra Marina Silva tem criticado a posição dos países que, depois de terem destruído todas as suas florestas, vêm exigir a preservação da Amazônia.
Paulo Artaxo - Na verdade, essa é uma grande discussão. Obviamente, os países desenvolvidos foram os causadores dessa situação que estamos enfrentando, por causa das emissões ao logo de todo o século XX. A conta tem que ser dividida de acordo com as responsabilidades de cada país. Os países desenvolvidos certamente têm uma cota maior de responsabilidade do que os países em desenvolvimento. Entretanto vai ser impossível não levar em conta as emissões dos países em desenvolvimento, como Índia, China e Brasil.
Rets – Em relação à matriz energética brasileira, há alguma adaptação a fazer?
Paulo Artaxo - A matriz energética brasileira é extremamente favorável à prevenção das mudanças globais, porque é limpa e baseada em energia hidrelétrica, que é renovável, e em biocombustíveis. Por parte da matriz energética, as emissões brasileiras são muito pequenas. A nossa maior contribuição nas emissões é através das queimadas da Amazônia, e é absolutamente urgente que o Brasil estruture uma redução das queimadas.
Rets – O senhor acredita que a opinião pública mundial está finalmente acordando para o problema das mudanças climáticas?
Paulo Artaxo - Não há duvida. A opinião pública mundial está começando a entender claramente o recado de que desperdiçar energia com emissão de gases do efeito estufa, da maneira como foi feito ao longo dos últimos 150 anos, é insustentável a curto e médio prazos. Portanto a humanidade não tem alternativa. A questão é: quem vai pagar a conta desse enorme custo ambiental que vai ser causado pelas mudanças climáticas? Isso ainda é um ponto em aberto e vai ser pauta de negociações internacionais nos próximos anos.
(Por Luísa Gockel, RITS - Rede de Informação para o Terceiro Setor, 12/02/2007)
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