Bairros vizinhos divergem sobre construção de bacias de contenção de águas pluviais em Porto Alegre
2007-02-13
Quando há previsão de chuva em Porto Alegre, os moradores dos bairros Três Figueiras, Chácara da Pedras e Vila Ipiranga sabem que devem buscar rotas alternativas para chegar em casa, desmarcar compromissos, deslocar os carros para lugares seguros contra a ação da água e ter muita paciência. Os danos materiais são rotina, mas o medo maior são as doenças transmitidas pela água contaminada e as mortes. Quatro pessoas já morreram afogadas em dias de temporal na avenida Teixeira Mendes, considerada pelo Departamento de Esgotos Pluviais (DEP) o ponto mais crítico de drenagem da cidade. Para solucionar o problema, o DEP quer a instalação de bacias de contenção em praças públicas. Parte da comunidade é contra.
Suas moradias foram construídas em cima da bacia do Arroio da Areia, cuja área é 20,85 quilômetros quadrados e que também abrange os bairros Passo da Areia, Boa Vista, Vila Jardim, Cristo Redentor, Santa Maria Goretti e Higienópolis. O Plano Diretor de Drenagem Urbana (PDDrU), elaborado através de convênio firmado entre o DEP e Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH/UFRGS) - que já mapeou seis das 27 bacias de Porto Alegre - concluiu que a construção de 11 bacias seria a melhor saída técnica e economicamente para conter os alagamentos no Arroio da Areia, espalhadas por praças.
Segundo a engenheira Daniela Bemfica, da Divisão de Obras e Projetos do DEP, a escolha das áreas verdes é devido ao fato de as praças da região estarem justamente localizadas nos pontos baixos onde passavam os arroios: "Poderíamos até desapropriar imóveis ao lado da praça, mas o custo seria completamente inviável, tendo em vista o preço dos imóveis em algumas das localidades".
O uso de bacias de contenção ou amortecimento de águas pluviais é recente no Brasil, embora sua tecnologia remonte à década de 70. Chegaram à mídia como os "piscinões do Maluf", em São Paulo. Porto Alegre possui dez bacias. Elas funcionam como reservatórios que recebem as águas durante uma enxurrada e vão liberando de forma gradual o líquido. Com isso, o sistema de macrodrenagem local não fica sobrecarregado.
Três Figueiras e Chácara das Pedras divergem sobre a solução encontrada pela prefeitura
A discussão sobre o problema das cheias começou em 1983, na ocasião em que uma médica e suas duas filhas se afogaram dentro do carro no cruzamento da avenida Teixeira Mendes com a Avenida Nilo Peçanha. Próximo ao mesmo local, em 1998, outra vítima: as águas levaram um menino de cinco anos. O último susto - sem vítimas fatais - aconteceu em 2005, quando um casal de idosos que transitava pela mesma avenida foi salvo "por milagre" pelos moradores.
No ano da morte da criança, as associações de bairro do Três Figueiras e Chácara das Pedras se uniram para lutar contra as perdas e procuraram o DEP. Maria Cristina Coelho, presidente da Associação de Moradores do Três Figueiras, recorda que nas primeiras reuniões a prefeitura falava em ampliações das redes de esgoto pluvial. Foi só após a conclusão do estudo sobre a bacia do Arroio da Areia, no ano seguinte, que o DEP desistiu da idéia inicial e passou somente a defender a opção de construir barragens para a região, somadas a uma leve ampliação. A obra começaria pelos dois bairros em questão.
A comunidade defende uma grande ampliação e reforma das galerias ainda hoje como solução "ideal". "A bacia de contenção seria o caminho mais rápido e barato, mas não necessariamente o melhor. Aceitaríamos o projeto se não fosse em áreas públicas", observa.
O presidente da Associação de Moradores da Chácara das Pedras, Raul Campezatto, que também é engenheiro e foi funcionário do Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) por 30 anos, julga as bacias de contenção como uma solução "meia-sola". Ele também defende a ampliação da rede. "Há 15 ou 20 anos, foram construídas habitações depois do Country Club, em cima do arroio, e a prefeitura cometeu o erro de regularizar essas áreas. Infelizmente, para ampliarmos as galerias hoje seria necessária a desapropriação desses locais. Sabemos que é um elemento dificultador, e que a obra sairia mais cara, mas é o melhor", diz.
Na opinião de Campezatto, as violentas cheias da região acontecem porque há cada vez mais habitações irregulares construídas em cima do arroio, que destroem os vales verdes originais, cuja função é reter essa água. "O solo não absorve mais nada, está tudo impermeabilizado. Não se preservou a margem do arroio e o espaço reservado para as galerias", acredita.
Outra alternativa por ele proposta: cada casa reteria uma parte da água através de uma cisterna normal, de forma que cada propriedade privada tivesse uma microbacia. "Essa solução só ainda não é possível porque não há a separação do esgoto cloacal e águas pluviais na região, mas é simples, barata e ecológica", relata.
O DEP confirma que recebeu várias sugestões dos moradores, porém, segundo a engenheira Daniela, todas se mostraram inviáveis.
Os técnicos do departamento sofreram uma derrota logo de início. O projeto previa a construção de bacias abertas, que têm um custo mais baixo de implantação e manutenção. A comunidade foi radicalmente contra, pois a praça Pedro Celso Luft (antiga Quintino Bocaiúva) - uma das áreas escolhidas - é usada como pátio da Escola Estadual Prudente de Moraes. Havia o receio de que as crianças pudessem cair dentro da bacia. A prefeitura cedeu e optou por bacias enterradas sob as praças, onde uma pequena parte fica acima do solo e é fechada em concreto.
Embora o DEP tenha se comprometido em construir quadras para a prática de esportes sobre o concreto e a Secretaria de Meio Ambiente tenha investido em um novo projeto paisagístico na praça, a comunidade dos bairros Três Figueiras e Chácara das Pedras ainda vêem as bacias com ressalvas. "As praças são pequenas, vamos perder áreas verdes. Temos receio de que as bacias desvalorizem os imóveis, porque se não houver manutenção constante, vamos conviver com mais ratos, baratas e mosquitos nas praças, porque as tubulações recebem efluentes cloacais e pluviais", opina Campezatto.
Mais do que a perda das áreas verdes, a "manutenção" tem se mostrado um argumento forte na fala dos que são contra as bacias. Os moradores reclamam que a prefeitura não tem condições de fazer a manutenção dos equipamentos, que exigem limpeza em até 48 horas. A comunidade passou então a exigir o separador do esgoto antes do início de qualquer construção de bacia. Maria Cristina Coelho acena para a possibilidade de entrar em acordo com a prefeitura, desde que seja respeitada a condição de que nenhum reservatório será construído sem que haja a separação absoluta. Como isso é competência do DMAE, este se comprometeu, nas últimas reuniões, a priorizar a área. O esgoto cloacal seria destinado à ETE São João Navegantes. Contudo, não há previsão para a obra começar.
Sobre a manutenção, o DEP se defende. Ela seria feita pelo próprio departamento e, como as bacias são fechadas, foi previsto um acesso no projeto, que servirá de entrada para caminhões e retroescavadeiras para fazerem a limpeza dentro da área. Isso aconteceria cada vez que a bacia enchesse, o que, segundo Daniela Bemfica, seria necessário de duas a três vezes por ano. Os técnicos garantem que não ficará água parada no local. "Pode até aparecer bicho, mas são os mesmos bichos que saem nas bocas de lobo hoje", sustenta a engenheira.
Ela afirma que não há data limite para execução da obra. "A pressão é grande em questão da responsabilidade civil do diretor do DEP. Se acontece algum incidente, a prefeitura arca com a indenização. E afinal, sabemos que a obra tem que ser feita e temos a parte inicial das verbas, como explicar depois de um desastre por que nada foi feito para evitar?", polemiza.
O lado dos que querem as bacias
Caminhando pelas ruas do bairro Vila Ipiranga, ao lado do Três Figueiras e Chácara das Pedras, podem-se observar algumas muretas de proteção erguidas na frente das casas e edifícios e o calçamento quebrado. Lá ninguém morreu, mas como gosta de enfatizar o presidente da Associação de Moradores do bairro,
Adroaldo Barboza: "Ainda não morreu, mas há muito prejuízo". De acordo com o projeto do DEP, duas praças receberão as bacias, mas isso só acontecerá depois de concluídas as obras dos vizinhos.
Ele defende a instalação dos reservatórios e critica a vizinhança: "Parece que o problema deles é mais estético do que prático. Sei que todos querem uma solução para o problema, mas a minha comunidade não agüenta mais esperar. Não vemos problema em perder parte da área verde da praça".
O diretor da Escola Estadual Dolores Alcaraz Caldas, Benedito Zorzi, também anseia pelas obras. A escola, que possui 1.200 alunos nos turnos manhã, tarde e noite, já precisou dispensar turmas por não haver condições de chegar até as salas de aula. Ele conta que a água chega a 50 centímetros de altura. Os problemas com infiltrações são freqüentes. "A hora do temporal é uma visão assustadora. Os ratos tomam conta dos pátios onde acontece o recreio e tentam escapar das enchentes pulando pelas cercas que isolam o colégio. No dia seguinte, você vê alguns ratos mortos pendurados nas grades", relata.
(Por Ana Luiza Leal, AmbienteJÁ, 13/02/2007)