Argentina avaliará os efeitos do vazamento de combustível de um navio norueguês na Antártida
2007-02-13
O vazamento de combustível de
um navio norueguês na Antártida não terá a temida imagem de pingüins
cobertos de petróleo. Porém, o impacto não será inócuo para a frágil
biodiversidade da região, alertam especialistas. De acordo com o controle
realizado pelas bases argentina e espanhola na Ilha Decepción, na margem
ocidental da península antártica, o combustível teria evaporado. “Somente se
nota restos na praia, e não prejuízos severos”, disse ao Terramérica Mariano
Memolli, titular da Direção Nacional do Antártico. Entretanto, Memolli
admite que especialistas desse organismo farão “um estudo mais profundo para
investigar se existe um impacto maior do que se pode ver à primeira vista”.
O incidente aconteceu no dia 30 de janeiro, quando o navio Nordkapp, com 295
passageiros e 76 tripulantes, encalhou em Fossas do Netuno, uma região
rochosa que margeia Decepción. Após o choque, vazou da embarcação entre 500
e 700 litros de diesel, informou a companhia Hurtigruten, operadora do
navio. Memolli havia alertado sobre o grave risco que corriam pingüins,
orcas e cormorões que habitam essas áreas. Quando as bases confirmaram que o
combustível era do tipo leve, aquele cenário ficou descartado, mas não se
pode “reduzir a importância deste episódio”, afirmou.
Oscar Amin, biólogo e especialista em Contaminação do Centro Austral de
Pesquisas Científicas, explicou ao Terramérica que o vazamento de
combustível leve tem vantagens e desvantagens. “O bom é que a maior parte
evapora, o ruim é que permanece uma fração muito tóxica que é solúvel em
água”. Isso pode afetar algas, pequenos peixes e bivalvos que se alimentam
delas, além de aves como os pingüins, que comem esses peixes, ressaltou.
Ilha Decepción é uma das Zonas Especialmente Protegidas da Antártida, devido
às espécies que abriga e ao interesse científico e turístico que desperta.
Trata-se de uma formação de origem vulcânica com uma fauna muito variada e
uma enseada de águas termais onde os visitantes podem se banhar.
A Antártida tem superfície de 14 milhões de quilômetros quadrados. O
continente é um deserto gelado, pobre em flora e fauna, mas abriga uma rica
biodiversidade no litoral, ao qual os animais chegam para se reproduzir
durante o verão. Nesse litoral, pode-se apreciar centenas de espécies de
líquens e musgos, sete variedades de pingüins (adélia, barbicha, papua,
imperador, rei e penacho amarelo) e seis de petréis, além de albatrozes,
cormorões, gaviotins¸ gaivotas, skuas e pombas antárticas. O mar abriga
centenas de espécies de peixes adaptados a águas geladas, baleias (das
espécies dentada, azul, franca, jubarte e mink), grande diversidade de focas
(caranguejeira, de Ross, de Weddell), elefantes, lobos e leopardos marinhos,
e até as temidas orcas.
“Os ecossistemas antárticos são particularmente frágeis aos distúrbios e
possuem uma capacidade natural de recuperação muito baixa”, afirma o estudo
intitulado “Atividades turísticas e fragilidade dos ecossistemas antárticos”
(2005), feito pelo biólogo Rubén Quintana, do Laboratório de Ecologia
Regional da Universidade de Buenos Aires. “Os musgos e líquens resistem ao
frio, ao gelo e à seca, mas são muito vulneráveis às pisadas e caso sejam
arrancados demoram anos para se recuperar”, acrescenta. Os pingüins são
“pouco tolerantes” à presença humana, disse Quintana, recordando a drástica
redução dos animais de uma colônia em Cabo Royds, que teve de ser fechada ao
turismo. “Os dez mil visitantes anuais que a Ilha Decepción recebe podem
alterar as condições deste meio singular”, ressalta.
O biólogo também alerta para o risco de vazamentos de hidrocarbonetos. “Um
incremento do tráfego de grandes navios de turismo nos mares antárticos pode
aumentar os riscos de vazamento de combustível por acidentes”, disse,
recomendando “maior controle para reduzir o perigo”. Em uma reunião
realizada no dia 5 deste mês, na localidade austral de Ushuaia, pela
Associação Internacional de Operadores de Turismo na Antártida, sua
diretora-executiva, Denise Landau, minimizou o acidente dizendo que “foi o
primeiro em 45 anos de visitas à Antártida”. Porém, não contou o naufrágio
do navio da Marinha Argentina, Bahia Paraíso.
Este acidente aconteceu em 1989, no litoral da Ilha Anvers, onde fica a base
norte-americana de Palmer. O navio, que transportava turistas e cientistas,
encalhou e foi evacuado antes de afundar completamente. O naufrágio deixou
uma mancha de cem quilômetros quadrados em razão da perda de 60 mil litros
de óleo combustível. Moluscos, cormorões, pingüins e outras espécies foram
vítimas fatais desse desastre. Um estudo do Serviço de Hidrografia Naval da
Argentina, realizado em 2001, detectou que, 12 anos depois do acidente, do
casco afundado na Bahia Paraíso, continuava ocorrendo uma perda crônica de
combustível, que se via na superfície. Diante destes riscos a longo prazo,
Memolli afirmou que, no contexto do Tratado Antártico (em vigor desde 1961),
a Argentina propôs evitar o impacto acumulativo de visitas em zonas
sensíveis como a Ilha Decepción, mas esse debate está apenas começando.
(Por Marcela Valente, Terramérica, 12/02/2007)
http://envolverde.ig.com.br/materia.php?cod=27830&edt=1