O semanário Brecha, de Montevidéu, em recente matéria, denunciou a expansão da cultura de soja transgênica no Brasil. Conforme a matéria, tudo começou em meados da década de 1990, quando o ex-presidente Carlos Menem autorizou o ingresso da soja Roundup Ready (RR), da Monsanto.
Em seu último número, o semanário Brecha afirma que a Argentina produz atualmente mais de 40 milhões de toneladas de soja transgênica exportável como forragens, azeites e farinhas. O país deverá alcançar, nos próximos anos, de acordo com a expansão estratégica projetada pelo Banco Mundial e as transnacionais que operam no setor de agronegócios, uma meta "sustentável" de 100 milhões de toneladas de grãos e oleaginosas geneticamente modificados.
A Monsanto, compañnhia norte-americana, está ligada a 60% dos cultivos transgênicos no mundo. A área de plantio na Argentina passou, desde meados de 1990, de 5 milhões de hectares a 16 milhões, em apenas dez anos, o que fez com que o país alcançasse o segundo lugar mundial na produção de grãos transgênicos, superado apenas pelos Estados Unidos.
"Para alcançar este lugar, a Argentina teve que hipotecar seu território como campo de prova da biotecnologia desenvolvida pela Monsanto e outras transnacionais como Syngenta, Nidera, Cargill, Bayer y Basf", diz o artigo principal do informe.
O semanário também analisa s aspersões intensivas com agrotóxicos feitas pelas mesmas transacionais que produzem e comercializam as sementes geneticamente alteradas. Os 160 milhões de litros de herbicidas que se aplicam anualmente sobre a superfície argentina de transgênicos estão causando, segundo a opinião do Grupo de Reflexão Rural (GRR), entrevistados pelo semanário, "uma catástrofe sanitária de envergadura tal que nos motiva a imaginar um genocídio impulsionado pelas grandes corporações e que só os enormes interesses em jogo e a ignorância cúmplice da classe política logram manter invisível e impune".
O problema sanitário é apenas um dos efeitos negativos do modelo da cultura da soja. O semanário menciona, também, o desmatamento, a degradação de solos e a destruição da biodiversidade, assim como os deslocamentos territoriais e o desemprego.
"Os produtores de soja exercem força indiscriminada para ampliar suas próprias fronteiras, expulsando pequenos produtores, camponeses e povos originários, mediante a criação de grupos paramilitares. Este método surgiu com o crescimento da soja transgênica, primeiro em ‘Santiago del Estero’, e nos últimos anos nas províncias de Salta, Jujuy, Chaco, Tucumán, Formosa, Catamarca, Córdoba e Mendoza. Aqueles que conseguem sobreviver à repressão privada passam diretamente à desocupação urbana", destaca Brecha, e menciona um estudo do Instituto Nacional de Tecnologia Agropecuária (INTA) que revela que "oito em cada dez desempregados da Grande Buenos Aires provêm da agricultura".
Os cultivos em outros países do Mercosul são em menor escala, porém com a mesma rapidez de expansão e capacidade de destruição. No Brasil, onde a área cultivada de soja RR alcança 8 milhões de hectares, o modelo de grãos transgênicos é "o principal vetor da devastação da Amazônia", assim como "de conflitos pela terra e de assassinatos de trabalhadores rurais".
Os sojicultores dos estados do sul do Brasil não se contentaram com suas próprias fronteiras. Conseguiram se expandir até o Paraguai, arrasando com camponeses, montes e campos pecuários. Brecha se baseia na análise do sociólogo paraguaio Tomás Palau para descrever a tripla perda de soberania que sofreu o seu país: "Depende das exportações de um só produto (soja) cujas sementes são providas por uma só empresa (Monsanto); perdeu soberania territorial, uma vez que grandes extensões de terra foram adquiridas por estrangeiros, em particular brasileiros, os chamados ‘brasiguaios’; e também passou por uma perda de soberania alimentar, porque o monocultivo substitui a diversidade de cultivos de subsistência das famílias camponesas".
O Uruguai também integra esta grande "república sojeira" formada pelos países do Mercosul. O semanário lembra que a entrada da soja RR foi decretada em 1999, pelo governo de Julio María Sanguinetti. Hoje é o principal cultivo agrícola do país, com mais de 300 mil hectares cultivados.
"As estimativas sobre as terras dedicadas à soja que estão em mãos de estrangeiros, principalmente argentinos, oscilam entre 50% e 70%. Esta oleaginosa vem ganhando espaço em campos pecuários e de outros cultivos tradicionais no centro do país.
Para o especialista argentino do GRR, Jorge Rulli, entrevistado por Brecha, a solução ao modelo da soja deve articular três aspectos numa mesma proposta: desenvolvimento local, soberania alimentar e planejamento do território.
"Isto implicaria trabalhar em pequena escala, produzir alimentos, impulsionar o desenvolvimento local, desarmar as grandes cidades e trocar o paradigma. Seria necessário deslocar milhões de pessoas para o Interior, oferecendo-lhes comodidades mínimas. Teria que ser feito um redesenho territorial. Quem planeja, organiza, hoje o território? As empresas. Então o Estado teria que reassumir o redesenho territorial: onde se quer as cidades, qual o seu limite e um planejamento em todos os sentidos.
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Adital, 09/02/2007)