O brasileiro Alain Belda, de 63 anos, é presidente mundial da americana
Alcoa, a maior indústria de alumínio do mundo. A empresa faz parte de um
dos setores industriais que mais liberam dióxido de carbono, um dos
gases responsáveis pelo aquecimento global. Seria de imaginar, portanto,
que Belda relutasse em participar dos esforços globais de redução das
emissões do gás. Ao contrário. No mês passado, a Alcoa juntou-se a
outras nove grandes corporações (entre as quais a americana GE e a
inglesa BP, de petróleo) e quatro entidades ambientais para pressionar o
governo americano a estabelecer metas ambiciosas de redução de CO2 nos
Estados Unidos, o maior emissor de gases causadores do efeito estufa. Em
conjunto, o faturamento dessas dez corporações representa três quartos
do produto interno bruto do Brasil. "Não se trata de ser bonzinho", diz
Belda. "Simplesmente, temos consciência de que a redução das emissões é
urgente e, quanto antes começarmos, melhor para os nossos negócios."
Belda concedeu a seguinte entrevista a VEJA, de sua casa, em Nova York.
Veja – No mês passado, o presidente americano George W. Bush
anunciou o objetivo de reduzir em 20% o uso de combustíveis derivados de
petróleo nos Estados Unidos. Isso é suficiente para combater o
aquecimento global?
Belda – Visto que é a primeira vez que Bush fala no assunto,
trata-se de um bom sinal. Se a redução proposta é suficiente é outra
questão. Na verdade, foi mais um gesto político de Bush, que estava
respondendo às pressões da indústria automobilística e dos produtores de
milho (com o qual, nos Estados Unidos, se produz biocombustível). O que
importa é que o jogo começou. O Congresso e o Senado americanos
comprometeram-se a aprovar neste ano uma legislação tratando da redução
das emissões de gás carbônico.
Veja – No dia anterior ao discurso de Bush, a Alcoa e outras nove
empresas pediram medidas concretas do governo americano para reduzir as
emissões de carbono. Por que tomaram essa iniciativa?
Belda – O mundo todo tem a perder com o aquecimento global. A
principal razão pela qual essas empresas se reuniram está relacionada à
idéia de que é necessário estabelecer regras claras sobre como se vai
solucionar o problema do efeito estufa. Só assim as empresas conseguem
se preparar adequadamente. Não podemos ficar esperando para definir
nossos investimentos. Caso contrário, uma companhia com planos de
construir uma fábrica não sabe se deve comprar um forno a gás, a óleo
combustível ou a eletricidade. Complica tudo. Também queremos assegurar
que essas medidas não sejam tímidas, no sentido de serem só
incrementais. O assunto precisa ser tratado com mais agressividade. Os
Estados Unidos têm grande capacidade de dar respostas tecnologicamente
avançadas a crises desse tipo.
Veja – O que deve ser feito para reduzir as emissões dos gases
que aceleram o efeito estufa?
Belda – A principal proposta é adotar o que em inglês é chamado
de cap and trade (limitar e comercializar). Por esse sistema, define-se
o total de gás carbônico que um setor ou o país inteiro pode emitir. Em
seguida, permite-se que as empresas comprem créditos de carbono daquelas
que reduziram as emissões mais do que o necessário. Com isso, permite-se
que as companhias com maior facilidade de redução imediata se
beneficiem. Por outro lado, aquelas que só podem resolver o problema a
longo prazo ganham tempo para planejar e desenvolver a tecnologia
adequada. Tudo isso com o país se beneficiando da redução real e
imediata da poluição. É um sistema que funciona nos Estados Unidos com a
emissão de enxofre, por exemplo, para evitar a chuva ácida.
Veja – O corte de emissões de carbono proposto pelas companhias é
suficiente para desacelerar o aquecimento global?
Belda – A idéia é que, se começássemos agora, seria possível
reduzir as emissões de carbono em 15% até 2016, chegando a 2050 com uma
redução de quase 50%. Isso seria suficiente para retroceder as emissões
em nível internacional. Outros países teriam de participar também. A
verdade é que os Estados Unidos não podem ficar esperando pelos outros
países. Temos de começar já, e o país mais rico do mundo precisa dar o
exemplo.
Veja – Investir no meio ambiente é bom negócio?
Belda – Em toda mudança tecnológica do tipo que estamos tratando
há os beneficiados e os prejudicados. Por outro lado, a economia como um
todo beneficia-se de toda essa atividade. Criam-se empregos, pesquisas
em universidades e novos investimentos nos setores produtivos
envolvidos. Sobretudo se as soluções envolverem o desenvolvimento de
tecnologia de ponta, abre-se a possibilidade de negócios lucrativos.
Veja – Como uma empresa pode lucrar com isso?
Belda – As companhias que constroem usinas nucleares, por
exemplo, finalmente podem convencer todo mundo de que a energia que elas
produzem tem seus riscos, mas é fruto de um processo limpo. O dilema
sobre o que fazer com o lixo atômico é uma questão menor comparada com o
dióxido de carbono que as termelétricas a carvão lançam na atmosfera.
Hoje em dia, 40% da energia do mundo é produzida pela queima de carvão.
A única solução é injetar os gases poluentes em poços subterrâneos de
petróleo vazios. A eficácia dessa tecnologia, no entanto, ainda não foi
totalmente comprovada.
Veja – Algumas empresas estão reduzindo suas emissões
espontaneamente. O que pesa mais nessa decisão: a percepção de que isso
pode dar retorno a longo prazo ou a possibilidade de fazer o papel de
bom moço para a sociedade?
Belda – Nenhum dos dois. Veja o caso da Alcoa: entre 1990 e 2005,
nós reduzimos em 25% nossa emissão de gás carbônico no mundo. Tomamos
essa decisão porque sabíamos que, mais cedo ou mais tarde, teríamos de
fazê-lo. É muito melhor fazer as mudanças necessárias enquanto temos o
controle do processo na mão. Isso significa antecipar a legislação. A
grande jogada em questões ambientais é, primeiro, reconhecer que existe
um problema. Segundo, antecipar-se à regulamentação do assunto,
resolvendo-o você mesmo. E, terceiro, à medida que são instalados os
equipamentos novos, adequar os investimentos à tecnologia que existe e
às últimas tendências na área de meio ambiente. Sai muito mais barato, a
longo prazo, antecipar esses investimentos do que deixar para fazer
depois, quando a regulamentação do governo entrar em vigor. Não é uma
questão de ser bonzinho, mas de ser mais eficiente e entender para onde
vai a regulamentação. Em termos econômicos e de antecipação de custo,
isso é muito melhor do que correr para consertar o que já foi feito.
Veja – Alguns estados americanos têm adotado suas próprias leis
de redução de emissão de carbono. Isso é bom?
Belda – Não. Começa-se a ter uma regulamentação diferente para
cada estado. Isso desperta incertezas e dúvidas no empresário: "Instalo
minha fábrica neste estado ou no outro?", "Devo tirar a fábrica que
tenho neste estado porque do lado de lá da divisa a lei é mais adequada
à minha tecnologia?". O ideal é ter uma regulamentação única dentro do
mesmo país.
Veja – Nos Estados Unidos as empresas estão à frente do governo
na preocupação com o aquecimento global. Na Europa ocorre o inverso. Por
que essa diferença?
Belda – O confronto entre o Estado e as empresas é uma tradição
americana. Já na Europa e no Brasil a praxe é os empresários esperarem
que o governo tome a iniciativa. Nos Estados Unidos partimos do
princípio de que o Estado é necessário, mas a responsabilidade é das
empresas. É por isso que os Estados Unidos têm tanta ação social privada
e organizações não-governamentais. Isso explica o alto nível de
contribuição das pessoas físicas e jurídicas para a sociedade. A
preocupação das empresas americanas com o trabalho social não atinge a
mesma dimensão na Europa. Essa filosofia está na base da formação dos
Estados Unidos.
Veja – Na sua opinião, houve uma mudança na percepção dos
empresários e da opinião pública em relação às causas das mudanças
climáticas?
Belda – Existe uma mudança na consciência geral sobre o tema. As
pesquisas comprovam que há um aumento na quantidade de gás carbônico no
mundo. Não se pode ainda ligar o aumento do CO2 às condições climáticas,
mas é evidente que a alta concentração desse gás na atmosfera decorre da
atividade humana. É um fenômeno de grande impacto. Há um consenso
crescente de que é preciso controlar as emissões de gases poluentes
mesmo antes de se ter a confirmação definitiva de que eles são os
responsáveis pelas mudanças climáticas. Precisamos agir assim porque,
quando se tiver a confirmação, não haverá mais tempo para reverter o
processo. Por isso, os políticos finalmente concluíram que a falta de
ação acabará por sair mais caro. Acredito que neste ano já devem ser
adotadas medidas para o controle eficiente das emissões de gás
carbônico. Como tudo na vida política, o processo é demorado. Basta
olhar os resultados do Tratado de Kioto. Apesar de tudo ter sido
assinado bonitinho, o tratado não foi regulamentado quase em lugar nenhum.
Veja – Os Estados Unidos deveriam aderir ao Tratado de Kioto?
Belda – Não. O Tratado de Kioto já está morto. Um novo pacote de
medidas para reduzir as emissões globais terá de ser desenvolvido.
Veja – Até que ponto o Brasil pode lucrar com a tecnologia do
álcool combustível?
Belda – O álcool combustível é apenas mais uma das soluções para
reduzir as emissões de carbono. Além do álcool, será preciso investir em
energia solar, eólica, nuclear, carvão com injeção subterrânea, entre
muitas outras. O álcool não resolve, por exemplo, o problema da energia
nas indústrias. Mesmo como solução para o automóvel, o etanol serve para
o Brasil, talvez para a África, mas a quantidade necessária para
substituir a gasolina por álcool em um país como os Estados Unidos é
inviável. O Brasil tem tecnologia excelente nessa área, uma produção
competitiva de açúcar, instalações apropriadas e vai ser, sem dúvida, um
exportador desse produto. Mas o fato é que hoje ninguém tem a
exclusividade desse conhecimento.
Veja – Quantas toneladas de gás carbônico a Alcoa emite por ano?
Belda – Em 2006 as emissões da Alcoa no mundo todo foram de 34,4
milhões de toneladas de gás carbônico. A produção de alumínio, no mundo
inteiro, é responsável por 1% da emissão global de carbono, incluindo as
fontes energéticas necessárias para o processo. A Alcoa lidera o setor
com 18% da produção mundial. Graças ao aumento dos índices de reciclagem
e à crescente utilização do material na indústria de transportes,
tornando os veículos mais leves, estima-se que, a partir de 2015, o
alumínio será neutro em termos de emissão de gases causadores do efeito
estufa. Isso porque, na reciclagem de sucata de alumínio, são utilizados
apenas 5% da energia que foi necessária para fabricar o alumínio
primário, a partir da bauxita. Além disso, estamos investindo 200
milhões de dólares em um processo de produção de alumínio que não emite
gás carbônico. Todo o nosso investimento tecnológico é feito com o
objetivo de nos tornarmos livres de carbono.
Veja – Na sua opinião, quais são os pontos positivos e os pontos
negativos do plano de crescimento econômico apresentado pelo presidente
Lula há três semanas?
Belda – Encontrei com o presidente Lula em Davos, na Suíça, onde
participamos de uma palestra. No debate, abordei a seguinte questão:
institucionalmente, o Brasil fez grandes progressos em macroeconomia.
Hoje, todo o mundo fala a mesma língua no que se refere a manter a
estabilidade macroeconômica. Estamos agora chegando à fase micro.
Trata-se de levar as macropolíticas para baixo, para a execução. Sair do
discurso e executar o que foi proposto no seu nível mínimo. Para isso, é
preciso ter uma máquina eficiente de governo. Essa fase é muito mais
complicada. O Brasil tem capacidade de fazer isso.
Veja – O plano apresentado contempla essa necessidade?
Belda – Está na direção certa. O problema agora é a execução, que
requer experiências que nós não fazemos na velocidade e com a
competência necessárias. Sou, no entanto, otimista em relação às
iniciativas do governo Lula neste segundo mandato. Em 1979, o ano em que
assumi a presidência da Alcoa no Brasil, o líder sindical Lula liderou
uma greve em Poços de Caldas contra a companhia. Agora, 28 anos depois,
Lula é o presidente do Brasil e eu o chairman e CEO da Alcoa Inc. Essa
história diz muito a respeito do Brasil, suas oportunidades e também
seus desafios.
Veja – Muitos empresários reclamam da burocracia brasileira para
a aprovação ambiental de obras de infra-estrutura, como as
hidrelétricas. De que maneira isso atrapalha o crescimento brasileiro?
Belda – Isso adia o crescimento econômico, porque resulta em
atrasos de processos e insegurança para o investimento, em geral de
longo prazo. No Brasil, a área de energia elétrica tem sido complicada.
Mesmo depois de o governo ter aprovado um projeto e de todas as regras
terem sido cumpridas, há um setor da sociedade contra a energia
elétrica, contra empresas estrangeiras e contra barragens que toma
medidas para atrapalhar as obras, invadindo áreas, sem o Estado tomar
posição. Isso atrasa e encarece o projeto. Um país pode perfeitamente
crescer com respeito ao meio ambiente.
(Por, Diogo Schleo,
Veja, 15/02/2007)