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2007-02-09
A edição da Science desta sexta-feira (09/02) tem como destaque um dossiê sobre sustentabilidade e energia. O consumo energético global é considerado pela revista como “o maior desafio para um futuro sustentável”.

Os editores da publicação norte-americana ressaltam a dependência mundial dos combustíveis fósseis não-renováveis que foram e continuarão a ser a principal causa da poluição e das mudanças climáticas. “Esses problemas e a crescente escassez das reservas de petróleo tornam cada vez mais urgente a viabilização de energias alternativas”, afirmam.

A edição enfoca alguns dos desafios e esforços necessários “para que a energia sustentável seja mais efetiva em escala suficiente para fazer diferença”. Segundo o editorial, várias das questões fundamentais ligadas ao tema “requerem grandes esforços de pesquisa em áreas que ainda têm pouco investimento”.

Os 22 artigos da seção especial da edição tratam de avanços científicos e de perspectivas em tópicos como energia solar, biocombustíveis, células de hidrogênio, energia fotovoltaica, seqüestro de carbono e produção de combustíveis a partir de microrganismos.

Em um dos textos, Nathan Lewis, da Divisão de Química do Instituto de Tecnologia da Califórnia, nos Estados Unidos, afirma que a conversão direta da luz do sol, com células de energia solar, em eletricidade ou hidrogênio esbarra nos altos custos, independentemente de sua eficiência intrínseca.

Mike Himmel, do Departamento de Bioquímica da Universidade do Estado do Colorado, explica como a União Européia planeja produzir um quarto de seus combustíveis a partir de biomassa até 2030. Em outro artigo, Janez Potocnik, diretor de Ciência e Pesquisa da Comissão Européia, discute como os europeus estão estabelecendo metas e alocando recursos para energias alternativas.

Brasil em primeiro plano
Um dos destaques do dossiê é o artigo Etanol para um futuro de energia sustentável, de José Goldemberg, secretário do Meio Ambiente do Estado de São Paulo. O combustível comum nos postos brasileiros é apontado pela revista em editorial como a “principal alternativa energética viável a curto prazo”.

Para o físico Goldemberg, também professor do Instituto de Eletrotécnica e Engenharia da Universidade de São Paulo (USP), o destaque para o Brasil na edição da Science mostra que a comunidade científica norte-americana percebeu as vantagens do etanol baseado em cana-de-açúcar em relação ao combustível produzido a partir do milho. A Science é publicada pela Sociedade Norte-Americana para o Avanço da Ciência (AAAS, na sigla em inglês).

“Eu não submeti o artigo à apreciação dos editores. Eles entraram em contato e solicitaram a contribuição, o que é raro nesse tipo de publicação. Isso mostra que os norte-americanos se conscientizaram de que o etanol de cana-de-açúcar é um caminho promissor”, disse Goldemberg.

Goldemberg defende que o programa brasileiro, iniciado na década de 1970, seja replicado em outros lugares do mundo. Ele explica que o etanol de cana-de-açúcar é sustentável por consumir, em sua produção, muito menos combustível fóssil que o de milho.

“Além disso, o milho cria uma competição direta entre o uso para alimento e para combustível, o que é um efeito perverso. Com a produção atual de etanol, o preço do milho já subiu, encarecendo o produto inclusive no México, onde é a base da alimentação”, disse.

Combustível para exportação
Segundo Goldemberg, se o modelo brasileiro for replicado em outros países, o Brasil poderá tirar proveito da exportação do produto. “O etanol não contribui para o efeito estufa, por isso os países europeus e o Japão, por exemplo, teriam interesse em importar do Brasil para reduzir suas emissões. No momento há muitas barreiras alfandegárias, mas a necessidade de combater o efeito estufa deverá baixá-las”, disse.

Em seu artigo, Goldemberg aponta que a produção de etanol de cana-de-açúcar no Brasil é de 16 bilhões de litros por ano, o que requer cerca de 3 milhões de hectares de terra. “A competição pelo uso da terra para produção de comida e combustível não tem sido substancial: a cana cobre 10% do total de terras cultivadas e 1% das terras disponíveis para agricultura no país. A área total de plantações (para açúcar e etanol) corresponde a 5,6 milhões de hectares”, conta.

O cientista afirma que a produção de etanol a partir da cana-de-açúcar pode ser replicada em outros países sem grandes prejuízos para os ecossistemas naturais. Em todo o mundo, cerca de 20 milhões de hectares são usados para plantio de cana-de-açúcar, na maior parte para produção açucareira.

“A expansão da produção nos moldes do programa brasileiro de etanol, com um acréscimo de 30 milhões de hectares no Brasil e em outros países, seria suficiente para que o etanol substituísse 10% da gasolina usada no mundo. A área corresponde a uma pequena fração dos 2 bilhões de hectares de áreas cultivadas em todo o mundo”, explicou.

Importância ambiental
Goldemberg afirma que a expansão do uso do etanol não deverá pressionar o meio ambiente. “Existem amplas possibilidades de expandir sem precisar usar áreas que envolvam degradação. Em São Paulo, a produção de cana-de-açúcar ocorre em áreas já degradadas e ainda há espaço para duplicar ou triplicar a produção usando só essas áreas.”

O biodiesel, de acordo com o professor, representa perigo ambiental iminente. “O problema é que ele está sendo produzido a partir da soja. É preciso procurar outras culturas, como dendê ou pinhão-bravo. A soja, ao contrário da cana-de-açúcar, é cultivável na Amazônia. Permitir que o programa seja dependente da soja é um grande perigo”, afirmou.

Em seu artigo, Goldemberg destaca que mais de 80% do total da energia utilizada do mundo é proveniente de combustíveis fósseis, que pouco mais de 6% correspondem à energia nuclear e que apenas cerca de 13% vêm de energias renováveis. “Mas boa parte dessa biomassa é usada de maneira não renovável. A grande oportunidade que temos é modernizar o uso de biomassa, e isso é o que está sendo feito com o etanol e o biodiesel”, disse. O dossiê pode ser lido por assinantes da Science em www.sciencemag.org.
(Por Fábio de Castro, Agência Fapesp, 09/02/2007)

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