O que os modernos carros movidos a hidrogênio e o projeto espacial Apollo, da década de 1960, têm em comum? Parece difícil imaginar, mas ambos têm sua energia proveniente da mesma tecnologia, a célula a combustível (CaC), área na qual Universidade de São Paulo (USP) e o Instituto de Pesquisas Energéticas Nucleares (Ipen) têm avançado significativamente com pesquisas recentes.
Células a combustível são dispositivos que convertem diretamente a energia química em energia elétrica e calor – ao contrário dos métodos tradicionais, onde a energia química passa por diversas fases até se tornar elétrica.
Mas o que chama atenção nesta célula é seu caráter renovável: ela é uma fonte de energia sustentável. Como o hidrogênio é empregado como combustível, o único resíduo da produção de energia é a água. Nas formas comuns de obtenção de energia, temos resíduos prejudiciais ao ambiente, como por exemplo o gás carbônico, um dos vilões do aquecimento global.
Para gerar energia, é preciso tirar hidrogênio de algum lugar. O “hidrogênio verde” é obtido da seguinte forma: quebra-se uma molécula de biomassa (tipo o etanol, obtido da cana-de-açúcar), que libera gás carbônico e hidrogênio. E quando a cana-de-açúcar (para poder obter a energia de novo) é plantada, utiliza gás carbônico de volta (ela usa na fotossíntese, para poder crescer). Então, no balanço final, a obtenção do hidrogênio através da quebra do etanol não deixa resíduos.
Atualmente, o único problema ambiental que a célula pode causar está na obtenção do hidrogênio – que não pode ser encontrado isolado na natureza. Na forma mais barata de obter hidrogênio são usadas fontes fósseis, mas neste processo existe a liberação de gás carbônico. O hidrogênio obtido desta maneira é denominado pela comunidade científica como “hidrogênio negro”.
Em contrapartida a este processo, existe o “hidrogênio verde”. Ele é obtido na quebra da biomassa (o etanol, da cana-de-açúcar, por exemplo), e o gás carbônico liberado é fixado quando a fonte de energia é replantada.
A idéia da célula a combustível não é nova: seu princípio de funcionamento existe há mais de cem anos. Nas décadas de 1960 e 1970, essas células foram usadas na prática pela primeira vez, no projeto espacial norte-americano. Com o avanço da engenharia de materiais, na década de 1980, surgiram os materiais nanoestruturados, que possibilitaram a fabricação de uma célula eficiente e de menor custo.
De lá pra cá, têm ocorrido significativos avanços na áres de pesquisa de eletrólitos para a célula. Os tipos variados de eletrólitos - condutores de partículas carregadas positiva ou negativamente (íons) - que determinam a classificação e os estudos em torno da célula.
O Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen), autarquia estadual associada para fins de ensino de pós-graduação à USP, desenvolve pesquisas na área de células a combustível desde 2000. Em 2007, foi inaugurada uma nova frente de estudos da instituição: o Programa de Células a Combustível e Hidrogênio (Procel), que tem o objetivo de gerar conhecimento e tecnologia nesta área.
O coordenador do projeto, Marcelo Linardi, destaca o papel do Procel como agente necessário para capacitar o Brasil para a “economia do hidrogênio” – um sistema onde a produção da energia vem do hidrogênio e não do petróleo, como acontece atualmente.
Segundo Linardi, “a plena economia do hidrogênio prevê que ele venha de fontes renováveis, para que ele tenha sustentabilidade”, e é por isto que o Procel tem uma sub-área que cuida especificamente das formas de obtenção de hidrogênio – com foco na busca pelo hidrogênio verde.
Além da parte administrativa e da produção de hidrogênio, o programa tem mais três sub-áreas. Uma delas estuda as células PEM, uma espécie de célula a combustível que funciona em temperaturas consideradas baixas, até 80ºC. A outra estuda as células SOFC, uma CaC onde existe a combustão de óxidos sólidos e o eletrólito trabalha a mais de 800ºC. A terceira sub-área é denominada “sistemas”. Ela visa integrar as outras áreas, e pesquisar a produção comercial da CaC.
Dentre as novidades trazidas recentemente pelo grupo, temos a primeira célula SOFC a operar no Brasil com tecnologia nacional e o desenvolvimento de catalisadores para a quebra do etanol.
O Ipen também pesquisa o uso das células a combustível de cerâmica contra a poluição. Um grupo da instituição pensa na viabilidade de gerar energia limpa através da quebra de gases encontrados no lixão. Confira aqui as perspectivas para o futuro desta nova tecnologia.
(Por
Amanda Demetrio,
USP online, 09/02/2007)