Divergências entre Ibama sede e regional geram polêmica em licenciamento ambiental no Tocantins
2007-02-08
O processo de licenciamento ambiental da Usina Hidrelétrica Peixe Angical, no Tocantins, mesmo com o empreendimento contando com Licença de Operação, vem há anos deixando transparecer uma série de críticas por parte de instituições organizadas - como o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). Mais recentemente, está sendo alvo de contestação por parte de profissionais que atuaram diretamente na fiscalização quando o empreendimento estava na fase de Licença de Instalação (LI), ainda no âmbito da sede regional do Ibama, naquele Estado.
O coordenador do MAB, Cirineu Rocha, já havia denunciado a falta de diálogo com a comunidade do entorno da obra, que se iniciou em 2002, levando, em março do ano seguinte, à mobilização de comunidades para cobrar da Enerpeixe – consórcio criado para a construção da usina – a abertura de negociações com a população local. O Ibama tentou, depois, intermediar essas negociações. Conforme Rocha, “chegou a discutir o estatuto, quem participaria e o regimento interno, mas ficou com a coordenação e nunca reuniu a comunidade e a empresa para discutir a proposta da comunidade”.
Na seqüência, erros em procedimentos e no cumprimento de exigências legais por parte do empreendedor desencadearam mais problemas de entendimento entre a administração central do Ibama, em Brasília, e a regional do órgão, no Tocantins.
A Licença de Operação da UHE Peixe Angical, com capacidade de produção de 452 MW, foi concedida pelo Ibama em 31 de janeiro do ano passado. De acordo com o médico veterinário Edilson Esteves, especialista em Gestão e Manejo Ambiental em Sistemas Florestais que atuou no licenciamento, o Plano Básico Ambiental (PBA) da Enerpeixe teve diversos itens não cumpridos, o que gerou divergências entre o pessoal do Ibama local (Tocantins) e central (Brasília).
Dificuldades – As dificuldades iniciaram-se já em 2002, época em que o processo de licenciamento ambiental estava a cargo da Naturantins, órgão ambiental do Tocantins. A Justiça entendeu que como o Rio Tocantins não está apenas naquele Estado, e os impactos do empreendimento seriam estendidos a outras unidades da federação, o licenciamento deveria ficar a cargo do Ibama federal. Assim, em setembro de 2002, a Diretoria de Licenciamento Ambiental do Ibama sede assumiu o processo na fase de emissão da licença de instalação (LI), atendendo decisão judicial. A Licença de Instalação – que possibilita o início das obras – então já concedida pela Naturatins, à Enerpeixe S.A., foi suspensa. Isso levou à paralisação do empreendimento e obrigou o Ibama a emitir uma Licença Especial (nº 02/2002), em 20 de setembro de 2002, válida por dois meses. Em dezembro daquele ano, a obra obteve LI do Ibama, mas daí em diante, uma série de descumprimentos nos termos do PBA, por parte do empreendedor, fizeram com que o andamento das negociações entre o consórcio e o Ibama se arrastassem. Somente no final de janeiro de 2006 foi emitida a Licença de Operação (LO), que autoriza a entrada em funcionamento da obra. “Essa demora ocorreu por causa da própria obra e dos processos de negociações, associado ao fato de que o empreendedor queria desmatar uma pequena área, não aceita pelo Ibama, ou seja, o empreendedor teve que disponibilizar mais recursos para a supressão de vegetação, entre outras atividades”, relata Edilson Esteves.
Ação Civil Pública – Em julho do ano passado, uma ação civil pública foi movida contra o Ibama e o consórcio Enerpeixe, requerendo que a Justiça determinasse a aplicação de multa de R$ 10 milhões pelo não cumprimento do Plano Básico Ambiental, e mais R$ 100 milhões pelos danos ambientais decorrentes desse descumprimento. Conforme Esteves, o consórcio não aproveitou o material lenhoso produzido com o processo de supressão da
vegetação, mas procedeu à queima do mesmo, não enterrando as cinzas resultantes dessa queima. Além disto, afirma o especialista, estradas vicinais rurais foram abertas “com uma série de não conformidades ambientais – assoreamento de cursos d’água, destruição de áreas e preservação permanente, áreas de empréstimos sem recuperação etc”. Esteves destaca que “considerando esses aspectos, estamos diante de ações contrárias ao
conteúdo do ofício nº 61/2005 – DILIQ/IBAMA e Autorização de Supressão de VEGETAÇÃO nº 33/2005 e nº 69/2005, portanto devendo ser o empreendimento submetido às sanções administrativas”.
PBA deficiente – Além disto, o veterinário aponta que o resgate de animais não foi feito da maneira como deveria, “sendo que os pontos de soltura dos animais resgatados estavam fora da área combinada, entre outros problemas”. E mais: “houve a permanência de material lenhoso em curso d’água e no traçado da linha de transmissão, caracterizando descumprimento dos itens 2.4 e 2.8 da Autorização de Supressão de Vegetação nº 30/2005”. Na avaliação do especialista, “uma licença ambiental com tantas condicionantes, é porque o PBA estava bem deficiente, portanto deveria ser recusado, e a LI indeferida até a adequação do PBA”.
Para Edilson Esteves, o excesso de centralização do processo de licenciamento ambiental nas mãos do Ibama sede, em Brasília, é prejudicial porque as equipes locais do órgão têm condições mais adequadas de permanecer durante um tempo maior fazendo vistorias e fiscalizações junto ao empreendimento, conseguindo, assim, detectar com mais detalhes os problemas. “A equipe do Ibama sede fez uma vistoria entre os dias 7 e 10 de fevereiro de 2006 e nós [do Ibama Tocantins] ficamos 21 dias em campo, detectando diariamente não conformidades”, afirma. “Entre as pendências estavam, por exemplo, a retirada de material lenhoso, de troncos, galhadas e folhas da área de inundação, para que não fossem carreados para o reservatório, bem como não promovesse o acúmulo de material vegetal junto às comportas”. Aqui há uma divergência de entendimento entre as orientações do Ibama sede e regional. O primeiro entendeu, na ocasião, que era comum o material lenhoso estar à beira do lago porque o empreendedor, então, se encontrava ainda em trabalho. Mas, para Esteves, “se o empreendedor ainda estava efetuando a limpeza e desmatamento da bacia de inundação, não deveria ter solicitado a emissão da LO, já que não havia cumprido ainda o PBA e as condicionantes”.
(Por Cláudia Viegas, AmbienteJÁ, 08/02/2007)