Por Marcos Sá Corrêa
Coitado do embaixador brasileiro para o aquecimento global! O chanceler Celso Amorim ameaça criá-lo, para provar ao mundo que o Itamaraty não tem medo da mudança climática, pelo menos enquanto a política externa puder contar com salões refrigerados. Mas o escolhido cairá num posto seco, previamente crestado pela parlapatice da diplomacia latino-americana, a mesma que há anos ouve calada os países ricos derrubarem oficialmente a cotação do Brasil no mercado internacional das incertezas sobre o futuro do planeta.
Quem fez a conta dessas perdas e danos foi a ambientalista Suzana Padua, com a mesma voz moderada que usa para defender pontos de vista em bate-boca de assentamento do MST no Pontal do Paranapanema. “Estamos assistindo por aqui a uma redução drástica do apoio internacional à área do meio ambiente “, ela avisa.
Vão tomando o rumo de outras prioridades os cinco milhões de dólares que os Estados Unidos, através da USAID, tradicionalmente destinava “a programas e projetos integrados de conservação da natureza e da melhoria de vida de comunidades locais”, apoiando as alternativas menos predatórias para a geração de renda. A secretária de Estado Condolezza Rica declarou “há meses que o Brasil já não seria prioridade” nessa linha de financiamento. “E ninguém reagiu”, diz Suzana. Resultado: “as verbas para o Brasil estão em risco de extinção”.
Choradeira e aviso
Não confundir esses argumentos com a choradeira típica dos ambientalistas que vivem de esmola. Suzana preside o Ipê. Esse Instituto de Pesquisas Ecológicas nasceu há 15 anos em seu quarto, por absoluta falta de outro espaço na casa para reunir a equipe, que se resumia na época ao biólogo Claudio Padua, marido de Suzana, e um punhado de estudantes. A equipe estava interessada antes de mais nada em salvar os micos-leões-pretos que estudavam no Morro do Diabo, uma reserva estadual espremida entre fazendeiros e acampamentos de sem-terra no sudoeste de São Paulo.
Nos primeiros tempos, o Ipê funcionou da mão para a boca, com um orçamento que a duras penas lhe cobria as despesas de 20 mil dólares por ano. Hoje, administra cinco milhões de reais. Atua em cinco regiões do país, da Amazônia ao Paraná. Emprega 85 pessoas, contando com dez doutores e 16 mestres. Tem o patrocínio cativo de grandes marcas, como as Havaianas e a Natura. Coleciona os melhores prêmios internacionais, como o Whitley e o Rolex. Está construindo em Nazaré Paulista um centro avançado de biologia da conservação.
O Ipê não tem de que se queixar. Por isso, quando Suzana Pádua reclama, convém ouvi-la, porque se trata de interesses legítimos. O que a procupa atualmente é que o meio ambiente,em si, está se deixando desvalorizar por estas bandas, apesar dos trunfos inegáveis de nosso patrimônio natural. “O Departamento para o Desenvolvimento Internacional do Reino Unido também reduziu os aportes que eram destinados ao Brasil”, ela continua. Por mais de uma década, vieram de Londres para cá anualmente cerca de 12 milhões de libras. Em 2002, o dinheiro dos ingleses começou a secar. Em 2005, acabaram os últimos projetos que ele bancava. E não brotaram outros.
Orgulho e auto-suficiência
No Banco Mundial, o Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais, montado em US$ 250 milhões, “está agora em marcha lenta”. Segundo ela, “as perspectivas de renovação não são firmes e os recursos destinados à conservação estão cada vez mais reduzidos”. Ultimamente, fala-se mais no Banco Mundial “em rodovias e hidroelétricas para a Amazônia, tendência apoiada pelo governo brasileiro , que tem, no mínimo, visão de curto prazo”. Em outras palavras, numa hora em que salvar a natureza tem tudo para virar um bom negócio, o Brasil parece decidido a passar o ponto.
Se ele recua em silêncio não é por falta de gogó, porque isso o governo já nos cansou de provar que tem de sobra. A política externa brasileira raras vezes gostou tanto de uma boa fanfarronada. Mas Suzana Pádua, que é pessoa amável, faz o possível para ouvir, por trás do mutismo de Brasília, a palpitação de “um senso de orgulho,como se o Brasil não precisasse de ajuda, como se fosse auto-suficiente”. Quer dizer, vem aí o embaixador do autismo diplomático.
(
O Eco, 06/02/2007)