O governo desenha um novo formato para os leilões das usinas hidrelétricas do rio Madeira, previstos para 2007. A idéia desenvolvida pelo Ministério de Minas e Energia é acirrar ao máximo a competição no setor privado e oferecer, ao consórcio que se comprometer com as menores tarifas de geração de energia e vencer as licitações, uma participação estatal para impulsionar a construção das usinas, por meio da Eletrobrás ou do BNDES-Par.
O que se busca é uma forma de superar eventuais obstáculos jurídicos para a entrada de subsidiárias da Eletrobrás ou do BNDES-Par no negócio somente depois dos leilões. Ambos possuem o mesmo status legal de empresas privadas no momento de participar de uma licitação. Por isso, o que se estuda é como viabilizar a participação das estatais não apenas em um consórcio específico, como a ensaiada aliança entre Furnas e Odebrecht, mas oferecer um "empurrão" ao grupo privado com a melhor proposta.
Em fase de estudos, esse modelo para os leilões do Madeira tem dois objetivos principais. O primeiro é estimular a competição na busca por tarifas mais baixas e um custo de construção menor.
As duas usinas - que serão licitadas separadamente - podem consumir investimentos de até R$ 20 bilhões, segundo os estudos de viabilidade econômica realizados por Furnas e Odebrecht. Sem dar pistas do novo formato de leilão em análise no governo, o ministro Silas Rondeau deu uma nova estimativa de custos, há duas semanas, na divulgação do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Segundo ele, a construção do complexo hidrelétrico poderia cair para algo entre R$ 12 bilhões e R$ 18 bilhões, por causa da competição.
O segundo objetivo do governo é afastar as críticas de que os leilões serão um jogo de cartas marcadas para entregar a concessão a Furnas e Odebrecht. As duas empresas fizeram em conjunto os estudos de viabilidade e de impacto ambiental das usinas do Madeira. A expectativa do mercado era que elas fossem juntas às licitações, mas isso pode acabar não acontecendo se o governo encontrar uma forma de oferecer apoio de estatais ao investidor privado que garantir os melhores preços nos leilões.
A Odebrecht já tem três parceiros prováveis para a disputa: as fabricantes multinacionais de equipamentos Alstom Power, Voith-Siemens e VA Tech. Um grupo de pesos-pesados da indústria que investem em energia para consumo próprio também já demonstrou interesse em participar das usinas com até um terço do capital necessário. Na semana passada, a Abiape, associação de investidores em auto-produção de energia - que reúne Camargo Corrêa, BHP Billiton e Gerdau, entre outros -, apresentou formalmente a Rondeau a disposição das associadas em entrar nas licitações, em parceria com os consórcios.
Agora, um novo grupo de empresas nacionais e estrangeiras promete esquentar a disputa. O sócio-diretor da PLP Consultoria, José David Pons, um dos articuladores do grupo, afirmou que a formação do consórcio deverá ser fechada no fim do mês, quando representantes dos investidores vão se reunir na China. A chinesa CTIC está disposta a investir US$ 2 bilhões em capital próprio nas hidrelétricas, disse Pons. As demais empresas podem entrar com 30% do valor das usinas, em recursos próprios, e pleitear financiamento para o restante junto ao BNDES.
O consórcio articulado por Pons tem outro participante de peso: a Impsa, da Argentina, que recentemente comprou a divisão de equipamentos hidrelétricos da General Electric. Segundo o executivo, novos investidores potenciais são "bem-vindos", mas o atual grupo de empresas já tem "inércia suficiente" para entrar nos leilões com poder de fogo para arrematar as concessões.
Pons acrescentou que foram contratadas quatro equipes de engenheiros para "revisar" os estudos de viabilidade conduzidos por Furnas e Odebrecht. As equipes vão atuar nas áreas de engenharia civil, elétrica, mecânica e socioambiental. Uma vez concluída essa avaliação, o consórcio definirá até onde pode baixar as tarifas para ganhar a disputa. Pons só faz uma ressalva: "Se a tarifa resultante da nossa análise for superior ao que o governo está disposto a permitir, aí estamos fora".
A primeira usina que irá a licitação é Santo Antônio, provavelmente em maio ou junho, na expectativa do governo. Ela terá capacidade para gerar 3.150 megawatts (MW). A perspectiva é leiloar Jirau, com potência instalada de 3.300 MW, no fim deste ano ou no início de 2007. O licenciamento ambiental, entretanto, é feito de maneira conjunta.
O diretor de licenciamento do Ibama, Luiz Felippe Kunz Jr., afirmou que a autarquia pretende concluir ainda em fevereiro a análise da viabilidade ambiental do empreendimento. Uma reunião com técnicos bolivianos está prevista para ocorrer nos próximos dias, no Rio. A equipe do Ibama, funcionários de Furnas e do Ministério de Minas e Energia vão explicar em detalhes o projeto do complexo hidrelétrico.
De acordo com Kunz, se ficar comprovado que as usinas não causam impacto no território boliviano, conforme argumenta o estudo ambiental feito pelo consórcio Furnas-Odebrecht, o Ibama não dependerá de aval da Bolívia para emitir a licença prévia. "Mas ainda não tenho um parecer dos técnicos sobre a viabilidade ambiental", informou o diretor do Ibama. O governo se comprometeu apenas a informar detalhadamente os bolivianos sobre a análise e o andamento do projeto, por meio do Itamaraty.
Organizações não-governamentais do país vizinho pressionam o presidente Evo Morales a tomar uma atitude mais radical em relação ao complexo do Madeira, alegando que os futuros reservatórios terão impactos fluviais transfronteiriços. Originalmente, o projeto do Madeira previa mais uma usina binacional e uma quarta hidrelétrica do lado boliviano - além de um corredor hidroviário no rio amazônico. Com capacidade total para agregar 6.450 MW ao sistema interligado nacional, as usinas de Santo Antônio e Jirau são tidas como fundamentais, pelo governo, para garantir o fornecimento de energia elétrica após 2010.
(Por Daniel Rittner,
Valor Econômico, 05/02/2007)