Emissão de gás carbônico precisa cair pela metade
2007-02-05
Deter o aquecimento global vai ser difícil, os resultados vão demorar a aparecer e vai ser preciso negociar muito para que o potencial de redução na emissão de gases-estufa nos países em desenvolvimento possa ser aproveitado. Segundo o IPCC, o maior volume das oportunidades mais fáceis para tentar frear a mudança climática está nas nações pobres.
Os números divulgados ontem indicam que para evitar o pior cenário possível em 2100 --um aumento maior que 4,5ºC na temperatura média global--, a humanidade teria de cortar pela metade a emissão de gás carbônico prevista para esse século. Um desafio e tanto.
"Se quisermos limitar o aquecimento a 2ºC, podemos jogar "apenas' 750 bilhões de toneladas de CO2 na atmosfera neste século", disse à Folha Meinrat Andreae, climatologista do Instituto Max Planck de Química, da Alemanha. Se não fizermos nada, emitiremos no fim do século até 1,4 trilhão de toneladas.
Impossível? "Não há um momento a partir do qual a coisa se torna impossível, mas ela fica mais difícil à medida que o tempo passa", diz Andreae.
Para ter uma idéia do tamanho do problema que é evitar a emissão de 650 bilhões de toneladas de CO2, basta saber que o Protocolo de Kyoto --tratado assinado em 1997 para cortes de emissão-- previa conter só 5 bilhões em emissões até 2012.
Para traçar um panorama maior de mitigação (medidas para reduzir o gás carbônico na atmosfera), o chamado Grupo de Trabalho 3 do IPCC prepara um relatório para maio. Uma versão preliminar do trabalho obtida pela Folha mostra que os cientistas já estimam como evitar a emissão de até 40 bilhões de toneladas de CO2 até 2030 (veja quadro acima).
O trabalho do Grupo 3 está deixando três idéias claras.
A primeira delas é que não vai adiantar tentar concentrar mudanças apenas na política de geração de energia. A indústria e a agricultura têm uma grande contribuição a dar. "E o relatório está mostrando que o potencial na parte de edificações [residências e comércio] é absurdamente grande", diz Roberto Schaeffer, economista da UFRJ que integra o grupo.
A segunda é uma das poucas boas notícias relativas à mitigação e se refere aos custos para cortar emissões.
Uma boa parte do trabalho pode se feita por meio de investimentos que retornam, resultando em custo zero ao final. "Em geral são melhorias em eficiência energética", diz Schaeffer. Para simplificar, basta pensar que economizar energia significa economizar dinheiro também. "Existem inclusive medidas que têm custo negativo [ou seja, dão lucro]."
O terceiro e mais complicado aspecto apontado pelo relatório provisório, porém, é uma constatação que já estava esboçada pelo Protocolo de Kyoto: as melhores oportunidades para cortar emissões estão nos países em desenvolvimento.
"A razão desse potencial, de maneira geral, é que a infra-estrutura desses países ainda não foi totalmente construída", diz Schaeffer."Quem ainda está por fazer usinas e indústrias ainda tem a opção de escolher tecnologias mais limpas', explica. 'Para quem já tem tudo instalado, fica mais difícil."
Diante desse cenário, os países industrializados poderiam tentar empurrar a responsabilidade para os pobres, exceto por uma razão. "A responsabilidade histórica dos países desenvolvidos é muito maior do que a nossa, e hoje eles emitem muito mais", diz Suzana Kahn Ribeiro, também da UFRJ e do Grupo 3 do IPCC.
Kyoto desobrigou os pobres de reduzir emissões, mas a pressão para que isso ocorra no futuro é cada vez maior.
Há uma corrente de acadêmicos que é contra isso. "Impor metas do tipo 'Kyoto' a um país como o Brasil não funcionaria, porque o governo não tem tanto controle sobre o desmatamento da Amazônia, que é a nossa maior fonte de emissão", diz o físico Luiz Gylvan Meira Filho, da USP.
Como, então, criar um incentivo para que nações pobres aproveitem seu potencial? Meira Filho foi um dos artífices chamado Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), ferramenta do acordo de Kyoto que gerou um mercado no qual países ricos podem bancar medidas de mitigação para os pobres em troca de abatimento nas suas cotas de redução.
"Com todo esse potencial nos países em desenvolvimento, com as opções mais baratas aqui, nossos projetos de mitigação são muito mais atraentes", diz Khan Ribeiro. "O problema é que se todos esses projetos forem feitos gerando créditos para países desenvolvidos, eles bancarão apenas a parte mais fácil da solução."
Se os países em desenvolvimento tiverem de assumir metas, a parte mais fácil do trabalho já vai ter entrado na conta das nações ricas, raciocina Ribeiro. "Aí só nos restariam as opções mais caras". O problema seria contornável se a mitigação nos países pobres fosse bancada por fundos internacionais. Desatar esse nó demandará muita discussão na formulação de um acordo pós-Kyoto (o protocolo expira em 2012).
(Por Rafael Garcia, Folha de S.Paulo, 03/02/2007)
http://www1.folha.uol.com.br/folha/ciencia/ult306u15958.shtml