Catadores, que desconhecem o aquecimento global, sobrevivem da proteção ao meio ambiente
2007-02-05
Daiane da Silva tem 19 anos. É catadora de papel. Na base da pirâmide da exclusão social brasileira, ela contribui diariamente para minimizar o impacto do consumo inconseqüente sobre o meio ambiente. Mas não sabe disso. Nem se preocupa. Para ela, a notícia de que a terra pode vir a ficar, em média, até 4 graus mais quente daqui ao ano de 2100 significa pouco ou quase nada.
O que incomoda Daiane é perder o acesso aos restos que garantem o alimento dela e dos filhos. "É muito importante", diz, sobre a reciclagem de papel e alumínio. "Porque se não tiver lixo para a gente reciclar, como vamos dar comida aos filhos? A gente morre de fome".
Daiane mora em um barraco, numa invasão, em frente ao prédio da Procuradoria Geral da República (PGR), a cerca de um quilômetro do Palácio do Planalto e da entrada da Esplanada dos Ministérios.
Com a divulgação do relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas, das Nações Unidas, a discussão sobre o aquecimento global ganhou as manchetes de todos os veículos de comunicação do planeta. E o debate sobre o que fazer para preservar o meio ambiente trouxe de volta os argumentos em defesa da ação individual.
Em entrevistas na sexta-feira (4), no entanto, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva cobraram alterações na concepção de desenvolvimento. Seria isso, segundo eles, o que impediria o avanço da barbárie ambiental que pode resultar em catástrofes naturais, como aumento de tempestades e chuvas fortes.
De acordo com o pesquisador Carlos Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), o aquecimento global é um problema para a atual geração. Mesmo assim, na opinião do pesquisador, o nível de consciência ambiental da população ainda está em construção.
"O que me preocupa é o nosso sofrimento aqui. Porque, quente ou não, o que importa é a gente ter um lugar para morar, trabalhar, ter uma vida digna", afirma Daiane. "A chuva só é ruim mesmo porque a gente mora em um barraco e quando chove a enxurrada vem e molha tudo. Mas sol é bom", completou.
Jonas do Nascimento, 32 anos, pai de 8 filhos, é catador de latas. É um dos inúmeros anônimos que diariamente contribuem para que o Brasil seja uma potência mundial na reciclagem de alumínio. No que se refere à ação individual, faz a sua parte, sem jamais ter ouvido falar em aquecimento global ou efeito estufa.
As latas, ele cata para poder comprar arroz e feijão. Recebe R$ 2 pelo quilo do alumínio. Confrontado com a informação de que o aquecimento global é uma realidade, Nascimento demonstra preocupação. "Vai ser pior. Já não está prestando. E aparece um negócio desse aí, acaba tudo".
(Por Marcela Rebelo, Agência Brasil, 04/02/2007)
http://www.agenciabrasil.gov.br/noticias/2007/02/04/materia.2007-02-04.3543147494/view