O cenário do aquecimento global traçado pelo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês), divulgado nesta sexta-feira (02/02), em Paris, é considerado preocupante tanto para ambientalistas, comunidade científica, como para os governos de países emissores de gases de efeito estuda (GEE). O aumento da temperatura do planeta entre 1,8ºC e 4ºC até o final deste século é um fenômeno inevitável e as suas conseqüências climáticas já são sensivelmente percebidas.
O estudo do IPCC aponta a ação humana como sendo a maior responsável pelo aquecimento do planeta. “Concentrações atmosféricas globais de dióxido carbônico, metano e óxido de nitrogênio tem aumentado notavelmente como resultado das atividades humanas desde 1750 e por muito excedeu os níveis pré-industriais”, descreve o relatório. Segundo o IPCC, o aumento global das taxas de dióxido de carbono se deve principalmente ao uso de combustível fóssil, ou seja, o petróleo.
Segundo o estudo, o aquecimento climático é uma certeza e é evidente a partir das observações de aumento das temperaturas do ar e dos oceanos, devido ao derretimento de neve e gelo.
Antártida e Grooenlândia
Atualmente já é possível perceber os efeitos das alterações climáticas. A Antártida, por exemplo, tem sofrido um intenso processo de derretimento. Junto com a Groelândia, foi responsável por 15% do aumento do nível do mar entre 1993 e 2003. Em várias partes do mundo, há mudanças nos níveis de precipitação de chuvas, na salinidade dos oceanos e na chegada de secas, tempestades, ondas de calor e ciclones tropicais intensos, como os que atingem a região da América Central.
O aumento de até 4ºC na temperatura da Terra precisa ser evitado. De acordo com estudos, quando o aquecimento ultrapassa os 2ºC, um bioma como o da Amazônia sofre perda de biodiversidade. De acordo com estudos do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (INPE), é possível que a própria Amazônia tenha a sua temperatura elevada entre 3ºC a 4ºC nos próximos 70 anos, o que poderia transformar grande parte de suas florestas em savanas. O Brasil é o quarto maior emissor de gás carbônico do mundo. Além das indústrias e automóveis, o desmatamento na Amazônia é o grande vilão da história. Cerca de 75% das suas emissões são decorrentes das queimadas de florestas nativas.
Diante dessas e outras conseqüências, a comunidade científica busca saídas para minimizar os efeitos do aquecimento global. Uma das possíveis soluções mitigadoras é a redução em 50% dos níveis de emissão dos gases de efeito estufa até 2050.
Contudo, há o alerta de que as atitudes a serem realizadas no máximo durante as próximas duas décadas são decisivas. Caso isso não ocorra, o planeta entrará num processo irreversível (e negativo) das suas condições climáticas.
Previsões e alternativas para o Brasil
O relatório do IPCC transforma os combustíveis fósseis nos grandes responsáveis pelo aquecimento global. Diante da situação, até mesmo o governo norte-americano, considerado um dos grandes responsáveis pelo efeito estufa, resolveu tomar providências. Na semana passada, o presidente Bush indicou que o país deve diminuir o consumo de gasolina em 20% nos próximos dez anos, passando a adotar biocombustíveis.
Não apenas os governos estão procurando alternativas que correspondam à demanda de energia crescente. Segundo relatório da organização não-governamental Greenpeace, até 2050 a demanda mundial por energia será equivalente a seis mil usinas de Itaipu, o que corresponde a 74.650GW.
O Greenpeace e a Escola Politécnica (Poli) da Universidade de São Paulo (USP) publicaram um estudo com três cenários futuros de geração de eletricidade para o Brasil até 2050. O primeiro cenário é uma projeção a partir de dados da Empresa de Planejamento Energético (EPE), órgão do Ministério de Minas e Energia. O segundo e o terceiro são projeções da USP e do Greenpeace, respectivamente, e consideram a substituição máxima dos combustíveis fósseis pelos renováveis.
As avaliações tiveram como base o aumento populacional, crescimento do PIB e fontes e tecnologias de energia disponíveis. Para o país, seria possível substituir as fontes de energias consideradas pela ONG como sujas (óleo, carvão e nuclear) por fontes de energia renováveis (eólica, solar e biomassa). O uso dessas fontes limpas corresponderia a 88% da matriz energética brasileira.
Alteração de matriz
Dados de 2005 apontam que a matriz elétrica brasileira é composta por 84% de produção hidrelétrica, 4% de biomassa, 4% de gás natural, 4% de diesel e óleo combustível, 3% nuclear e 1% de carvão. No cenário traçado pelo Greenpeace, chamado de Revolução Energética, a geração de eletricidade se dividiria em 38% em hidrelétricas, 26% em biomassa, 20% em eólica e 12% em gás natural, considerado uma fonte de energia de transição por ainda ser poluidor.
De acordo com Marcelo Furtado, diretor de campanhas do Greenpeace, o planejamento da ONG exclui as grandes hidrelétricas de maiores impactos sócio ambientais como a de Belo Monte e apenas conta com pequenas centrais hidrelétricas. Segundo ele, é preciso pensar também na questão da sustentabilidade dessas fontes.
O relatório afirma que esse processo é possível se houver continuidade do crescimento do mercado de energia renováveis modernas, como a solar e a eólica, nas próximas duas décadas. Nos últimos dez ano, a energia eólica cresceu 30% ao ano e a solar 40%.
O Greenpeace aponta também a introdução de um alto padrão de eficiência energética para aparelhos elétricos e outros consumidores de energia, como veículos automotivos e industriais, o que ajudaria a reduzir a demanda de energia do país. Se adotado em escala global, esse padrão pode conseguir diminuir a demanda energética mundial pela metade nos próximos 50 anos. No caso, não seriam mais necessárias 6 mil Itaipus, mas apenas 3 mil, o que equivaleria a 36.860 GW.
André Gimenes, pesquisador da Poli-USP, acredita que os cenários podem orientar o planejamento energético e políticas de governo para o setor. Ele prevê que entre 2030 e 2040 haverá mais infra-estrutura para que as fontes renováveis sejam mais acessíveis e mais econômicas, o que viabilizaria a rápida adoção.
“É possível atender a demanda futura de energia por fontes renováveis. Não totalmente, mas mais do que o uso padrão atual”, afirma. Para o pesquisador a substituição energética beneficiaria a indústria do país por torná-la mais competitiva. No futuro, segundo lembra Furtado, as emissões de carbono serão penalizadas e esse ônus seria convertido nas receitas das empresas.
O diretor do Greenpeace diz que o Brasil tem vantagem frente a outros países em desenvolvimento como a China, que é bastante dependente do uso do carvão. Atualmente, o Brasil conta com uma matriz energética, suja composição vem de fonte limpa, ou seja, a hidrelétrica.
(Por Natália Suzuki,
Agência Carta Maior, 02/02/2007)