Uma rara espécie no aparelho estatal de Mato Grosso, funcionários com capacidade de reprimir e prevenir crimes ambientais, acaba de perder uma diminuta mas importante população. Com uma determinação oficializada em 18 de janeiro, o novo comandante da Polícia Militar do estado, coronel Adaildon Evaristo de Moraes, desativou o seu Batalhão Ambiental. Eram apenas 140 homens distribuídos por quatro bases no estado, muito pouco – até mesmo na visão de seu comando, que achava que o efetivo deveria ser sete vezes maior – para patrulhar os quase 907 mil quilômetros quadrados de território estadual onde, comprovadamente, há uma alta concentração de crimes contra o meio ambiente.
A polícia ambiental de Mato Grosso não sumiu sozinha. Junto com ela foram-se também outros batalhões de policiamento especializado, como o de Trânsito e o Rodoviário, em nome de uma reengenharia, segundo o comando da corporação, destinada a concentrar forças no combate a crimes que ele considera importantes e que são eminentemente urbanos, tráfico de drogas e armas, homicídios e assaltos. “Mas isso não quer dizer que vamos afrouxar a repressão e prevenção a crimes ambientais” diz o major Alberto Barros Neves, porta-voz da instituição. “Apenas que vamos focar naquilo que os índices de criminalidade indicam ser nossos principais problemas”.
Lembrado que o desmatamento no estado também alcança índices estelares de ilegalidade – em outubro, 92% das derrubadas em propriedades particulares aconteceram nas suas reservas legais – o major Alberto não se aperta. “Veja bem, nós desmobilizamos os batalhões especializados para aumentar a nossa capacidade de policiamento”, diz. “Teremos mais policiais disponíveis para combater crimes no campo, porque agora isso passou a ser um problema de toda a corporação e não somente de um grupo que estava dentro dela”. Na teoria, a lógica dessa tese até soa perfeita. Na prática, pelo menos na visão de quem entende muito do assunto, nem tanto.
“O policial tem que ser eclético e estar preparado para enfrentar qualquer situação”, diz o coronel reformado da PM de Mato Grosso do Sul, Angelo Rabelo, um dos pioneiros da ação policial no campo em seu estado, ainda na década de 80. “Mas as demandas do policiamento ambiental são muito específicas”. Para início de conversa, o policial que desenvolve esse tipo de trabalho precisa gostar de estar no mato. “Tem também que ter conhecimento básico de legislação ambiental, aspectos de conservação da natureza e mínimas noções de biologia”, continua Rabelo. Tudo isso é importante para que o agente da lei possa, por exemplo, distinguir uma espécie exótica de uma nativa ou decidir agir numa área onde sua ação traga mais benefícios à conservação.
Mais é menos
No caso do Batalhão Ambiental da PM de Mato Grosso, desde a sua fundação na década de 90, seus homens vêm recebendo cursos sobre policiamento em área rural e instrução sobre questões relativas ao meio ambiente, como legislação e proteção da natureza. “Sempre que fizemos cursos aqui, abrimos vaga para o pessoal da polícia ambiental”, diz Eliane Fachim, superintendente de biodiversidade da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (Sema). Ela acha que os funcionários da Sema terão saudades dessa tropa. “É óbvio que nossos analistas ambientais se sentem mais seguros com esses policiais ao seu lado na hora de fiscalizar e lavrar um auto de infração”.
O major Alberto, da PM mato-grossense, insiste que o pessoal da Sema não precisa temer o novo futuro. “Nós teremos mais policiais disponíveis para ações no campo, porque além de todo o efetivo da PM estadual estar a partir de agora incumbido de realizar qualquer missão, ele vai crescer porque esses batalhões especializados empatavam metade dos seus homens em funções administrativas”, diz. Com a mudança, as tarefas de administração ficaram centralizadas em oito comandos regionais. “Serão menos policiais cuidando de papel e mais gente ocupada com o policiamento”.
Novamente, a lógica parece ser perfeita. Mas ela não se aplica à realidade do Batalhão Ambiental de Mato Grosso, pelo menos não enquanto ele existiu. De seu efetivo de 203 praças e oficiais, 140 homens estavam na ativa. O resto da tropa não estava indisponível para ações por estar cumprindo funções administrativas, e pelo hábito de governos estaduais de requisitarem PMs para realizarem trabalhos em outras secretarias. E os cerca de 20 homens que se ocupavam da administração eram obrigados a fazer parte da escala de policiamento mesmo que fosse em meio período.
Exceções
Quem conhece o trabalho do Batalhão Ambiental de Mato Grosso acha que a sua desmobilização, no fundo, coroa a pouca importância que o governador Blairo Maggi sempre deu ao seu trabalho. Desde o primeiro mandato, ele deixou o Batalhão a pão e água. De recursos novos, recebeu do governo apenas dois carros – um Palio Adventure e um Corsa – completamente inadequados para as suas operações, que em geral ocorriam em áreas onde só era possível chegar enfrentando muita lama e buracos. Apesar da falta de apoio oficial, o coronel Rabelo acha que o policiamento ambiental no estado tinha resultados bastante contundentes.
Somente em 2006, ela aplicou 123 milhões de reais em multas, apreendeu mais de 28 mil metros cúbicos de madeira e quase 10 mil quilos de peixes pescados ilegalmente. Também trabalhou pesado na prevenção. Seus homens fizeram ou participaram de 68 palestras à população e abordaram mais de quatro mil embarcações. “Não é pouco para um efetivo pequeno como o que eles tinham à disposição”, diz Rabelo, que mantém na Internet um site que reúne informações sobre as atividades de policiamento ambiental em todo o Brasil.
“São quase dez mil homens vigiando a natureza, principalmente aquela que está em áreas privadas, zelando pela sua preservação”, continua Rabelo. “Não há nada desse tamanho e exercendo esse tipo de função em qualquer outro lugar do mundo. As polícias ambientais começaram a ser criadas em fins da década de 80 e os últimos a formalizarem a existência desse tipo de tropa foram os estados amazônicos. Hoje, praticamente todas as unidades da federação têm policiamento ambiental especializado. A exceção era Roraima, que desde o dia 18 de janeiro, ganhou a companhia do Mato Grosso.
(Por Manoel Francisco Brito,
O Eco, 31/01/2007)