A Shell do Brasil sofreu nova derrota na Justiça paulista no caso de contaminação de sua fábrica em Paulínia (cidade localizada a 126 quilômetros da capital). A empresa deve depositar R$ 3 mil de honorários para um perito. O técnico vai apurar a responsabilidade da Shell na doença que vitimou Wander Manoel de Oliveira. Ele move uma ação contra a multinacional, no valor de R$ 500 mil, por conta da contaminação no lençol freático nas proximidades do rio Atibaia.
A decisão foi tomada pela Câmara Especial de Meio Ambiente do Tribunal de Justiça de São Paulo. Por votação unânime, o TJ paulista negou recurso da Shell. A empresa pretendia suspender decisão da juíza Ana Lia Beall, da 1ª Vara Cível de Paulínia, que determinou o depósito da quantia ao perito. A Shell alegou que a determinação não atendeu a lei e requereu ao TJ-SP efeito suspensivo.
A turma julgadora entendeu que o ônus da prova pertence à empresa. Para os desembargadores, a Shell é quem tem que provar que as lesões apresentadas por Wander Manoel não decorrem do mau uso da propriedade e do descaso em relação aos efeitos nefastos de sua fábrica de pesticidas.
“A contaminação do lençol freático decorrente de vazamento na antiga fábrica da Shelll, no Recanto dos Pássaros, em Paulínia, é fato notório e se tornou emblemático para evidenciar os problemas ambientais enfrentados pelo Brasil contemporâneo”, justificou em seu voto o desembargador Renato Nalini, relator do recurso da Shell.
Para ele, o despacho da juíza não foi uma atitude “temerária”, mas de prudência. Nalini destacou que é grande o volume de ações de indenização contra a Shell e muitos dos autores receberam o benefício da justiça gratuita. “Sem a antecipação dos honorários do perito, inviável se tornará a realização da perícia e, com isso, inviabilizar-se-a também adequada apreciação do pleito do lesado”, completou.
A contaminação
Entre 1975 e 1993, a Shell fabricou agrotóxicos em sua fábrica de Paulínia. A empresa contaminou o lençol freático com os organoclorados: Aldrin, Endrin e Dieldrin. Três vazamentos destes componentes químicos foram oficialmente registrados durante os anos de produção. A contaminação atingiu moradores do bairro Recanto dos Pássaros.
A comercialização destes produtos foi interrompida no Brasil em 1985, através da portaria 329, de setembro de 1985, do Ministério da Agricultura. Mas foi permitido o comércio de iscas para formigas e cupinicida destinados a reflorestamentos elaborados à base de Aldrin.
Entretanto, a fabricação para exportação continuou até 1990. Em 1998, através da Portaria nº 12 do Ministério da Saúde, estes produtos foram completamente proibidos. Hoje os "drins" também são banidos pela Organização das Nações Unidas (ONU) por estarem associados à incidência de câncer e a disfunções dos sistemas reprodutor, endócrino e imunológico.
Em 1994, a Shell estava prestes a vender a área para a Cyanamid Química. Na época, foi realizado um levantamento do passivo ambiental da unidade para que a transação fosse concluída. Foi identificada uma rachadura numa piscina de contenção de resíduos que havia contaminado parte do freático.
A empresa realizou uma autodenúncia junto ao Ministério Público, que deu origem a um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC). A Shell teve que se encarregar da construção de uma estação de tratamento que processa toda a água que passa por baixo do terreno. Entretanto, ela não admitiu qualquer contaminação com drins, nem vazamentos para fora do seu terreno.
A nova proprietária da unidade, a Cyanamid, acabou vendendo a fábrica para a indústria química alemã Basf em dezembro de 2000.
Em 1996, a Shell encomendou dois laudos técnicos sobre a contaminação do lençol freático fora da área da empresa aos laboratórios do Instituto Adolpho Lutz, de São Paulo, e Lancaster, dos Estados Unidos. O laboratório brasileiro não detectou a presença de contaminantes, mas o norte-americano confirmou a presença de drins na água do subsolo.
A Shell manteve em sigilo o relatório do laboratório Lancaster até março de 2000. Alegou que o seu resultado foi um "falso positivo". Na época, a agência ambiental paulista, a Cetesb, recolheu, pela primeira vez, amostras de poços e cisternas do bairro, que foram analisados pela própria Cetesb, pelo laboratório Ceimic, contratado pela Shell e pelo laboratório Tasqa, pago pela Prefeitura de Paulínia. Os exames constataram a presença de dieldrin na água.
Em dezembro de 2000, novas amostras foram coletadas pela Cetesb, o Instituto Adolfo Lutz e o laboratório Ceimic. As análises comprovaram a contaminação da água dos poços com níveis até 11 vezes acima do permitido na legislação brasileira. Diante de tais resultados, pela primeira vez a Shell admitiu ser a fonte da contaminação das chácaras da redondeza.
Em fevereiro de 2001, cerca de 100 moradores da região fizeram uma vigília de vários dias em frente à fábrica. Em abril, a Câmara dos Deputados promoveu uma audiência pública em Brasília para discutir o assunto e criou uma comissão para acompanhar seus desdobramentos.
Na mesma época, um ex-funcionário da empresa confirmou a existência de quatro aterros clandestinos dentro da área da fábrica, onde a Shell depositava cinzas do incinerador e resíduos industriais. Na seqüência, a Cetesb admite que errou ao não solicitar uma avaliação das condições do solo e da água do Recanto dos Pássaros.
Doenças
Vários órgãos começam a avaliar a saúde dos vizinhos da fábrica. A Prefeitura de Paulínia pediu ao laboratório da Universidade Estadual Paulista (Unesp) para que realizasse exames de sangue.
Divulgados em agosto de 2001, os exames indicaram que 156 pessoas — 86% dos moradores do bairro — apresentavam pelo menos um tipo de resíduo tóxico no organismo. Desses, 88 apresentam intoxicação crônica, 59 tinham tumores hepáticos e da tireóide e 72 estavam contaminados por drins.
Das 50 crianças avaliadas, que tinham até 15 anos, 27 manifestavam um quadro de contaminação crônica. A empresa contestou tais resultados, que considerou inconsistentes e incompletos.
Um laudo, encomendado pela Shell, concluiu que não havia nenhum caso de contaminação no bairro. A empresa também negou que tivesse manipulado metais na unidade de Paulínia.
Em dezembro de 2001, a Justiça de Paulínia determinou que a Shell removesse os moradores de 66 chácaras do Recanto dos Pássaros. Ela também deveria garantir os tratamentos médicos necessários. A empresa, juntamente com a Cetesb, também é alvo de uma Ação Civil Pública movida pela Prefeitura de Paulínia, Ministério Público e pela associação dos moradores do bairro. Na seqüência, a Shell começou a comprar propriedades dos moradores dispostos a vendê-las.
Outros exames constataram a presença de metais pesados no organismo de três moradores. Os metais encontrados foram arsênico, alumínio, níquel, berílio e chumbo.
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Revista Consultor Jurídico, 31/01/2007)