Na guerra do clima, Bush chega tarde e com pouca munição
2007-01-31
Vazamentos na imprensa mundial preparam o clima para a divulgação nesta sexta-feira em Paris de relatório, preparado por dois mil especialistas congregados pelas Nações Unidas, que deve confirmar que atividades humanas são responsáveis de forma avassaladora pelo aquecimento global, na faixa de 90%.
A divulgação do relatório coincide com uma mudança da atmosfera política no debate sobre a questão nos EUA, país que é o maior emissor de gases que provocam o efeito estufa e que nos seis anos do governo Bush adotou uma postura cética sobre a gravidade do problema e hostil a cortes obrigatórios nas emissões.
Para o jornal britânico The Independent, será o "mais aterrador relatório de todos os tempos" sobre mudanças climáticas. O Guardian, outro diário britânico, informa que o governo americano se esforça para desviar o relatório de conclusões que dariam respaldo "a um novo tratado climático mundial baseado em metas obrigatórias para reduzir as emissões", enfatizando acordos voluntários.
Tal postura do governo Bush não surpreende. Antes mesmo do Iraque e dos atentados do 11 de setembro, o presidente americano estava em uma outra guerra: contra conclusões advertindo sobre a gravidade de mudanças climáticas e se opôs ao Protocolo de Kyoto, o tratado internacional sobre emissões de gases que provocam o efeito estufa, cuja primeira fase expira em 2012.
Em 2001, Bush retirou os EUA do Protocolo de Kyoto, firmado em 1997. É verdade que o próprio Senado americano não iria ratificá-lo, com o argumento de que traria danos à economia, mas o gesto do presidente - um dos primeiros de impacto no seu governo - sinalizou seus pendores "unilateralistas".
Novo clima
Mas seis anos mais tarde, existe um novo clima político nos EUA e um presidente em uma situação mais fraca. As cores partidárias hegemônicas no país deixaram de ser apenas o vermelho dos republicanos e o azul dos democratas.
Está se forjando um consenso verde e, apesar de viver em um estado de negação, Bush tem lapsos de realidade. Na semana passada, pela primeira vez no seu discurso anual sobre o Estado da União no Congresso, houve menção ao aquecimento do planeta.
Bush disse que precisamos "confrontar o sério desafio da mudança climática global". Nenhuma referência a cortes obrigatórios nas emissões, mas houve a proposta de redução do consumo de gasolina, e por extensão, de gases provocadores do efeito estufa.
Ambientalistas mantiveram o ceticismo, mas, como interpretou David Doniger, diretor do Natural Resources Defense Council, a Casa Branca começa a responder a crescentes pressões políticas na questão climática.
O Congresso agora está sob administração democrata e o partido é mais sensível ao tema ambientalista. Deputados democratas inclusive estão examinando alegações de que cientistas de agências governamentais foram pressionados para minimizar a ameaça do aquecimento global em seus estudos.
A Comissão de Meio Ambiente do Senado hoje é presidida por Barbara Boxer e não mais pelo republicano James Inhofe, que costumava descrever aquecimento global como um "embuste". Vários projetos de lei sobre este "embuste" já estão circulando na nova sessão do Congresso.
Candidatos às eleições presidenciais de 2008, dos dois partidos, advogam limites nas emissões de gases e o obcecado Al Gore, derrotado por Bush no ano 2000, tem um consolo: uma boa chance de ganhar um Oscar pelo documentário An Inconvenient Truth. Na Califórnia, o governador Arnold Schwarzenegger recuperou a popularidade em parte por articular legislação ao estilo Protocolo de Kyoto, confirmando que os estados estão bem mais ágeis do que o governo federal na questão do meio ambiente.
Políticos se mexem porque a sociedade está inquieta a ponto de, como lembra a revista The Economist, abrir espaço para alianças improváveis envolvendo suspeitos habituais como os ambientalistas, "falcões" em segurança nacional (preocupados com a dependência americana do petróleo do Oriente Médio), o lobby agrícola (sedento por subsídios ao etanol) e evangélicos (atormentados com o inferno climático).
A América empresarial também integra a aliança nada santa, pois quer se antecipar a novas regulamentações (influenciando na sua formulação), prefere uma política ambientalista consistente e deseja tirar proveito de novas tecnologias que levem em conta o controle de dióxido de carbono.
Com cada vez menos dúvidas entre os especialistas sobre os efeitos danosos das atividades humanas no aquecimento global, o debate nos EUA está tendo uma clara guinada na arena política e no mundo econômico. O governo Bush ainda se opõe ao formato do Protocolo de Kyoto e argumenta que uma melhor tecnologia resolverá o problema.
Em declarações que se seguiram ao discurso no Congresso, na semana passada, o presidente afirmou que "nós podemos ir além da era pré-Kyoto com uma estratégia pós-Kyoto, centrada em novas tecnologias". Mas como na sua nova estratégia no Iraque, Bush chega tarde e com pouco na guerra do meio ambiente.
(Por Caio Blinder, BBC, 30/01/2007)
http://www0.bbc.co.uk/portuguese/reporterbbc/story/2007/01/070130_cblinderclimacg.shtml