ARTIGO: A QUESTÃO DA ÁGUA NO MUNDO E NO BRASIL
2001-10-25
A água potável é um recurso finito, que se reparte desigualmente pela superfície terrestre. Se pelo ângulo de seu ciclo natural a água é um recurso renovável, suas reservas não são ilimitadas. Diversos especialistas têm alertado que, se o consumo continuar crescendo como nas últimas décadas, todas as águas superficiais do planeta estarão comprometidas por volta de 2100. A carência de água é resultado da combinação de efeitos naturais, demográficos, sócio-econômicos e até culturais. Chuvas escassas, alto crescimento demográfico, desperdício e poluição de mananciais se combinam para gerar uma situação denominada de estresse hídrico. A escassez de água em áreas do mundo, especialmente no Oriente Médio, tem feito surgir situações hidroconflitivas, isto é, casos de tensões geopolíticas geradas por conta da disputa pelo domínio e utilização de fontes de água, especialmente rios, quando estes atravessam regiões de vários Estados. Um dos pontos da explosiva Questão Palestina diz respeito à utilização das fontes hídricas existentes na Cisjordânia, região localizada junto ao baixo vale do rio Jordão. Síria, Iraque e Turquia há muito tempo vêm tendo desavenças sérias no que diz respeito à utilização das águas dos rios Tigre e Eufrates, que têm suas nascentes em território turco mas, que cruzam áreas dos outros dois países. Muitos especialistas já chegam a afirmar que os eventuais conflitos que ocorrerem no Oriente Médio ao longo do século XXI serão causados cada vez mais pela água e cada vez menos pelo petróleo. Apesar de 75% da superfície do planeta ser recoberta por massas líquidas, a água doce não representa mais que 3% desse total. O problema é que apenas um terço da água (presente nos rios, lagos, lençóis freáticos superficiais e atmosfera) é acessível. O restante está imobilizado nas geleiras, calotas polares e lençóis freáticos profundos. Atualmente cerca de 50% das terras emersas já enfrentam um estado de penúria em água. De cada 5 seres humanos, um está privado de água de boa qualidade para consumo e cerca de metade dos habitantes do planeta não dispõe de uma rede de abastecimento satisfatória. Ao longo do século XX, a população mundial foi multiplicada por três, as superfícies irrigadas por seis e o consumo global de água por sete. Ao mesmo tempo, nas últimas cinco décadas, a poluição dos mananciais reduziu as reservas hídricas em um terço. Os recursos disponíveis atualmente poderiam ser utilizados de forma mais eficaz se fossem reduzidas a poluição, desenvolvidos processos de reciclagem das águas, houvesse uma melhor conservação das redes de distribuição, fosse evitado o desperdício e aceleradas as pesquisas sobre culturas agrícolas menos exigentes à água e mais tolerantes ao sal. A dessalinização da água do mar só é realizada em poucos países e, mesmo assim, as quantidades obtidas não cobrem as grandes necessidades. A escassez de água, que muitos apontam como um dos principais problemas ambientais do mundo para o século XXI, afeta ou pode afetar o Brasil? Do ponto de vista genérico, a resposta é não. Em outras escalas de análise a resposta é positiva. Localizado em sua maior parte na Zona Intertropical, com domínio de climas quentes e úmidos, cerca de 90% do território brasileiro recebe chuvas cujos totais normalmente variam de 1.000 a 3.000 milímetros anuais. A única grande área que foge a este padrão é o Sertão nordestino, região que ocupa cerca de 10% do território nacional. Devido a estas características climáticas e às condições geomorfológicas dominantes, o Brasil possui importantes excedentes hídricos cujo resultado é o da existência de uma das mais vastas e densas redes de drenagem fluvial do mundo. Como conseqüência, nossa produção hídrica equivale a pouco mais que metade do total da América do Sul e cerca de 12% do total mundial. Quatro grandes bacias hidrográficas - Amazônica, Tocantins-Araguaia, São Francisco e Paraná - são responsáveis por 85% de nossa produção hídrica. Se é verdade que o Brasil possui abundância de águas superficiais, é também verdade que esses recursos hídricos não estão distribuídos eqüitativamente pelo território. Apenas na área das bacias Amazônica e do Tocantins-Araguaia, a produção hídrica corresponde a 73% do total do país. Nessas áreas, de forma geral, as densidades demográficas são muito baixas e variam de 2 a 5 hab/km2. No outro extremo, na bacia do Paraná (6,5% da produção hídrica), as densidades dominantes estão entre 25 e 100 hab/km2. Justamente aí situam-se a maior metrópole do país e algumas das áreas mais dinâmicas da economia brasileira. Aí que estão também os mananciais mais exigidos e poluídos do país. Organizações internacionais como a ONU (Organização das Nações Unidas) e o Banco Mundial adotam índices para classificar a disponibilidade hídrica social e seu impacto social. Segundo a ONU, as áreas críticas do mundo são aquelas cuja disponibilidade não chega a 1.000 m3 anuais por habitante. Para o Banco Mundial, provavelmente influenciado pelos altos níveis de consumo verificados nos Estados Unidos, utiliza critérios mais exigentes: considera que a situação de estresse hídrico ocorre quando a disponibilidade hídrica é inferior a 2.000 m3 anuais por habitante. Nenhuma unidade federativa do Brasil apresenta índices inferiores a 1.000 m3 anuais por habitante. Todavia, estão em situação de estresse hídrico segundo os critérios do Banco Mundial, os estados do Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Sergipe e o Distrito Federal. A aparente abundância de água no Brasil tem sustentado uma cultura de desperdícios, enquanto legitima a carência de investimentos em programas de uso e proteção de mananciais. Os problemas de abastecimento na atualidade ainda estão restritos a poucas áreas e decorrem da combinação da irregularidade das condições climáticas, especialmente pluviométricas (Sertão do Nordeste), do crescimento exagerado do consumo e degradação ambiental de outras áreas (grandes metrópoles, por exemplo). Essa situação tem como pano de fundo o rápido e caótico processo de expansão urbano-industrial e a ausência de planejamento ambiental na valorização econômica de amplas áreas do país.