Água limpa e sem sal no nordeste do Brasil
2007-01-30
Milhares de pessoas do
semi-árido nordeste do Brasil saciam sua sede graças a uma tecnologia pouco
usada na América Latina: as membranas de osmose inversa, que permitem
dessalinizar e limpar a água. Em mais dois anos, poderão ser produzidas
localmente. As membranas são uma espécie de pele sintética muito fina, feita
com diferentes materiais, geralmente polímeros de plástico. O processo é
conhecido como osmose inversa porque as membranas (que são semipermeáveis)
deixam passar apenas a água, retendo as impurezas.
"As membranas são eficientes para melhorar a qualidade da água em grandes
cidades, abastecidas por mananciais que recebem um coquetel de substâncias
contaminantes", disse ao Terramérica Renato Ferreira, gerente de projetos da
Secretaria de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente. "O sistema
convencional de tratamento da água não elimina metais pesados nem
agrotóxicos, mas as membranas sim", explicou. No momento, as membranas são
usadas para dessalinizar águas subterrâneas que abastecem pequenas
comunidades do interior semi-árido do nordeste brasileiro.
Nessa região, vários órgãos governamentais instalaram cerca de dois mil
equipamentos de dessalinização na década passada, mas a maioria está
desativada ou operando precariamente, por causa de dimensões inadequadas e
falta de capacitação de seus operadores, disse Ferreira. O Programa Água
Doce, iniciado em 2004 sob sua coordenação, tem como primeira meta recuperar
os equipamentos e garantir sua manutenção, envolvendo as comunidades em sua
gestão e formando técnicos. Para isso, serão criados grupos executivos em
cada um dos nove Estados contemplados, com a participação de prefeituras,
autoridades de diversos setores e organizações não-governamentais. Desse
modo, serão obtidos diagnósticos dos equipamentos a serem recuperados e
novas necessidades, articulando a ação de todos os interessados, para evitar
as falhas anteriores.
No Nordeste, onde a água é dramaticamente escassa, por causa das freqüentes
secas, a subterrânea é uma alternativa, mas, em geral, muito salobra, devido
ao subsolo rochoso. A água da grande maioria dos poços tem cerca de três mil
partes por milhão de sal, em média, o triplo do adequado ao consumo humano,
segundo a Organização Mundial da Saúde, destacou Ferreira. Em toda a região
semi-árida existem cerca de cem mil poços perfurados, mas 70% já estão secos
ou têm água muita salgada. Sobram cerca de 30 mil aproveitáveis que poderiam
produzir uma média de quatro mil litros diários de água dessalinizada cada
um. Teoricamente, o total seria suficiente para abastecer os 23 milhões de
habitantes locais.
Dimensionar bem cada equipamento de dessalinização é indispensável, de
acordo com a quantidade e a qualidade da água de cada poço. Alguns contêm
muito ferro e necessitam de um tratamento químico prévio para não danificar
as membranas. Outros, com mais cálcio ou magnésio, exigem diferentes
pressões para filtragem e equipamentos com uma quantidade específica de
membranas, que pode variar de três a nove, exemplificou Ferreira. Um
equipamento dessalinizador simples, de três membranas, custa cerca de US$ 7
mil. "Não é muito, considerando que abastece aproximadamente 800 pessoas",
disse o especialista.
As membranas usadas na dessalinização são importadas, mas pesquisadores das
universidades federais de Campina Grande (UFCG) e do Rio de Janeiro (UFRJ)
desenvolvem modelos para variadas finalidades, buscando independência
tecnológica e redução de custos. "Dentro de dois anos o Laboratório de
Referência Nacional em Dessalinização da UFCG terá uma membrana capaz de
substituir as importadas, mas até ser produzida pela indústria nacional
levará muitos anos", disse ao Terramérica Kepler Borges França, coordenador
do Laboratório, que difunde essa tecnologia no Nordeste. O Laboratório usa
cerâmica como material para desenvolver suas membranas; as importadas são de
polímeros.
Pelo Programa Água Doce, durante o processo de dessalinização, apenas metade
da água sai limpa. A outra metade fica com o dobro de concentração de sal e
inicialmente era jogada fora, contaminando o solo. Por isso o Centro do
Semi-Árido, da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa),
desenvolveu um sistema em que parte dessa água salgada serve para o cultivo
do peixe tilápia rosa (Oreochromis sp). O restante é usado para irrigar
plantações de erva-sal, que absorve o sal do solo e é bom alimento para
cabras e aves.
Além da dessalinização, as membranas têm múltiplas aplicações. Uma, obtida
pela Coordenação de Pós-Graduação de Engenharia da UFRJ, é a separação de
aromas, já conseguida em frutas tropicais e no café, fato que melhorará o
sabor de sucos e do café solúvel, ampliando a liderança brasileira nesses
produtos. “As membranas permitem recuperar quase totalmente os aromas, que,
por exemplo, na laranja incluem mais de 200 componentes”, disse ao
Terramérica Cristiano Borges, professor do curso de pós-graduação.
Os aromas são separados por “pervaporação” (evaporação seletiva dos
componentes), usando membranas, explicou Lourdes Cabral, do Centro de
Agroindústria de Alimentos da Embrapa, que participou do projeto referente
ao café. Obter a essência natural é vital para a indústria do café solúvel,
que os consumidores brasileiros rejeitam por perder o aroma e o sabor do
grão.
Também há membranas usadas na produção de álcool por fermentação, com grande
redução de custos, bem como outras que são utilizadas na indústria
petrolífera, para filtrar substâncias como os sulfatos da água marinha, que
penetra nos poços de petróleo. A presença de sulfatos pode dificultar ou
bloquear a extração.
(Envolverde/Terramérica, 29/01/2007)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=27242&edt=1