Obras da usina de Candiota modificam rotina da cidade
2007-01-30
Apesar dos ideogramas e das pronúncias incompreensíveis, o mandarim substitui o típico sotaque da campanha gaúcha, promovido a idioma oficial do otimismo em Candiota. Com ele, 15 técnicos do grupo chinês Citic comunicam-se para formatar e executar obras de ampliação da Usina Termelétrica Presidente Médici.
Contratada pela Companhia de Geração Térmica de Energia Elétrica (CGTEE), proprietária da usina também conhecida como Candiota 2, a empresa chinesa finaliza o planejamento e pretende começar o trabalho braçal em março. Orçada em R$ 1 bilhão, a construção da Fase C de Candiota 2 também recebe investimentos orientais – é o banco China Development Bank (CDB) que financia o projeto.
Em três anos, a obra estará concluída, com a perspectiva de as cargas iniciais de carvão abastecerem as caldeiras no dia 1° de janeiro de 2010. A CGTEE já comercializou em um leilão, com 31 distribuidoras brasileiras, toda a energia que a Fase C vai gerar até 2025, garantindo uma receita anual de R$ 330 milhões.
Obstinados em cumprir o prazo – a empresa construtora será bonificada pela pontualidade –, os técnicos da Citic International Contracting esmeram-se em converter as especificações e normas técnicas chinesas contidas no projeto conforme as exigências brasileiras. O procedimento é fundamental para a aprovação.
– O projeto será tropicalizado. Elaboramos de acordo com as normas da China. Agora vamos adaptar às exigências do Brasil, principalmente na área da construção civil, mas sempre seguindo o padrão internacional – explica Alain Tam, gerente técnico da Citic.
Por enquanto já trabalham na área da usina os funcionários empenhados na sondagem do terreno, último passo antes da definição dos equipamentos adequados e do nível ideal para a construção das fundações. A partir de março, cada vez mais executivos chineses vão desembarcar no município, somando-se aos cerca de 1,5 mil operários.
– Esse é um empreendimento que envolve toda a comunidade da região – comemora Hermes Ceratti Marques, coordenador-geral da CGTEE.Não apenas a presença de fisionomias diferentes chama a atenção nas ruas de Candiota. A circulação de dinheiro prevista com a chegada dos operários anima o comércio local.
– Para a região, vai ser muito bom – acredita Simone de Quadros, proprietária de uma papelaria.
A loja é freqüentada pelos vizinhos chineses, entre eles Huguo Lin. Depois de morar em São Paulo, ele se arrisca no português e até adotou "Francisco" como primeiro nome, para completar a aclimatação.
– Esses dias veio um colega dele com um dicionário, todo atrapalhado. Ele falava "grudar, grudar", aí entendi que ele estava pedindo cola – diverte-se Simone.
Na padaria de Jairo da Mota, a confusão é inevitável, mas nada que impeça os chineses de se alimentarem. Afinal, pão é uma palavra que eles dominam desde a chegada.
– Eles gastam bastante, compram muito pão torrado – conta Mota.
O prefeito em exercício, Oséias da Silva Alves (PMDB), calcula que o período de obras reverta, entre impostos e movimentação em comércio e serviços, mais de R$ 100 mil mensais ao município, o que representa até 10% da receita da prefeitura de Candiota. E, mesmo antes do início das obras, a melhora se anunciou.
– Já se observa um incremento desde novembro. O empresariado está melhorando as instalações, abrindo restaurantes – afirma o prefeito.
A própria CGTEE contribui com a revitalização. A empresa está reformando um hotel desativado há 15 anos, que servirá como centro de gerenciamento construtivo do projeto, onde os técnicos da Citic vão trabalhar em companhia de equipes brasileiras.
Instalados no bairro Dario Lassance, enquanto esperam a transferência para casas da vila de funcionários de Candiota 2, os chineses divertem-se com o intercâmbio cultural. Até mesmo entre eles. Afinal, a China tem grande diversidade regional, fazendo com que os próprios conterrâneos vez que outra não se entendam.
– Usamos o mandarim para compreensão geral, mas muitos de nós vieram de províncias com dialetos diferentes – explica Alain Tam, apontando colegas que falam cantonês e xangainês, por exemplo.
As principais diferenças transparecem na comparação com os gaúchos. Além da linguagem universal dos gestos, contam com três tradutoras, duas delas chinesas, e um companheiro que arranha o português. Aos poucos, agregam peculiaridades aos costumes orientais, como o churrasco e a paixão clubística.
– International, International – bradam, em coro, quando perguntados se já torcem por alguém.
A conquista no Japão os transformou em colorados irredutíveis, embora não se arrisquem nos gramados. Preferem comida típica chinesa, decepcionados porque nenhum deles apresenta talento para assar carne.
Matam a saudade de casa nos mesmos laptops usados para projetar a Fase C da usina, conversando pela Internet com a família na China. Para facilitar as coisas, pretendem abrir duas turmas de idiomas: uma de mandarim, para os gaúchos, e outra de português, para consumo próprio. Tropicalizam-se a cada dia.
(Por Eduardo Cecconi, Zero Hora, 29/1/2007)
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