Fórum de Davos: Os novos convertidos ambientais
2007-01-30
As organizações ambientalistas receberam com precaução as notícias sobre a nova vocação ecológica do Fórum Econômico Mundial, que dedicou à questão da mudança climática boa parte de sua sessão anual, encerrada domingo. "O FEM poderia chegar a ser útil, mas no momento não parece ser porque continua promovendo soluções erradas e, às vezes, nem mesmo isso", disse à IPS o vice-presidente da Amigos da Terra Internacional, Tony Juniper. Por sua vez, o diretor do Greenpeace Internacional, Gerd Leipold, disse para “não sermos ingênuos”. "A mudança climática progredia enquanto era negada e continua avançando agora que é reconhecida", disse.
Leipold afirmou que enquanto as chaminés continuarem lançando na atmosfera gases causadores do efeito estufa, responsáveis pelo aquecimento do planeta, não tem importância “quantas lágrimas de crocodilo sejam derramadas em Davos ou nas páginas dos dominantes informes de sustentabilidade”. Não sem surpresa, se conheceu o anúncio, feito pelo fundador e líder do FEM, Klaus Schwab, de que a questão da mudança climática figurava no primeiro lugar do programa das sessões deste ano na reunião que aconteceu na semana passada na localidade turística suíça de Davos.
Nos 35 anos de vida do também chamado Fórum de Davos, um ponto de encontro entre governantes e a nata dos dirigentes de companhias multinacionais, as preocupações pela deterioração do meio ambiente estiveram praticamente ausentes dos debates. Singularmente, no mesmo ano em que nascia o Fórum de Davos, 1972, a Organização das Nações Unidas realizava em Estocolmo a primeira conferência da comunidade internacional sobre meio ambiente e desenvolvimento, a base de todo o sistema atual de fomento do desenvolvimento sustentável.
A transformação operada no Fórum de Davos “parece um avanço surpreendente”, observou o dirigente do Greenpeace. O que há alguns anos se dizia no Fórum Social Mundial agora se converteu na linguagem do Fórum Econômico mundial, acrescentou. O fato de as discussões no FEM deste ano versarem sobre os temas que a sociedade civil expunha há uma década demonstra a importância do papel das organizações não-governamentais de promover os avanços dos debates para ajudar a sociedade a perguntar-se quais são as saídas para o futuro, disse Leipold à IPS.
Dessa maneira, o debate não se ocupa apenas das questões do lucro e do progresso econômico, mas, também, das formas de criar um mundo sustentável para as próximas gerações, insistiu Leipold. Por sua vez, Juniper concordou que os empresários reunidos em Davos insistem nos mesmos tipos de políticas comerciais e econômicas que colocam em primeiro lugar seus interesses. Enquanto eles não mudarem essas visões econômicas fundamentais “não poderão resolver os problemas ambientais”, deplorou este ativista.
Mas a metamorfose do Fórum de Davos, uma “conversão em massa”, como descreveu o líder do Greenpeace, não distrai os ativistas ambientais da realidade ecológica. O mundo enfrenta desafios ambientais muito sérios, que a cada ano se agravam, disse Juniper. A mudança climática é alimentada pela queima de combustíveis fósseis e pelo desmatamento, o que leva ao desaparecimento de espécies, perdas de dezenas de milhares de vidas humanas e custos econômicos de grande escala, enfatizou. O panorama se completa com o aumento das emissões de gases que provocam o efeito estufa, a deterioração dos solos, a pesca descontrolada e a escassez de água potável.
A esse quadro somam-se as dramáticas desigualdades no mundo. Embora o desenvolvimento prejudicial para o meio ambiente seja justificado, às vezes com o argumento da promoção do crescimento, milhares de milhões de pessoas continuam vivendo na pobreza, disse o especialista da Amigos da Terra. Nesse plano, lembrou que, se não forem adotadas disposições para manejar os recursos naturais de uma maneira mais sustentável, será impossível alcançar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio.
O objetivo de número sete, dos oito com prazo de cumprimento até 2015 que foram aprovados pela Organização das Nações Unidas em 2000, estabelece a garantia do uso sustentável dos recursos naturais, além de reduzir a pobreza extrema e a fome; ensino primário universal e promoção da igualdade de gênero e da autonomia da mulher. Outros objetivos são reduzir a mortalidade infantil; melhorar a saúde materna; combater o HIV/aids e outras doenças graves, e fomentar uma associação mundial para o desenvolvimento.
Leipold acrescentou outro fator, como o desmatamento de florestas para plantar soja e produzir madeiras baratas e papel higiênico e as guerras travadas para garantir o acesso ao petróleo. Não nos equivoquemos, disse o dirigente do Greenpeace, pois muitas das pessoas que mudaram o planeta dessa maneira, e que continuam fazendo isso, participam deste Fórum de Davos. Entretanto, Leipold defendeu a intervenção do Greenpeace nas sessões do FEM, porque “é importante não deixar que os poderosos estabeleçam os planos”.
Apesar disso, o ativista disse à IPS que, “observando os que falam no Fórum de Davos, os que participam dos painéis importantes, a sociedade civil desempenha um papel minúsculo”. À parte que representa agora é, provavelmente, inferior à de alguns anos. Não posso disser que seja intencionalmente, mas, o certo é que os líderes industriais pretendem ser os únicos a ditar os programas da vida pública, acrescentou Leipold.
Contudo, Juniper encontrou um aspecto alentador em um cisma que acredita perceber entre as empresas, pois uma parte começa a reclamar de seus governos o estabelecimento de novas regulamentações para conseguir uma economia mais sustentável. Por exemplo, algumas grandes empresas britânicas, como Tesco ou British Telecom, solicitaram ao governo normas, incentivos e regulamentações que ajudem a enfrentar o desafio da mudança climática e da sustentabilidade, afirmou o ecologista. Este é um fato novo e importante, porque demonstra que já não existe mais uma demanda uniforme do setor das empresas em favor de políticas que levam à desregulamentação, deduziu.
(Por Gustavo Capdevila, IPS, 29/01/2007)
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