Catador guarda acervo de livros a salvo do lixo
2007-01-29
As pessoas que visitam o pavilhão da Associação Passo-Fundense de Papeleiros, no Loteamento
Industrial, encontram uma prateleira cheia de livros em meio a fardos de papelão, sucatas e
outros materiais recicláveis. 'É a biblioteca do Chicão', explica um catador, em referência
ao apelido do presidente da entidade, Valdelirio Nunes de Souza, que formou o acervo nos
últimos 10 anos com livros recolhidos nas ruas e avenidas de Passo Fundo.
Chicão, de 63 anos, se considera 'um homem pouco letrado', mas amante da leitura. Conta que,
ao longo dos 35 anos de trabalho recolhendo materiais recicláveis na cidade, teve a atenção
despertada para a grande quantidade de livros jogados no lixo. Curioso, ele começou a
folhear alguns e descobriu o gosto por ler. Com o passar dos anos, foi amadurecendo a idéia
de formar uma biblioteca com as publicações que acabariam vendidas para reciclagem. Em vez
disso, elas poderiam ser úteis aos filhos de papeleiros para estudo.
Passam de 3 mil os volumes arrecadados em uma década. Parte deles já está catalogada e
enfileirada em uma prateleira. Um sofá rústico, também achado no lixo, acomoda os leitores
no local. São volumes variados sobre temas como história do Brasil e da 2ª Guerra Mundial,
geografia, dicionários, literatura. O acervo inclui até bíblias de 1912 e 1915, escritas em
alemão. O livro que Chicão mais gosta de ler é, no entanto, uma coletânea sobre a história
da Câmara de Vereadores no período de 1947 a 1988. A obra cita políticos como Wolmar Antônio
Salton, que foi duas vezes prefeito de Passo Fundo e parlamentar, e os vereadores Ernesto
Scortegagna e Odilon Soares de Lima, que exerceram mandatos por mais de 20 anos. Chicão
conta com orgulho que conheceu todas essas lideranças já falecidas. Sua maior preocupação,
agora, é conseguir madeira para construir novas prateleiras. Há livros ainda guardados em 20
sacos de 50 quilos num canto do pavilhão. Ele cataloga as obras nas horas de folga e
pretende colocá-las à disposição também de escolas. Uma instituição de ensino prometeu doar
cadeiras e mesas para completar a estrutura da biblioteca, que aceita doações.
(Correio do Povo, 28/01/2007)
http://www.correiodopovo.com.br/edicaododia.asp