A ciência estende ponte sobre o golfo do México
2007-01-29
Enquanto a prospecção de petróleo nas águas cubanas do golfo do México podem representar outro fator de conflito com os Estados Unidos, pesquisadores dos dois países estudam esta bacia em conjunto, para preservar um dos mais ricos ecossistemas do mundo. O Instituto de Pesquisas Harte para Estudos do Golfo do México (HRI), dos Estados Unidos, realiza um projeto de estudos do noroeste da costa cubana como parte de um empenho maior de pesquisas do vasto recurso marinho.
Neste projeto, que começou oficialmente em 2003, o HRI colabora com o Centro de Pesquisas Marinhas da Universidade de Havana (CIM), com ambos já tendo realizado três expedições costeiras e para este ano outras quatro estão previstas. “O Instituto Harte tem sorte de ser uma das poucas instituições autorizadas por uma licença (do governo norte-americano) para realizar pesquisas marinhas em Cuba”, disse em entrevista à IPS David Guggeheim, diretor pelo HRI do programa com a ilha.
Por outro lado, por exemplo, está a proibição de Washington às empresas de petróleo desse país participarem da prospecção na plataforma submarina cubana do golfo do México, distante apenas 137 quilômetros da península da Flórida. A região de 112 mil quilômetros quadrados de subsolo marítimo, colocado em licitação por Havana em 1999, tem um potencial estimado de um bilhão a 9,3 bilhões de barris de petróleo e de 1,9 milhões a 22 bilhões de pés cúbicos de gás natural.
Guggeheim explicou que, além do CIM, outras instituições governamentais cubanas, como a Empresa Nacional de Flora e Fauna e o Centro Nacional de Áreas Protegidas, participam dos trabalhos de pesquisa conjuntos. “Têm interesse de participar do projeto porque os dados lhes são úteis para preparar planos de áreas protegidas nesta região no futuro, e essa é outra das razões de nosso trabalho, ajudar a proteger os recursos marinhos”, afirmou o pesquisador norte-americano.
Dos diversos projetos de pesquisa que o CIM patrocina, segundo informação procedente desta entidade cubana, em dois deles relacionados com a ecologia o HRI colabora diretamente. Trata-se dos intitulados “A biodiversidade marinha na região noroeste de Cuba: estado atual, ameaças principais e medidas para sua conservação e uso racional”, e “Ecologia e conservação dos tubarões”, na mesma área geográfica. Em particular, procuram conhecer, no primeiro caso, a distribuição dos habitat principais da biodiversidade biológica, as ameaças causadas pelo impacto humano e as ações recomendadas para a conservação e o uso racional dos ecossistemas.
No segundo projeto em andamento, o enfoque fundamental está em atualizar o estado de conhecimento sobre os tubarões e propiciar à Cuba incorporar-se aos esforços internacionais para o melhor manejo dessa espécie marinha. “Até agora, tivemos sucesso não apenas em criar este projeto, mas, também, em fazê-lo crescer incorporando-lhe novos componentes de estudo, como as tartarugas marinhas, tubarões e golfinhos, e trabalhando com outro instituto nos Estados Unidos chamado Mote, um laboratório marinho de Sarasota, na Flórida”, disse Guggeheim. Este doutor em biologia marinha norte-americano destacou a importância do estudo sobre os tubarões, pois, segundo as informações que possui, no golfo do México algumas espécies diminuíram em até 98%.
A posição geográfica de Cuba “torna está área biologicamente muito importante para poder compreender para onde emigram os tubarões, quais regiões usam, onde se reproduzem, bem como as tartarugas marinhas e os golfinhos, pois, assim, poderemos criar planos para protege-los”, afirmou o especialista. No mesmo sentido, destacou as pesquisas sobre a biodiversidade marinha na ilha. Só para citar um caso, explicou, “um dos problemas mais sérios que o mundo enfrente neste momento e o da degradação e morte dos corais. Nos cayos (complexo de ilhas) da Flórida estas formações diminuíram em mais de 40%, em Veracruz (México), onde existiu um dos mais belos sistemas coralinos, cerca de 95% deles morreram”, afirmou Guggeheim.
O especialista disse que Cuba “ainda é um mistério para os cientistas”, por causa da conservação de seus corais. “Na realidade, um dos mais belos já vistos’, por isso considero que “devemos colocar está peça do quebra-cabeças junto com as outras” pesquisas para compreender “como proteger estes ecossistemas”, afirmou. Inclusive, para Cuba é muito importante aprofundar estes estudos, pois, apesar do que disse antes, “também vi aqui alguns padrões como em outras partes do Caribe”, que alertam sobre ameaças, ressaltou.
Entre esses padrões citou o “banco de corais, áreas com filamentos de algas que os prejudicam, no caso dos tubarões mais de uma semana sem vê-los, por isso, embora está região seja mais saudável”, é preciso estar alerta. Daí a pesquisa realizada com os cientistas cubanos, que inclui cerca de 300 quilômetros de costas do país, represente interesse para toda a região e seja realizada “com muito detalhe. Está área particular, que está entre Havana e Ganacahabibes, que nunca antes tinha sido estudada compreensivelmente, agora será objeto de um grande e sistemático mapeamento com uso de informação geográfica por computadores”, explicou.
A península de Guanacahabibes, distante cerca de 267 quilômetros de Havana, foi declarada, em 1987, reserva da biosfera do planeta pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura. A descoberta em dezembro de 27 novas espécies de moluscos no fundo do mar dessa península, anunciado pelo Instituto de Oceanografia de Cuba, confirma a reputação da área como de maior interesse por sua alta biodiversidade. Entretanto, as diferenças políticas entre os dois governos criam problemas financeiros e logísticos ao projeto, que já gastou mais de US$ 100 mil de doações privadas conseguidas pelo HRI.
Um dos obstáculos a que se referiu o acadêmico é que “está se tentando usar submarinos para a pesquisa das águas profundas cubanas”, mas, pela conjuntura atual de atrito entre Washington e Havana, “deverá ser possível apenas nos próximos anos”. Apesar destas contradições, Guggeheim destacou as partes positivas. “Fico muito feliz pelo fato de muitas fundações nos Estados Unidos reconhecerem que nosso trabalho pela conservação está além da questão política”, afirmou.
O HRI foi fundado com recursos privados em setembro de 2000 em Corpus Christi, no Estado do Texas, e desde então avança no estudo do golfo do México a partir de uma perspectiva trinacional, considerando que Estados Unidos, México e Cuba compartilham o rico recurso marinho. Apoiado por um conselho assessor de personalidades dos três países, pesquisa o golfo do México, onde o Texas tem litoral, com critérios de sustentabilidade econômica e ecológica, de acordo com a grande importância que nos dois sentidos tem para os países envolvidos.
O golfo do México tem superfície superior a 1,8 milhão de quilômetros quadrados e constitui uma fonte de recursos de milhares de milhões de dólares anuais em produção de petróleo e gás para o México e os Estados Unidos, e devido à pesca, fundamentalmente, para os três países dos quais é zona econômica soberana. Na opinião de Guggeheim, “o golfo do México é um claro exemplo de que precisamos de uma colaboração intergovernamental, pois protegê-lo é um trabalho muito grande para um só país”.
Pelos estudos adiantados pelo HRI fica evidente que o golfo do México apresenta sérios níveis de contaminação de diversas procedências, bem como seus ecossistemas apresentam-se afetados, por isso é urgente unir forças para sua conservação. Em junho deste ano em Tampico, no México, haverá uma reunião para analisar a problemática do golfo. “Minha esperança é de que ali os cubanos possam participar e, talvez, seja o início de uma colaboração entre os três países para realmente enfrentar alguns destes problemas”, disse o cientista.
A respeito da oportunidade aberta pela colaboração entre o HRI e o CIM, Guggeheim acrescentou que, além das pesquisas, “cerca de 20 estudantes cubanos dependem do projeto para obter seus títulos de mestrado e doutorado. Assim, é mais do que um projeto de pesquisa, deve plantar as sementes para o futuro da ciência e da colaboração internacional com a esperança que temos de que continue se fortalecendo entre Estados Unidos e Cuba”, concluiu.
(Por Orlando Matos, IPS, 26/01/2007)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=27185&edt=1