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2007-01-26
Moacyr Scliar*

Se tomamos cuidado com a higiene corporal, por que não fazemos o mesmo com a higiene da cidade?

Sob muitos aspectos, José Lutzenberger, pioneiro da ecologia no Rio Grande do Sul, foi um profeta. O efeito estufa e suas sombrias conseqüências mostram que sua mensagem, dada de forma pitoresca e às vezes exaltada, era mais do que pertinente. Pois essa mensagem está tendo continuidade: a Fundação Gaia, que ele criou, acaba de lançar, com patrocínio da Copesul e apoio da Fundação Estadual de Proteção ao Meio Ambiente, Fepam, uma campanha para estimular a comunidade a manter limpas as nossas praias. A campanha é modesta, porque recursos para essas coisas não são muito abundantes. Consta de bandeiras alusivas, mas consta, principalmente, de lixeiras. Ou seja: diz o que fazer e ajuda as pessoas a fazê-lo.

Limpeza não é a tônica das cidades brasileiras. Lixo e detritos enchem nossas ruas. Por quê? Será que somos avessos à limpeza? Não. Brasileiro toma mais banho do que qualquer europeu. Uma vez, em Paris, tivemos uma discussão com a concierge do pequeno hotel em que estávamos, e aonde chegamos à noite. Queríamos tomar banho, e ela se recusava a fornecer toalhas, alegando que poderíamos nos banhar no dia seguinte. Quando finalmente cedeu, resmungou para a auxiliar: "Essa gente não pode ficar sem banho".

Agora: se tomamos cuidado com a higiene corporal, por que não fazemos o mesmo com a higiene da cidade? Resposta: porque o corpo é nosso, é propriedade privada, ao passo que a cidade é espaço público. E, em países como o Brasil, o que é público não é de todos, o que é público não é de ninguém - ninguém cuida. Nem mesmo o poder público: lixeiras não sobram nas cidades.

Uma constrangedora versão disso podemos ver no caso do estilista Ronaldo Esper, que foi preso, acusado de tentar furtar dois vasos do cemitério de Araçá, em São Paulo. O cemitério é um espaço público, portanto não é de ninguém. Ronaldo Esper fez o que muita gente faria, e faz: levou os vasos para o seu apartamento, talvez até achando que lá estariam melhor cuidados.

Esse conflito público versus privado foi o que, de certa forma, sabotou a reunião do Mercosul. Ao invés de pensar no que podiam fazer em conjunto, vários presidentes foram lá para defender o interesse de seus países (e às vezes seus interesses pessoais). Não podia resultar consenso daí. Conclusão: precisamos aprender a pensar no público, no interesse comum. É a coluna vertebral da democracia.

*Escritor
(Agência Carta Maior, 26/01/2007)

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