Por Maurício Thuswohl*
Os principais governantes do mundo parecem estar diante de uma encruzilhada ambiental e Brasil, Europa e Estados Unidos são personagens importantes desse drama. Mas, por qual caminho seguirá de fato cada um deles?
As magníficas montanhas do cantão suíço de Grisons ainda estavam lá, só que, dessa vez, descobertas do manto de neve que costuma deixá-las todas brancas durante o mês de janeiro. A mensagem trazida por esse impacto visual talvez tenha valido mais do que muitas mesas de discussão para os endinheirados participantes que chegaram nos últimos dias a Davos para o Fórum Econômico Mundial. O recado da natureza não poderia ser mais apropriado, já que a questão das mudanças climáticas é um dos principais pontos de pauta dessa edição do tradicional fórum que reúne governantes, banqueiros e grandes empresários na normalmente pacata cidadezinha suíça.
O inverno europeu ter registrado este ano temperaturas elevadas como nunca se viu antes talvez seja uma das explicações para o fato de que a discussão sobre mudanças climáticas voltou à mesa dos grandes. Dias antes do Fórum de Davos, temas como o aquecimento global e a redução da emissão de carbono foram objetos de notícias na União Européia, com o anúncio do plano para reduzir as emissões em 20%, e nos Estados Unidos, com o discurso anual do presidente George W. Bush sobre o “estado da União” que, pela primeira vez, tratou de forma direta essas questões.
Paralelamente, no Brasil, o governo Lula lançou um Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) que busca, entre outras coisas, agilizar a concessão de licenciamentos ambientais e impulsionar investimentos em grandes projetos de infra-estrutura. Mas, ao mesmo tempo, o governo ainda não sinalizou qual caminho pretende seguir em sua política ambiental tanto no plano interno quanto no plano internacional, cenário no qual o Brasil vem desempenhando um papel de liderança nos últimos anos.
Os principais governantes do mundo parecem estar diante de uma encruzilhada ambiental e Brasil, Europa e Estados Unidos são personagens importantes desse drama. Mas, por qual caminho seguirá de fato cada um deles?
As esperanças mais justificadas parecem vir da Europa. Lá, sobretudo nos países mais ricos, é alto o nível de consciência da população quanto à problemática ambiental. Na Europa, ao contrário dos EUA, o cidadão médio sabe que a falta de neve, mais que um inconveniente para a prática de esqui nessas férias de inverno, é sintoma de um processo muito mais amplo e global. Para completar, ao lago que não congelou na Polônia, aos ursos que não hibernaram na Suíça e à neve que não caiu nos Alpes Italianos vieram juntar-se no alarmado imaginário dos europeus dois impactantes estudos sobre o aquecimento global.
O primeiro deles foi o Relatório Stern, encomendado pelo governo da Inglaterra e divulgado no fim do ano passado. Elaborado pelo ex-presidente do Banco Mundial, Nicholas Stern, o relatório procura quantificar economicamente as perdas que terão as nações nos próximos anos por conta do aquecimento provocado pela ação humana. O resultado não é nada animador: se medidas urgentes não forem tomadas, segundo ele, até 2050 os países estarão gastando 20% de suas riquezas apenas para combater os estragos físicos, sociais e econômicos causados pelo aquecimento global.
O segundo estudo é o relatório do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas da ONU (IPCC, na sigla em inglês), que será divulgado oficialmente na próxima semana em Paris. Elaborado a partir do trabalho de 1.200 cientistas e especialistas de diversos países, o relatório sustenta que a probabilidade de que o acúmulo sem precedentes de dióxido de carbono e de outros gases causadores do efeito estufa na atmosfera esteja sendo causado pela ação do homem é de 90% a 99%. No último relatório divulgado pelo IPCC, em 2001, essa probabilidade era de 65% a 90%.
O agravamento da previsão se deve ao grande aumento da presença de carbono na atmosfera nos últimos anos. Antes da Revolução Industrial, a concentração média era de 280 partes por milhão, enquanto nesse início de século registra-se em algumas regiões do globo uma concentração de 400 partes por milhão. Segundo o relatório do IPCC, se for mantido o ritmo atual de uso de combustíveis fósseis e de crescimento populacional, a concentração de carbono na atmosfera pode chegar a 600 partes por milhão em poucas décadas, o que significaria um aquecimento médio da atmosfera que pode chegar, segundo os cientistas, a oito graus Celsius até o fim desse século.
Esse é o contexto no qual a Comissão Européia - órgão executivo da União Européia - anunciou que os 27 países do bloco se comprometeram a reduzir suas emissões de carbono até 2020 a níveis 20% menores do que em 1990. A nova meta amplia o compromisso anterior, assumido por 15 países em 2004, que falava em 8% de redução das emissões até 2012. Os líderes da UE foram mais longe, e afirmaram sua disposição de aumentar a meta de redução para 30% em relação a 1990, desde que “outros países (leia-se os EUA) assumissem metas semelhantes”.
O lado bom da proposta européia é que ela também determina que os países do bloco dêem ênfase à busca por fontes de energia renováveis e estabelece que, até 2020, pelo menos 20% da energia gerada no continente venha de fontes como a solar, a eólica, etc, além de que outros 10% venham de biocombustíveis.
O lado ruim é que organizações ambientalistas como o Greenpeace ou Friends of the Earth já fizeram as contas e afirmaram que a meta de redução das emissões de 20% até 2020 não dá nem para a saída no combate aos efeitos já presentes do aquecimento global. Outra coisa que se pode questionar na proposta européia é se ela é mesmo pra valer ou apenas um jogo de cena político. O certo é que a consciência ambiental elevada dos cidadãos europeus é a única força que pode mover de fato seus governantes.
Estados Unidos
Nos Estados Unidos, onde dois terços da população não sabe exatamente o que significa o aquecimento global, pelo menos o inacreditável Bush teve um tímido despertar para o assunto. Em seu discurso anual para o Congresso, agora dominado pelo Partido Democrata, o presidente pela primeira vez citou diretamente as mudanças climáticas e propôs a redução de 20% no consumo de gasolina no país até 2017.
A proposta de Bush surgiu depois que algumas das maiores empresas privadas do país decidiram anunciar, à revelia do governo, um plano para reduzir suas emissões de carbono.
É verdade que, com uma abordagem mais comercial do que ambiental, Bush afirmou que o principal objetivo do governo era “duplicar as reservas de petróleo do país” e usou argumentos como “segurança energética” e “independência em relação a regimes hostis” para justificar a necessidade da redução da dependência dos EUA por combustíveis fósseis. É também verdade que a meta de redução do uso da gasolina anunciada é ridícula e significaria uma diminuição de menos de 2% na emissão de carbono dos cidadãos norte-americanos nos próximos dez anos.
Sim, tudo isso é verdade, mas somente o fato de um presidente do Partido Republicano, que é sustentado politicamente pelos tubarões da indústria petrolífera em seu país, ter tocado no assunto em seu importante discurso para o Congresso, já pode ser considerado um avanço. Pode ser um indicativo de mudanças que virão. Afinal, toda boa alma nesse mundo deseja que os democratas ganhem as próximas eleições presidenciais nos EUA e, entre outras coisas, assinem o Protocolo de Kyoto. Com os republicanos e seus delírios de conter o aquecimento global através de técnicas ainda não bem dominadas de nanotecnologia e afins, a coisa não vai muito longe.
Brasil
E o Brasil? Bem, no Brasil o segundo governo de Luiz Inácio Lula da Silva começa com o lançamento do PAC. Em relação à política ambiental, sua mais significativa medida é a regulamentação do Artigo 23 da Constituição Federal, que trata da competência das esferas administrativas para a concessão de licenças ambientais.
Com a concentração do licenciamento dos empreendimentos de interesse nacional ou interestaduais nas mãos do Ibama, o governo pretende “desfazer os gargalos” do licenciamento ambiental, numa medida que é saudada por todos, inclusive pelos ambientalistas de dentro e de fora do governo que estão incomodados com a injusta pecha de “travadores do desenvolvimento” que receberam.
Tirando isso, o que se vê no PAC são as migalhas de sempre para o desenvolvimento de fontes de energia renovável no país e muito estímulo para o capital que queira investir nos projetos de infra-estrutura energética, como as grandes usinas hidrelétricas, por exemplo. O risco ambiental aí contido é imenso, mas não é tratado pelo PAC. Quem vai ficar de olho nisso? Na resposta a essa pergunta está a pista de qual caminho vai seguir a política ambiental do segundo governo Lula.
Com o lançamento do PAC, mais do que nunca se faz necessária uma definição do presidente pela manutenção da atual orientação política no Ministério do Meio Ambiente. Uma gestão ambiental menos firme e menos comprometida com as reais demandas nacionais e globais do que a personificada pela ministra Marina Silva pode transformar o PAC numa armadilha ambiental para a Amazônia e para as áreas impactadas pelos grandes empreendimentos de infra-estrutura.
Além disso, se recuar frente ao grande capital na questão do combate ao desmatamento - e, por conseqüência, ao aquecimento da atmosfera - como já vem fazendo na questão dos transgênicos, o governo brasileiro pode comprometer em alto grau o trabalho construído por sua diplomacia no cenário internacional e dificultar o andamento de acordos multilaterais que interessam a todo o planeta, como o Protocolo de Cartagena (biodiversidade) e o próprio Protocolo de Kyoto.
Como se vê, a questão das mudanças climáticas voltou à moda na esfera governamental e diversos países estão mesmo diante de uma encruzilhada ambiental. Enquanto isso, a sétima edição do Fórum Social Mundial, que se realizou no Quênia reunindo representantes e ativistas dos países mais pobres, parece ter abandonado quase que por completo as discussões ambientais...
* Jornalista
(
Agência Carta Maior, 25/01/2007)