Artigo: A Amazônia que se cuide
2007-01-25
Por Marcos Sá Correa
O primeiro resultado do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi mostrar que o presidente da República pode governar falando português. Em lugar daqueles improvisos destrambelhados, a serviço da imagem de orador popular, Lula leu um discurso de conciliação, em que os pronomes se entendiam com os verbos, as palavras, umas com as outras e as orações intercaladas, com as vírgulas em que se encaixavam. Dava para sentir, em cada frase, o esforço de um redator anônimo para provar que a simplicidade não é um problema de sintaxe.
Tudo nele parecia discutido e pensado. Há trechos em que parece obra de um grande perfumista. Como o parágrafo no qual o presidente afirma que o brasileiro nunca perdeu a esperança: “Mesmo aquelas pessoas que, por precipitação emocional ou volúpia interesseira, viram em problemas passageiros alimento para uma retórica da desesperança, mesmo elas não tiveram combustível para prosperar em seu pessimismo”. É difícil imaginar maneira mais elegante de resumir a mixórdia que ocupou metade do primeiro mandato com aloprados, traidores e outros “problemas passageiros”, que agora repousam no STF. Destilada, a crise do governo até que cheira bem.
O que cheira mal, no discurso, é o silêncio sobre o meio ambiente. É o tipo do cuidado que, a essa altura dos acontecimentos, deveria fazer parte de qualquer aposta econômica. No mundo, ela marca a fronteira do avanço com o atraso. Aqui, não. Lula só mencionou “o ambiente” duas vezes. Primeiro, referindo-se à cultura do trabalho, depois à democracia “como ambiente mais saudável para o crescimento”. Sobre o ambiente propriamente dito, nem um pio.
Silêncio revelador
O que não seria um manifesto de desinteresse pelo tema, se ele estivesse improvisando. Nesses casos, os brasileiros já sabem que não é para tomar o presidente ao pé da letra. Num discurso redigido com notória cautela, as omissões raramente ocorrem por esquecimento. O esquecimento exprime intenções.
E Lula deixou claro que vem por aí mais um surto predatório do desenvolvimento caboclo. Depois ninguém diga que o homem não avisou.
A floresta amazônica que se cuide. Ela está numa encruzilhada por onde o PAC quer passar, “a 120 por hora, botando a turma toda do passeio para fora”, com gasodutos, estradas, terminais graneleiros, hidrovias e hidrelétricas. O plano destina R$ 32 bilhões só para os 12 mil quilowatts de energia nova que espera extrair dos rios da Amazônia. Prevê a ligação de rodovias com portos fluviais, abrindo para a soja a última fronteira selvagem.
É um plano para o futuro feito com projetos do passado. São obras controversas. Dependem de estudos e relatórios de impacto ambiental. A ministra Dilma Roussef afirma que eles estão prontos. A ministra Marina Silva, que há muito tempo não afirma nada, parou de falar na idéia de abrir tais documentos, publicando-os na internet pelo site do Ibama.
Pendurado no PAC, há um projeto de lei regulando o artigo 23 da Constituição, para aumentar “a eficiência na atuação do poder público com vistas à proteção do meio ambiente, reduzindo os questionamentos judiciais sobre as competências de cada entre federativo”. Sua prioridade é “contribuir para a realização de novos investimentos”. De reforçar a equipe do Ibama, para desentupir a burocracia do licenciamento, o documento aparentemente se esqueceu. Bem-vindo ao governo Lula, Parte 2.
(O Estado de S. Paulo, 24/01/2007)
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