Da seringueira para as passarelas
2007-01-25
O badalado mundo da moda, um laboratório de química e famílias de seringueiros poderiam não ter nada em comum. Mas um projeto da Universidade de Brasília (UnB) mudou esse destino. Criada pelo professor do Laboratório de Tecnologia Química (Lateq) Floriano Pastore, a Tecnologia para Produção de Borracha e Artefatos na Amazônia (Tecbor) ensina aos seringueiros da região Norte um novo método para produção de borracha natural. O produto de boa qualidade sai pronto para aplicação industrial e tem alto valor agregado. Cerca de 400 famílias já aprenderam a metodologia e elevaram sua renda mensal aproximadamente 60%. O látex ecologicamente correto chamou a atenção de designers de moda, entre os quais os da marca Osklen, que criaram peças exclusivas para sua coleção. A novidade será exibida em desfile do São Paulo Fashion Week, no dia 24 de janeiro de 2007.
Alças de blusas e vestidos, cintos e acessórios são alguns dos artigos que utilizam a matéria-prima da UnB, batizada de látex natural da Amazônia. A descoberta do produto pela grife foi feita em 2005, durante uma feira de novas tecnologias em São Paulo. O material estava exposto em um estande que o Tecbor, representado pela coordenadora assistente Vanda de Souza, dividia com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), um dos financiadores do projeto. Foi amor à primeira vista. A possibilidade de usar uma borracha diferente, que ajuda na sustentabilidade da floresta Amazônica e de seringueiros do país animou os consultores do movimento E-brigade, criado pelo diretor de estilo da Osklen, Oskar Metsavaht, com o intuito de divulgar o desenvolvimento sustentável entre os jovens.
O projeto já chegou a cinco estados brasileiros: Acre, Amazonas, Amapá, Pará e Rondônia. O impacto positivo no meio ambiente, segundo Pastore, está ligado à qualidade de vida dos seringueiros. “Uma família que vive do extrativismo guarda 400 hectares de floresta, o equivalente a 25 quadras de Brasília. Se ela não consegue sustento ali, pode se engajar em atividades predatórias, como expansão desordenada da agricultura e da pecuária, extração de madeira, garimpo e caça e pesca predatória”, afirma. Também é possível que os ribeirinhos procurem oportunidade nas periferias das cidades, deixando a floresta aberta à exploração e abandonando um conhecimento da biodiversidade amazônica, acumulado em centenas de anos.
Família
Com a metodologia de trabalho, o próprio seringueiro e sua família produzem de forma independente e no seu ritmo a Folha de Defumação Líquida (FDL), que é a borracha pronta para ir para a indústria. Cada família recebe da associação ou cooperativa de produtores um kit com os materiais necessários para o processamento do látex. Com isso, é montada uma microusina no quintal do trabalhador. Toda a produção é vendida para a associação, que depois revende a matéria-prima para a indústria. “Esse processo fortalece o espírito associativo e diminui a possibilidade de intermediários comprarem a FDL direto na origem”, explica a engenheira florestal Ione Rêgo, que participa do projeto.
Em cada fardo de borracha ficam gravadas as iniciais do seringueiro e as três primeiras letras do nome da cidade que sedia sua associação. Essas informações servem para se chegar à origem da produção, caso sejam detectados problemas de qualidade no material, mas acaba por gerar um orgulho maior do produtor e por fortalecer seu vínculo com a borracha. Para fazer uma folha, são usados, em média, 800 ml de látex da seringueira. Seu valor de produção, descontandos a mão-de-obra e o frete de transporte, é de aproximadamente R$ 0,15 o quilo de FDL e de R$ 0,80 o quilo de Folha Semi-artefato (FSA), que leva a adição de uma mistura vulcanizante, para deixar a borracha mais estável. Essa última é a usada pela Osklen e recebe a mistura de diversos corantes. O valor para venda é negociado com cada uma das associações.
Processo
O grupo da UnB é um dos mais fortes do país em produtos florestais não-madeireiros e a técnica desenvolvida para obtenção dessa borracha rendeu uma patente registrada pela UnB e o pelo Ibama. “Essa patente serviu para assegurar que ninguém viesse registrar o processo, prejudicando os seringueiros. Mas a idéia é abrir o conhecimento para o maior número possível de interessados”, observa Pastore. De fato, o procedimento é simples, não requer energia elétrica nem uso excessivo de água, o que facilita a difusão entre os seringueiros.
A diferença desse para outros processos é que, em vez de cortar a seringueira e deixar o látex da árvore coagular de forma espontânea, o mesmo é levado para casa e não fica exposto. Nas microusinas, ela é adicionada a uma substância coagulante, o ácido pirolenhoso. Depois de duas horas em uma bandeja, o material adquire um formato mais consistente, parecido com queijo, e passa por uma prensa para retirar a água restante. Por fim, a lâmina de borracha é posta para secar em temperatura ambiente, ao ar livre e ao abrigo do sol, o que dispensa a fase de defumação e livra o seringueiro da exposição excessiva à fumaça.
Além do Ibama, a Fundação Banco do Brasil financia as ações do Tecbor. Em novembro de 2006, a equipe foi agraciada com o 3° lugar no Prêmio Chico Mendes de Meio Ambiente 2006 – Categoria Ciência e Tecnologia. A iniciativa também já havia sido premiada em 2001 pela FBB.
(Envolverde/UnB Agência, 24/01/2007)
http://www.envolverde.com.br/materia.php?cod=27127