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2007-01-24
Ao que parece os governos Fernando Henrique e Lula têm cacoetes idênticos no que diz respeito à afirmação da autoridade do Estado. O primeiro inaugurou a era da permissividade no trato dos cultivos ilegais de transgênicos, deixando de fiscalizar tanto o contrabando de sementes da Argentina como o seu plantio no Rio Grande do Sul. Com isto, ao arrepio das leis do país, criou-se uma situação econômica e social explosiva no começo do governo Lula, com cerca de 3 milhões de toneladas de soja transgênica produzida não só pelos grandes e médios produtores mas por milhares de pequenos. Buscou-se uma solução que permitisse o cumprimento da lei sem criar uma crise social na agricultura do RS, mas o governo preferiu “legalizar” o ilegal, oficializando uma postura de leniência com atos que podem levar riscos para os consumidores, para o meio ambiente, para a economia do país.

O presidente parece não ter se dado conta de que autoridade pública não é para ser usada de acordo com os interesses momentâneos de um ou outro lobby ou de uma ou outra categoria ou grupo econômico. Com isto, passou para a sociedade uma horrível impressão de que estamos no faroeste e que vale tudo para fazer valer os interesses particulares frente aos interesses coletivos pois as leis não são outra coisa senão isto, a garantia do interesse maior da sociedade como um todo.

Na terra sem lei em que se transformou o Brasil de Lula as empresas seguem com sua estratégia de contaminação geral da agricultura com a introdução de novas culturas transgênicas nos mesmos moldes da experiência da soja. No caso do algodão transgênico o caso é mais grave ainda pois mesmo o “pretexto social” avocado no caso da soja não pode ser usado, já que o número de agricultores flagrados com culturas ilegais é mínimo e não são pequenos. A própria CTNBio, com sua ativa maioria combatente pela liberação dos transgênicos não ousou propor uma legalização pós fato e orientou os fiscais do governo para destruir o algodão transgênico ilegal. Isto não foi feito devido à atitude de complacência do governo, que já esperava que o Congresso desse a volta em mais esta ilegalidade e mudasse as regras para ajusta-las a uma situação de fato.

O Congresso não vacilou em seguir a mesma linha de colaborar com o descumprimento das leis e, com a combativa contribuição do deputado Paulo Pimenta (que enfrentou a oposição de toda a bancada do PT) aprovou a legalização da cultura irregular de algodão transgênico.

Os cientistas que dão duro na CTNBio deveriam todos renunciar e deixar de discutir a questão da biossegurança pois esta lei, claramente, não veio para vingar. Os cientistas militantes pró transgênicos na comissão não acreditam que existam problemas de biossegurança nos transgênicos e atuam exatamente para não deixar que esta questão seja discutida a fundo, a pretexto de que se está “travando a ciência”. Por outro lado, os agricultores já entenderam a “mensagem”, e nem procuram mais esconder os cultivos ilegais. Nem o congresso que votou a Lei de Biossegurança, nem o governo que tem que faze-la cumprir parecem dar a mínima para legislação.

A sociedade civil organizada é quem está lutando para que a Lei seja cumprida e para que o presidente não perca a sua autoridade, mas neste pragmatismo irresponsável que vem caracterizando o trato deste tema pelo governo não há muitas esperanças de que Lula entenda que o que está em jogo não é só a sua relação com a bancada ruralista ou com as empresas de biotecnologia mas o princípio republicano de que a lei é válida para todos e que não se pode torce-la a cada pressão de um ou outro lobby. O presidente deveria assumir que é a principal garantia da manutenção da lei e vetar a espúria emenda do deputado Paulo Pimenta que tornou legal o ilegal após o crime cometido. Deixe que a CTNBio trabalhe, presidente, e que ela avalie se o algodão transgênico tem ou não riscos de biossegurança e o libere ou não de acordo com a lei a qual, o senhor mesmo prometeu em reunião com a sociedade civil no CONSEA, seria “a mais avançada lei de biossegurança do mundo”.
(Biodiversidad en América Latina, 23/01/2007)
http://www.biodiversidadla.org/content/view/full/29672

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